20/01/2019

Leitura espiritual


Cruzando o umbral da esperança

SE EXISTE,
PORQUE SE ESCONDE






Pergunta:

Deus, ou seja, o Deus bíblico, existe. Mas então acaso seja compreensível o protesto de muitos, tanto de ontem como de hoje:
Porque não se manifesta mais claramente?

Porque não dá provas tangíveis a todos da Sua existência?

Porque a Sua misteriosa estratégia parece ser a de julgar esconder-se das Suas criaturas?

Resposta:

Penso que as perguntas que coloca – e que por outro lado são as de tantos outros – não se referem nem a São Tomás nem a Santo  Agostinho, nem a toda a tradição judaico-cristã. Parece-me que apontam mais para outro terreno, o puramente racionalista, que é próprio da filosofia moderna, cuja história se inicia com Descartes, que, por assim dizer, separou o pensar do existir e identificou-o com a própria razão: 

Cogito, ergo sum.

Que diferente é a postura de Sã Tomás, para quem não é o   a existência, mas sim a existência, o esse, o que decide o que pensar!
Penso do modo que penso porque sou o que sou – quer dizer -, uma criatura – e porque Ele é O que é, quer dizer, o absoluto Mistério increado.

Se Ele não fosse Mistério, não haveria necessidade da Revelação, ou melhor, falando de modo mais rigoroso, da auto-revelação de Deus.

Se o homem, com o seu intelecto criado e com as limitações da própria subjectividade, pudesse superar a distância que separa a criação do Criador, o ser contingente e não necessário («o que não é – segundo a conhecida expressão dirigida por Cristo a Santa Catarina de Sena - [i] só então as suas perguntas teriam fundamento.

Os pensamentos que o inquietam, e que aparecem nos seus livros, estão formados por uma série de perguntas que não são realmente suas; o Senhor quer erigir-se em porta-voz dos homens da nossa época, pondo-se a seu lado nos caminhos – às vezes difíceis e intrincados por vezes aparentemente saem saída – da procura de Deus.
(…)

Tentaremos ser imparciais no nosso raciocínio:

Poderia Deus ir mais além na Sua condescendência na Sua aproximação ao homem, consoante as suas possibilidades cognitivas?
Verdadeiramente, parece que tenha sido tudo o mais longe possível.
Mais além não poderia ir.

Em certo sentido, Deus foi demasiado longe!

Acaso Cristo não foi escândalo para os judeus e engano para os pagãos? [ii]

Precisamente porque chamava Seu Pai a Deus, porque o manifestava tão abertamente em Si mesmo, não podia deixar de causar a impressão de que era demasiado…

O homem já não estava em condições de suportar  tal proximidade, e começaram os protestos.

Este grande protesto tem nomes concretos: primeiro chama-se Sinagoga, e depois Islão.
Nenhum dos dois pode aceitar um Deus assim humano.

«Isto não convém a Deus – protestam –
Deve permanecer absolutamente transcendente, deve permanecer como pura Majestade.
Supostamente, Majestade cheia de misericórdia mas não até ao ponto de pagar as culpas dos pecados da própria criatura.

Sob uma certa óptica é justo dizer que Deus se revelou ao homem inclusive demasiado no que tem de mais divino, no que é a Sua vida íntima; revelou-se no próprio Mistério.




(Cfr entrevista de Vittorio Messori a São João Paulo II, CRUZANDO EL UMBRAL DE LA ESPERANZA, Outubro de 1994)
(Tradução do castelhano por AMA)




[i] «Aquele que á» cfr. Raimundo de Cápua, Legenda Maior, 1, 10,92)
[ii] 1 Cor  1,23)


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