AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS
OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO VII
REFORÇAR A EDUCAÇÃO DOS FILHOS.
Sim à educação sexual.
O Concílio Vaticano II
apresentava a necessidade de «uma educação sexual positiva e prudente»
oferecida às crianças e adolescentes «à medida que vão crescendo» e «tendo em
conta os progressos da psicologia, pedagogia e didáctica».
Deveríamos perguntar-nos
se as nossas instituições educativas assumiram este desafio. É difícil pensar
na educação sexual num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a
sexualidade. Só se poderia entender no contexto duma educação para o amor, para
a doação mútua; assim, a linguagem da sexualidade não acabaria tristemente
empobrecida, mas esclarecida. É possí- vel cultivar o impulso sexual num
percurso de conhecimento de si mesmo e no desenvolvimento duma capacidade de
autodomínio, que podem ajudar a trazer à luz capacidades preciosas de alegria e
encontro amoroso.[i]
A educação sexual oferece
informação, mas sem esquecer que as crianças e os jovens ainda não alcançaram
plena maturidade. A informação deve chegar no momento apropriado e de forma
adequada à fase que vivem. Não é útil saturá-los de dados, sem o
desenvolvimento do sentido crítico perante uma invasão de propostas, perante a
pornografia descontrolada e a sobrecarga de estímulos que podem mutilar a
sexualidade. Os jovens devem poder dar-se conta de que são bombardeados por
mensagens que não procuram o seu bem e o seu amadurecimento. Faz falta
ajudá-los a identificar e procurar as influências positivas, ao mesmo tempo que
se afastam de tudo o que desfigura a sua capacidade de amar. De igual modo,
devemos aceitar que « a necessidade duma linguagem nova e mais adequada se
apresenta especialmente no momento de introduzir as crianças e os adolescentes
no tema da sexualidade».[ii]
Tem um valor imenso uma
educação sexual que cuide um são pudor, embora hoje alguns considerem que é
questão doutros tempos. É uma defesa natural da pessoa que resguarda a sua interioridade
e evita ser transformada em mero objecto. Sem o pudor, podemos reduzir o afecto
e a sexualidade a obsessões que nos concentram apenas nos órgãos genitais, em
morbosidades que deformam a nossa capacidade de amar e em várias formas de
violência sexual que nos levam a ser tratados de forma desumana ou a prejudicar
os outros.
Frequentemente a educação
sexual concentra-se no convite a «proteger-se», procurando um «sexo seguro».
Estas expressões transmitem uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora
natural da sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo de que é
preciso proteger-se. Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez
do acolhimento. É irresponsável qualquer convite aos adolescentes para que
brinquem com os seus corpos e desejos, como se tivessem a maturidade, os
valores, o compromisso mútuo e os objectivos próprios do matrimónio. Assim, são
levianamente encorajados a utilizar a outra pessoa como objecto de experiências
para compensar carências e grandes limites. É importante, pelo contrário,
ensinar um percurso pelas diversas expressões do amor, o cuidado mútuo, a
ternura respeitosa, a comunicação rica de sentido.
Com efeito, tudo isto
prepara para uma doação íntegra e generosa de si mesmo que se expressará,
depois dum compromisso público, na entrega dos corpos. Assim a união sexual no
matrimónio aparecerá como sinal dum compromisso totalizante, enriquecido por
todo o caminho anterior.
É preciso não enganar os
jovens, levando-os a confundir os planos: a atracção «cria, por um momento, a
ilusão da “união”, mas, sem amor, tal união deixa os desconhecidos tão
separados como antes».
A linguagem do corpo
requer uma aprendizagem paciente que permita interpretar e educar os próprios
desejos em ordem a uma entrega de verdade. Quando se pretende entregar tudo
duma vez, é possível que não se entregue nada. Uma coisa é compreender as
fragilidades da idade ou as suas confusões, outra é encorajar os adolescentes a
prolongarem a imaturidade da sua forma de amar.
Mas, quem fala hoje destas
coisas?
Quem é capaz de tomar os
jovens a sério?
Quem os ajuda a preparar-se
seriamente para um amor grande e generoso? Não se toma a sério a educação
sexual.
A educação sexual deveria
incluir também o respeito e a valorização da diferença, que mostra a cada um a
possibilidade de superar o confinamento nos próprios limites para se abrir à
aceitação do outro. Para além de compreensíveis dificuldades que cada um possa
viver, é preciso ajudar a aceitar o seu corpo como foi criado, porque «uma
lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes
subtil, de domínio sobre a criação. (...) Também é necessário ter apreço pelo
próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a
si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com
alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e
enriquecer-se mutuamente».[iii]
Só perdendo o medo à
diferença é que uma pessoa pode chegar a libertar-se da imanência do próprio
ser e do êxtase por si mesmo. A educação sexual deve ajudar a aceitar o próprio
corpo, de modo que a pessoa não pretenda «cancelar a diferença sexual, porque
já não sabe confrontar-se com ela».
Também não se pode ignorar
que, na configuração do próprio modo de ser – feminino ou masculino –, não
confluem apenas factores biológicos ou genéticos, mas uma multiplicidade de elementos
que têm a ver com o temperamento, a história familiar, a cultura, as
experiências vividas, a formação recebida, as influências de amigos, familiares
e pessoas admiradas, e outras circunstâncias concretas que exigem um esforço de
adaptação.[iv]
É verdade que não podemos
separar o que é masculino e feminino da obra criada por Deus, que é anterior a
todas as nossas decisões e experiências e na qual existem elementos biológicos
que é impossível ignorar. Mas também é verdade que o masculino e o feminino não
são qualquer coisa de rígido. Por isso é possível, por exemplo, que o modo de
ser masculino do marido possa adaptar-se de maneira flexível à condição laboral
da esposa; o facto de assumir tarefas domésticas ou alguns aspectos da criação
dos filhos não o torna menos masculino nem significa um falimento, uma
capitulação ou uma vergonha. É preciso ajudar as crianças a aceitar como
normais estes «intercâmbios» sadios que não tiram dignidade alguma à figura
paterna. A rigidez torna-se um exagero do masculino ou do feminino, e não educa
as crianças e os jovens para a reciprocidade encarnada nas condições reais do
matrimónio. Tal rigidez, por seu lado, pode impedir o desenvolvimento das
capacidades de cada um, tendo-se chegado ao ponto de considerar pouco masculino
dedicar-se à arte ou à dança e pouco feminino desempenhar alguma tarefa de
chefia. Graças a Deus, isto mudou; mas, nalguns lugares, certas ideias
inadequadas continuam a condicionar a legítima liberdade e a mutilar o autêntico
desenvolvimento da identidade concreta dos filhos e das suas potencialidades.
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[i] Francisco, Catequese
(20 de Maio de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
21/V/2015), 20. 298 Idem, Catequese (9 de Setembro de 2015): L’Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 10/IX/2015), 16. 299 Relatio Finalis 2015,
68. 300 Ibid., 58. 301 Decl. sobre a educação cristã Gravissimum educationis,
1.
[iv] Francisco, Carta
enc. Laudato si’ (24 de Maio de 2015), 155. 305 Idem, Catequese (15 de Abril de
2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 16/IV/2015), 20.
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