Pensamentos para a vida diária
Capítulo VIII
ATÉ NO MAL PODE HAVER UMA PARCELA DE BEM
Quando descobrimos defeitos nos nossos semelhantes, quase sempre deixamos de os estimar.
Ora, pode se precisamente essa a causa de subsistirem neles esses defeitos, porquanto lhes falta alguém que, por meio do amor, os reencaminhe para a perfeição.
Também os viciosos possuem muitas qualidades dignas, dignas de apreço pois será raro que neles não sobrevivan restos de dec^neciae de honradez.
O facto se se estar possuído de um grande pecado, é muitas vezes o suficiente para que naturalmente não se cometam outros pecados., e, tanto basta para que nesse grande pecador exista algo digno de amor.
O pródigo, por exemplo, nunca será simultâneamente avarento; os comunistas com a sua ambição do poder e da revolução, muitas vezes nem se preocupam com o pecado da carne que, para eles, representa o ínfimo dos prazeres deste mundo.
Tal como certas ervas daninhas destroem outras do mesmo género, assim acontece também com muitos pecados: o filho pródigo era, provavelmente, um moço de convívio encantador.
Lê-se no Evangelho que, certo dia, se aproximou de Nosso Senhor um jovem poderoso e rico que Lhe perguntou que deveria fazer para alcançar a vida eterna. Jesus respondeu-lhe que cumprisse os Mandamentos, ao que o jovem respondeu que assim procedera sempre desde criança. Disse-lhe então Jesus Cristo o que deveria fazer para ser perfeito: que vendesse quanto tinha, o desse aos pobres e que, depois, O procurasse e O seguisse. O jovem foi-se embora cheio de tristeza, porque possuía muitos bens e não queria privar-se deles. O Evangelho, porém, acrescenta que Nosso Senhor o amou apesar daquela sua Patente imperfeição.
Deste episódio evangélico fica apenas na memória de quase todos nós os motivos de aquele jovem para não querer separar-sedos bens terrenos, de não ter tido coragem para ser um herói espiritual.
Se abstrairmos os aspectos desagradáveis do carácter das pessoas, se deixarmos que se esfumem na nossa atenção essas características más em vez de só neles nos fixarmos, começarão a destacar-se imediatamente e a avultar as boas qualidades dessas pessoas.
É bem sabido que assim acontece quando alguém morre: enquanto estava vivo, os seus defeitos pareciam nódoas negras num manto branco; depois de morto, porém, quase só aparece o fundo branco da alvura das boas qualidades que nem sequer tínhamos suspeitado enquanto vivia.
Pois Nosso Senhor vê assim os homens enquanto ainda vivos, ao passo que nós só de tal forma os encaramos depois de mortos e enterrados.
Porquê?
Porque decerto a Sabedoria Divina, que perscruta o mais íntimo das nossas almas, vê que não há má qualidade que não seja, afinal, a distorção de uma qualidade boa.
A falta de sinceridade pode provir do receio de melindrar os outros; a prodigalidade provém, talvez, de um exagero de generosidade, e a propensão para a luxúria será um desequilíbrio do amor da perfeição.
A grosseria representará, possivelmente, uma forma extrema e brutal de franqueza leal, e a maledicência o lado negro do propósito de criticar com verdade e rectidão, e que pretende começar pelos outros em vez por si próprio.
No caso do jovem de que o Evangelho fala, o facto de ser rico era de somenos importância; o que realmente interessou foi a demosntração que deu de que amava as suas riquezas mais que tudo, mais até que a perfeição da vida eterna que pretendia alcançar.
E, foi o conselho que Jesus Cristo lhe deu que pôs a nu aquela sua fraqueza.
Efectivamente há muita gente que tem fé em Deus, enquanto possui nos bancos depósitos chorudos.
Ora, aquele rapaz era dotado de excelentes qualidades: queria alcançar a vida eterna, tinha cumprido desde criança os mandamentos, era tão humilde que declarava a Cristo, em plena praça pública, em vos alta e, portanto, ouvido pelos circunstantes, o seu propósito de se aperfeiçoar moralmente.
Faltava-lhe apenas uma coisa: a vontade de renúncia completa e total, o espírito do soldado que apenas pergunta pelas ordens para as cumprir.
Por isso Nosso Senhor lhe disse que “só lhe faltava uma coisa”.
Realmente ninguém está longe da perfeição e da paz interior.
Como escreveu Léon Bloy : “basta dar um passo para sair do pecado e estaremos salvos”.
Um relógio com os diamantes, mas sem molas, com as navio com máquinas, mas sem leme, a todos falta apenas uma coisa.
Multipliquem todos os zeros que quiserem alinha numa folha de papel e, o resultado será sempre constituído por zeros porque lhes falta uma coisa.
Escrevam, porém, 1 ou 2 diante desses zeros e formarão imediatamente números enormes.
Basta um pecado, ou até uma simples falha habitual, para uma vida inteira.
Mesmo, porém quando falta uma única coisa,se não tivermos amor bastante ao relógio para lhe darmos corda para lhe darmos a mola de que unicamente carece, se amrmos bastante o navio e, no entanto, lhe negarmos o leme, ambos ficarão inúteis para sempre.
O mesmo acontece com os homens: se não lhes tivermos amor, nunca lhes proporcionaremos a tal “única coisa” de que carecem para se regenerarem, para serem felizes, para gozarem aquela paz íntima que é prenúncio e promessa da bem-aventurança eterna.
Capítulo IX
PRAZER E AMOR
Não há coração humano em que não exista profundamente gravada esta lei: quanto mais nos entregamos aos prazeres, mais diminuímos o prazer.
Gostamos de ver uma luz brilhante mas, se aumentamos essa luz, podemos chegar ao ponto de cegar.
No prazer de comer, depressa atingimos a saciedade; assistir a espectáculos por dever de ofício, torna-se uma tarefa fastidiosa, como sucede nos críticos teatrais.
O rapazinho que julga insuficiente para o seu apetite os sorvetes e rebuçados que há no mundo, não tarda a verificar, após uma bela indigestão, que é pequeno para meio quilo de guloseimas.
A Natureza colocou alguns limites automáticos aos prazeres e gozos deste mundo e, mesmo que não se excedam esses limites, o prazer que nos proporcionam vai diminuído com o tempo e com o hábito.
Vai para alguns anos, dois psicólogos lembraram-se de encontrar uma lei, de descobrir uma regra matemática de diminuição proporcional do prazeres.
Pretendiam demonstrar que, para se obter um aumento de prazer em progressão aritmética - 1, 2, 3, 4, etc. – era preciso aumentarem progressão geométrica – 3, 4, 8, 16, etc. – o estímulo ou a excitação para esse prazer.
Jamais, porém, conseguiram reduzir a uma fórmula algébrica as conclusões a que chegaram, pois que era bem de ver que fenómenos da alma e do espírito não são traduzíveis em números matemáticos, muito embora fosse indiscutivelmente verdadeira a conclusão genérica a que tinham chegado, de que todo o aumento de grau de um prazer requer um aumento incessantemente maior do respectivo estímulo.
Uma pílula de narcótico bastaria na primeira vez para proporcionar uma noite de sono; mas não tardaria que, para esse fim, seja necessário ir aumentando a dose cada vez mais.
Um filósofo inglês, o Prof. C. E. M. Joad, que foi presidente do Brains Trust (Comissão de Intelectuais) da Emissora Nacional Britânica B. B. C., escreveu páginas interessantes acerca do prazer que sentia em fumar cigarros.
Fumava tantos cigarros diariamente, que a certa altura, teve a revelação de que não sentia nenhum prazer em fumar.
E compreendeu que era mais, afinal, para não sentir a contrariedade de um cigarro à mão para fumar, do que o prazer de o ter, que acendia cigarros uns após outros.
O hábito de fumar tornara-se nele tão automático que as suas reacções musculares tendiam unicamente a evitar o aborrecimento de não estar a fumar.
Tratou, portante, de reduzir o numero de cigarros, até conseguir fumar apenas quatro por dia, após as quatro refeições.
E, quando chegou a esse limite, é que começou, realmente, a saborear o prazer de fumar.
Quer dizer, o prazer aumentou na proporção em que lhe diminuiu a frequência.
Se o mesmo acontece ou aconteceria com todos os fumadores deste mundo, isso é outra questão.
O que é, porém, certo, é que o resultado obtido pelo professor Joad confirma o aforismo do velho Hipócrates: «Quanto mais se dá de comer aos corpos doentes, mais doentes eles ficam».
Até certo ponto o prazer é, por conseguinte, função da sua própria limitação.
Para quê, porém, evitar excessos quer de bebidas ou de comidas, quer de fumar ou de relações sexuais?
Com efeito se se partir do princípio que o “eu” é uma entidade absoluta, não haverá nenhuma razão para limite os seus apetites.
Suponhamos, todavia, que existe alguém a quem amamos mais do que a nós próprios e que, portanto, queremos renunciar ao objecto do menor amor, para nos consagrarmos ao maior.
Ora, quanto maior for o amor por esse alguém, menos sentiremos como sacrifício trudo quanto fizermos para conquistar o objecto do nosso amor.
Foi assim que Jacob não hesitou em servir como pastor durante sete anos para conquistar Raquel, porque a amava.
Quando não existe amor, não há fundamento verdadeiro para exigir dos homens que renunciam ao prazer próprio, ou que lhe ponham, ao menos, um limite, a pretexto de que aumentarão a alegria de viver.
Como não têm amor senão a si próprios, jamais estarão dispostos a sacrificar voluntariamente o prazer egoísta que possuem.
Os sacrifícios sempre nos parecem enormes, quando o amor é pequeno.
Onde houver, porém, o amor de Deus e a compreensão profunda de quanto está implícito no Sacrifício do Senhor na Cruz do Calvário, então é fácil abandonar todos os míseros prazeres deste mundo, em troca da infinita paz que o mundo não nos pode dar nem nos pode tirar.
Os corações tornam-se então como navios que encalharam em bancos de lodo, mas que a maré alta do Amor desencalhou das paixões vergonhosas que os prendiam e os repôs a flutuar, para retomarem o caminho do porto celestial do eterno abrigo e da paz imorredoira.
Fulton J. Sheen, Thoughts for dayly living, (tradução por AMA)