HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
I
FUNDAMENTOS
E PREFIGURAÇÕES
DO
CULTO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
NO
ANTIGO TESTAMENTO
3) O amor de Deus, motivo
dominante do culto ao Santíssimo Coração de Jesus, no Antigo Testamento
13.
Coisa indubitável é que nos livros sagrados nunca se faz menção certa de um culto
de especial veneração e amor tributado ao Coração físico do Verbo encarnado
pela sua prerrogativa de símbolo da sua inflamadíssima caridade.
Mas
este facto, que cumpre reconhecer abertamente, não nos deve admirar, nem de
modo algum fazer-nos duvidar de que a caridade divina para connosco – razão
principal deste culto – é exaltada tanto pelo Antigo como pelo Novo Testamento
com imagens sumamente comovedoras.
E,
por se encontrarem nos livros santos que prediziam a vinda do Filho de Deus
feito homem, podem essas imagens considerar-se como um presságio daquilo que
havia de ser o símbolo e índice mais nobre do amor divino, a saber:
O
Coração Sacratíssimo e Adorável do Redentor divino.
14.
Pelo que se refere ao nosso propósito, não julgamos necessário aduzir muitos
textos do Antigo Testamento nos quais estão contidas as primeiras verdades
reveladas por Deus, mas cremos bastará recordar o pacto estabelecido entre Deus
e o povo eleito, pacto sancionado com vítimas pacíficas – e cujas leis
fundamentais, esculpidas em duas tábuas, Moisés promulgou [1] e
os profetas interpretaram -, esse pacto não se baseava somente nos vínculos do
supremo domínio de Deus e na devida obediência da parte do homem, mas consolidava-se
e vivificava-se com os mais nobres motivos do amor.
Porque
também para o povo de Israel a razão suprema de obedecer a Deus, devia ser não
tanto o temor das divinas vinganças suscitado nos ânimos pelos trovões e
relâmpagos procedentes do ardente cume do Sinai, mas, antes, o amor devido a
Deus:
"Escuta,
Israel: O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus
com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. E estas
palavras que hoje te ordeno estarão sobre o teu coração" [2].
15.
Não nos deve, pois, causar estranheza que Moisés e os profetas, aos quais o
Doutor angélico chama com razão os "maiorais" do povo eleito,[3]
compreendendo bem que o fundamento de toda a lei se baseava neste mandamento do
amor, descrevessem as todas relações existentes entre Deus e a sua nação,
recorrendo a semelhanças tiradas do amor recíproco entre pai e filhos, ou do
amor dos esposos, em vez de representá-las com imagens severas inspiradas no
supremo domínio de Deus ou na nossa devida servidão cheia de temor.
Assim,
por exemplo, no seu celebérrimo cântico pela libertação do seu povo da servidão
do Egipto, ao querer exprimir como essa libertação era devida à intervenção omnipotente
de Deus, o próprio Moisés recorre a estas comovedoras expressões e imagens:
"Assim
como a águia provoca os seus filhotes a alçarem o voo e acima deles revoluteia,
assim também (Deus) estendeu as suas asas e acolheu (Israel) e carregou-o nos
seus ombros" [4].
Talvez,
porém, entre os profetas, nenhum exprima e descubra melhor, tão clara e
ardentemente, quanto Oséias, o amor constante de Deus para com seu povo.
Com
efeito, nos escritos deste profeta, que entre os profetas menores sobressai
pela profundeza de conceitos e pela concisão da linguagem, Deus é descrito
amando o seu povo escolhido com um amor justo e cheio de santa solicitude, qual
é o amor de um pai cheio de misericórdia e de amor, ou de um esposo ferido na
sua honra.
É
um amor que, longe de decair e de cessar à vista de monstruosas infidelidades e
pérfidas traições, castiga-os, sim, como eles merecem, mas não para os repudiar
e os abandonar a si mesmos, mas só com o fim de limpar, de purificar a esposa
afastada e infiel e os filhos ingratos, para tornar a uni-los novamente consigo
uma vez renovados e confirmados os vínculos de amor:
"Quando
Israel era criança amei-o; e do Egipto chamei o meu filho... Ensinei Efraim a
andar, tomei-o nos meus braços, mas eles não reconheceram que eu cuidava deles.
Com vínculos humanos atraí-los-ei, com laços de amor... Sanar-lhes-ei as
rebeldias, amá-los-ei generosamente, pois minha ira não se afastou deles. Serei
como o orvalho para Israel, ele florescerá como o lírio e lançará suas raízes
qual o Líbano" [5].
16.
Expressões semelhantes tem o profeta Isaías quando apresenta o próprio Deus e o
povo escolhido como que dialogando entre si com estas palavras:
"Mas
Sião disse: O Senhor abandonou-me e esqueceu-se de mim. Pode, acaso, uma mulher
esquecer o seu pequenino de sorte que não se apiede do filho de suas entranhas?
Ainda que esta se esquecesse, eu não me esquecerei de ti" [6].
Nem
menos comovedoras são as palavras com que, servindo-se do simbolismo do amor
conjugal, o autor do Cântico dos cânticos descreve com vivas cores os laços de
amor mútuo que unem entre si, Deus e a nação predilecta:
"Como
lírio entre os espinhos, assim é minha amada entre as donzelas...
Eu
sou de meu amado e meu amado é meu: o que se apascenta entre os lírios...
Põe-me
como selo sobre teu coração, como selo sobre teu braço, pois forte como a morte
é o amor, duros como o inferno os ciúmes:
PIO PP. XII.
(Revisão da versão
portuguesa por AMA)
Notas:
[1] cf. Ex 34, 27-28
[2] Dt 6, 4-6
[3] Summa Theol., I-II, q. 2, a. 7;
ed. Leon. t. 8,1895, p.
34.
[4] Dt 32, 11
[5] Os 11, 1.3-4; 14,
5-6
[6] Is 49, 14-15
[7] Ct 2, 2; 6, 2; 8, 6
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