JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 14
Iniciação à Cristologia
SEGUNDA PARTE
A OBRA REDENTORA DE JESUS CRISTO
Capítulo VII
JESUS CRISTO, MEDIADOR DA NOVA ALIANÇA E CABEÇA DO GÉNERO HUMANO
Deus decidiu restabelecer a comunhão de vida com os homens, rompida pelo pecado, mediante a Encarnação do seu Filho. Assim, pois, a salvação realiza-se «por meio de» a obra de Cristo homem: a acção de Jesus Cristo é uma mediação e Ele é o Mediador. Por isso as orações litúrgicas, que habitualmente se dirigem ao Pai, se acabam com a fórmula «Per Dominum Nostrum Iesum Christum...» («Por Nosso Senhor Jesus Cristo...»).
E Jesus, em toda a sua obra mediadora, actua como Cabeça do género humano: isto é o que explica que as suas acções sirvam para a nossa salvação. Vejamos estes pontos.
1. Jesus Cristo. Mediador da Nova Aliança entre Deus e os homens
a) Jesus Cristo é o Mediador da nova e eterna Aliança entre Deus e os homens.
O nome de mediador.
Mediador é nome de ofício, e aplica-se a quem faz de meio entre os que estão separados para reconciliá-los, ou uni-los de alguma forma.
A Sagrada Escritura dá o título de mediadores aos Patriarcas, a Moisés (cf. Dt 5,5) e a outros enviados por Deus para instituir a aliança entre Ele e o seu povo, ou para a manter viva, ou refazê-la quando tenha sido rompida. Na economia divina, que é a da condescendência e da auto-comunicação de Deus aos homens, os mediadores não são primariamente representantes do povo ante o Senhor, mas sim representantes de Deus, que se serve de alguns homens os quais elegeu como instrumentos e lhes conferiu dons e autoridade especiais sobre os outros. A aliança e a salvação vêm do alto, de cima; não é obra humana.
Jesus Cristo, Mediador entre Deus e os homens.
O Novo Testamento aplica o título de Mediador a Cristo, enviado por seu Pai para reconciliar o mundo consigo e estabelecer uma Aliança entre Deus e a humanidade que estava separada da intimidade divina pelo pecado. «Um só é Deus um só é também o mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem, que se entregou a sua mesmo em redenção de todos» (1 Tim 2,5-6)[1].
A Sagrada Escritura também ensina esta mesma realidade empregando muitas outras expressões: Cristo é o único salvador (cf. Act 4,12), o único caminho para ir ao Pai (cf. Jo 14,6-9), por quem temos acesso a Deus Pai (cf. Ef 2,18), por quem nos reconciliamos com Deus (cf. 2 Cor 5,18-21); etc.
Cristo é Mediador da «Nova e eterna Aliança».
É mediador da «Nova Aliança» ou «de uma Aliança mais excelsa» (Heb 9,15; 8,6). As alianças anteriores entre Deus e a humanidade eram parciais e imperfeitas, pois não faziam os homens partícipes da intimidade divina, nem tinham o poder de tirar o pecado. Ao contrário, Jesus revela-nos plenamente o Pai, tira o pecado do mundo e estabelece a verdadeira comunhão de vida entre Deus e os homens (cf. Heb 1,1-3; 8,6ss): «A lei foi dada por meio de Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Cristo Jesus» (Jo 1,17).
A mediação de Cristo não consiste só na obra que levou a cabo na terra, mas também compreende a que realiza no céu: é o Mediador da Aliança eterna e definitiva, que começa neste mundo e continuará de modo perfeito na eternidade.
b) Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens
Cristo é o único Mediador.
Só Cristo une verdadeiramente os homens com Deus, enquanto pelo seu sacrifício nos reconciliou com Deus, remindo-nos do pecado que nos separava d’Ele. «Um só é o Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem» (1 Tim 2,5). Ou como Ele dizia: «Ninguém vai ao pai senão por mim» (Jo 14,6).
Por isso o Magistério da Igreja qualifica Jesus Cristo como «único» e «verdadeiro» Mediador entre Deus e os homens[2].
Há outros mediadores entre Deus e os homens, mas subordinados a Cristo e partícipes da sua mediação.
É muito congruente com o plano da providência divina que as criaturas participem como causas segundas na economia da criação e da salvação. Assim, é lógico que haja outros mediadores que desempenhem algum papel na obra salvífica.
Todavia, esses outros mediadores não causam por si mesmos a reconciliação do homem com Deus, só cooperam dispositiva e instrumentalmente para essa união. Unicamente Cristo por si mesmo repara o pecado e nos comunica a vida divina.
Todas as outras mediações participam da mediação de Jesus Cristo e dependem dela: existem em virtude da graça e dos dons que provêem da sua obra redentora. E, além disso, estão ordenadas a Cristo, pois o seu fim é levar os homens à união com o Salvador do género humano e assim participem da salvação que Ele nos dá[3].
Neste sentido subordinado há outros mediadores em graus diferentes: em primeiro lugar a Virgem Maria Mediadora de todas as graças, depois os anjos, os santos, os sacerdotes, os pais, etc. Todos os cristãos devem ser mediadores em Cristo Jesus: devem ser seus instrumentos para a salvação dos demais e conduzi-los à união com o salvador.
c) Jesus Cristo é Mediador enquanto homem
Assim o ensina explicitamente a revelação: «Um só é o Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem, que se entregou a si mesmo em redenção de todos» (1 Tim 2,5-6).
Ser mediador implica duas coisas: Em primeiro lugar, que uma pessoa de algum modo tenha condição de meio entre os que há que reconciliar: para isso deve ser diferente deles e, ao mesmo tempo, deve ter alguma relação com cada uma das partes. E em segundo lugar, que intervenha efectivamente com a sua acção para reconciliar os que estão separados.
Evidentemente, Cristo enquanto Deus não tem condição de meio, pois não difere do Pai nem do Espírito Santo nem em natureza nem no poder salvador. E tampouco é meio entre Deus e os homens simplesmente pelo facto de ser homem.
Jesus Cristo tem condição de meio enquanto é homem cheio de graça e enquanto com a sua entrega – vivificada por essa plenitude de graça – reconcilia os homens com Deus. Com efeito, em virtude da sua natureza humana é inferior ao Pai (cf. Jo 14,28), e por causa da plenitude de graça está acima de todos os homens e distingue-se de todos os outros: por isto tem razão de meio. E com a sua actuação humana, vivificada por essa plenitude de graça e de caridade, merece para todo o género humano a reconciliação com Deus e satisfaz pelo pecado. Daí que «da sua plenitude todos recebemos graça sobre graça» (Jo 1,16)[4].
Ora bem, já sabemos que o fundamento dessa plenitude de graça e de caridade pelas quais está acima de todos e pelas quais se entregou por nós, é a união hipostática, a qual constitui o fundamento da sua mediação; de modo que se Cristo não fosse Deus feito homem, não teria a plenitude de graça e, portanto, não seria nosso Mediador.
2. Cristo medeia entre Deus e os homens exercendo os ofícios de sacerdote, Mestre e Pastor
Como exerce Cristo a sua mediação entre Deus e os homens? Para descrever o modo como exerce esta mediação costumam expor-se os diversos ofícios pelos quais leva a cabo a nossa salvação: como Sacerdote, como Mestre (ou Profeta) e como Pastor (Rei e Senhor). Esta enumeração é sobretudo descritiva e torna-se útil para conhecer distintamente os diversos aspectos da obra de Cristo. Mas não é uma divisão rigorosa, pois não há uma distinção clara entre essas funções já que cada uma implica de algum modo as outras.
a) Jesus Cristo, Sacerdote da nova Aliança
A noção de sacerdote.
«Todo o sumo-sacerdote, escolhido entre os homens, está constituído em favor dos homens no que se refere a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados; e pode sentir compaixão pelos ignorantes e extraviados, por estar ele também envolto em debilidade (…) E ninguém se arroga tal dignidade, senão o que é chamado por Deus, tal como Aarão» (Heb 5,1-4).
As características próprias do sacerdote que este texto sagrado assinala são: em primeiro lugar. Pertencer à linhagem humana e ter sido «escolhido e assumido» por Deus dentre os demais homens por uma certa consagração. Em segundo lugar, estar destinado para mediar entre Deus e os outros. Em terceiro lugar, o acto específico do sacerdote que é oferecer o sacrifício para reparar o pecado e assim reconciliar os homens com Deus (cf. Heb 8,3). Em quarto lugar, assinalam-se ali também alguns quesitos: a vocação divina e algumas qualidades morais como a misericórdia, a humildade, etc.
Assim, pois, o sacerdote é um mediador entre Deus e os homens. Todavia, o termo «mediador» é mais amplo que o de «sacerdote», pois nem toda a mediação é um sacerdócio. Com efeito, pode haver outras mediações entre Deus e os homens (p. ex. a dos profetas na revelação, a dos reis no governo da sociedade, etc.), mas o sacerdócio é a principal, pois consiste em unir e reconciliar verdadeiramente os homens com Deus, tirando o pecado que é o que separa os homens de Deus.
Como exerce o sacerdote a sua missão mediadora? O que faz em primeiro lugar com a sua função principal e própria que é oferecer sacrifícios para nos reconciliamos com Deus, e assim alcançar as bênçãos do céu[5]. Mas o ofício sacerdotal também compreende outras funções, uma vez que assim também deve comunicar aos homens os dons de Deus.
Jesus Cristo é sacerdote.
A Carta aos Hebreus dá a Jesus o nome de Sacerdote, de sumo e grande Sacerdote da Nova Aliança; afirma que o seu sacerdócio é diferente e superior ao levítico; que o seu sacerdócio é eterno; e apresenta a sua obra como uma missão sacerdotal[6].
Cristo exerce o seu sacerdócio oferecendo a Deus orações por nós e o sacrifício da sua vida pelo qual nos reconcilia com Deus, e, por outro lado, transmitindo aos homens os dons divinos, como são a graça e a revelação.
Portanto, o sacerdócio de Cristo coincide com a mediação que estudámos. E tudo o que dissemos de Cristo Mediador diz-se naturalmente de Cristo Sacerdote: Ele é o sacerdote da nova e eterna Aliança que estabelece a comunhão de vida entre Deus e os homens destinada à sua perfeição na eternidade: Ele é o único e Sumo-Sacerdote que com o seu sacrifício nos reconcilia com Deus, sendo todo o outro sacerdócio (ministerial ou o comum dos fieis) participação do seu sacerdócio e a ele subordinado; etc.
b) Cristo., Mestre da verdade: mediador e plenitude da revelação
Cristo, mediador perfeito da revelação.
O Filho de Deus, ao vir a este mundo, como homem, é o mediador perfeito da revelação pois manifesta-nos a Deus a quem vê e ouve. Ele é testemunho da verdade (cf. Jo 1,18; 8,40).
O Novo Testamento também assinala que Cristo é o «profeta» anunciado por Moisés (cf. Act 3,22; Dt 18,15); quer dizer, aquele que fala as palavras de Deus, seu mediador na revelação. Por isso a teologia fala do ministério profético de Cristo.
Todavia, o ofício de profeta, ainda conveniente a Cristo, expressa de modo insuficiente a sua função doutrinal; Ele é muito mais que profeta e distinguiu-se de todos eles: «De uma forma fragmentária e de muitos modos falou Deus no passado aos nossos pais por meio dos profetas; nestes últimos tempos falou-nos pelo seu Filho» (Heb 1,1-2). Ele, não só como Deus mas também enquanto homem, é superior a todos os profetas porque tinha ciência de visão que nenhum profeta pode ter. Ele é «o Mestre», o único mestre dos homens (cf. Mt 23,18-10).
Cristo, plenitude da revelação.
O concílio Vaticano II diz mais: Jesus é «o mediador e plenitude de toda a revelação»[7] Jesus Cristo não só nos revela o mistério de Deus Uno e Trino, como também nos descobre o plano da nossa salvação e qual é a dignidade e a vocação do homem: quer dizer, tudo o contido na nossa fé.
Ele é a plenitude da revelação: é a luz do mundo (cf. Jo 8,12; 12,46), é a própria verdade (cf. Jo 14,6). É a palavra única e perfeita do Pai. De modo que Deus no seu Verbo disse tudo, e não haverá outra palavra mais que esta[8].
Este ofício magistral de Cristo ordena-se a levar os homens à fé para que, acreditando, se convertam e alcancem a justificação. Deste modo Jesus liberta-nos de uma das sequelas do pecado, da ignorância e do erro: «A verdade vos tornará livres» (Jo 8,32). Portanto, este ofício está relacionado com o seu ministério sacerdotal, assim como também está unido ao ministério pastoral, pois constitui uma forma de nos conduzir à nossa salvação.
Vicente Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)
[1] Cf. Também: Gal 3,19-20; Heb 8,6; 9,15; 12,22-24.
[2] Cf. LG, 8, 62; CONC. VATICANO II, Ad gentes, 3; Decl. Dominus Iesus, 13-15; etc.
[3] Cf. LG, 62.
[4] Cf. S.Th. III,26,2; III,7,1.
[5] Etimologicamente «sacrifício» provem de sacrum facere, fazer de Deus algo que era do homem
[6] Noutros textos do Novo Testamento reconhece-se a Jesus esse mesmo ofício ainda que não se lhe outorgue o título de sacerdote (v. g.: Ele ofereceu a sua vida como um sacrifico; cf. Mc 14,24 e par.; Ef 5,2M Jo 10,17-18; etc.). talvez se omita esse título para evitar uma possível confusão entre os primeiros fieis se se identificasse a figura e a obra de Cristo com a dos sacerdotes judeus ou pagãos que podiam servir-lhes de referência.
[7] DV,2.
[8] Cf. CCE, 65.
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