(Cfr. Lc 8, 49-56)
Saudade
Parece que só a língua portuguesa tem esta
palavra única para significar a vontade, o desejo de voltar a viver algo que se
viveu num passado, rever uma pessoa que está afastada, enfim, sentir a falta de
algo ou alguém que naturalmente guardamos na memória como algo bom de que
gostámos.
Noutros idiomas para exprimir este
sentimento tem de usar-se uma frase composta. Realmente, em português as coisas
são mais simples. E exactamente por ser simples, descrever o sentimento que representa
pode ser complexo e difícil.
Por isso mesmo quase sempre se usa a
palavra sem acrescentar nada mais porque ela já diz tudo quanto precisamos para
descrever um estado de alma.
A saudade pode ser algo condicionante e
esmagador sendo necessário exercer um controlo sério para que não tome
demasiado vulto ou atinja níveis emocionais que terão sempre uma consequência:
o mergulhar na tristeza, desesperança, abandono.
Depois, se não se actua a tempo, vem a
auto-comiseração, o sentir-se o centro e único protagonista digno de toda a
atenção, carinho, solidariedade.
Tende-se assim, em plano perigosamente
inclinado, para o amor-próprio e, finalmente o orgulho.
Não se conclui que a saudade seja um
defeito, de modo nenhum, mas pode converter um sentimento nobre numa sujeição
pessoal torpe e sem mérito.
É aqui principalmente que se deve redobrar
a atenção de forma a impedir a que esse sentimento atinja proporções grandes
demais para o equilíbrio emocional da pessoa.
Disse antes que tal pode levar a um
excessivo ensimesmamento que naturalmente conduzirá à solidão, ao sofrimento
íntimo, que tenderá também a tornar-se um hábito e, pior, converter-se em
desculpa para fugir ao comportamento normal, convívio com os outros, afectando
virtudes importantes como a paciência, o bom humor, a alegria, a
disponibilidade para servir, ser útil, a atenção aos outros, a diligência no
trabalho.
A pessoa dominada pela saudade torna-se de
trato difícil, maçadora, exigente, centralizadora das atenções dos outros.
De alguma forma tem sempre uma
"desculpa" para não fazer o que deve quando deve.
Adia para um futuro qualquer em que
"se sinta melhor" o que deveria fazer no momento e, quase sempre,
parece-lhe que esta é uma justificação que todos devem aceitar e compreender.
AMA,
reflexões sobre o Evangelho, 2006)
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