Vida de São Francisco de Assis)
ALGUNS
MILAGRES REALIZADOS APÔS A MORTE DE SÃO FRANCISCO
O
PODER DOS ESTIGMAS
CAPÍTULO
I
6. Em Potenza, na Apúlia,
havia um clérigo de nome Rogério, homem respeitável e cónego da igreja maior.
Encontrando-se aflito por
causa de uma enfermidade, e tendo certo dia entrado na igreja na qual existia
um quadro do seráfico Pai, representado com as sagradas chagas, começou a
duvidar daquele estupendo milagre, como de coisa praticamente impossível pelo
seu carácter extraordinário, quando, de repente, ao discorrer em seu espírito
sobre essas dúvidas, sentiu como se alguém o ferisse gravemente na palma da mão
esquerda que tinha coberta com uma luva, ouvindo ao mesmo tempo o ruído do
golpe, semelhante ao que produz a seta ao sair da balista.
Estava atónito ao ouvir o
som e sentiu a mão doer. Tirou a luva para ver com seus próprios olhos o que
ele havia percebido pelo ouvido e pelo tato. Não havia nem sequer sinal de ferimento
na sua mão anteriormente, mas no meio da palma da mão viu uma ferida como se tivesse
sido feita por uma seta.
A dor era tão intensa, que
ele pensou que ia desfalecer. E o estranho é que não se via sinal algum de
ferida na luva.
A dor de uma ferida que
lhe tinha sido infligida sem deixar sinal era o castigo pela ferida oculta da
dúvida que ele nutria no seu coração. Aguilhoado pela terrível dor, passou dois
dias gritando e dizendo às pessoas o quanto tinha sido descrente.
Firmou a sua fé nos
sagrados estigmas de Francisco e jurou não haver mais nem sombra de dúvida na
alma. E humildemente rogou ao santo que o ajudasse por suas santas chagas,
acompanhando sua oração com abundantes lá grimas. E tendo ele renunciado à sua incredulidade,
seguiu-se a saúde interior do espírito a cura definitiva da mão.
Desapareceu a dor, não
mais lhe ardeu a palma da mão e já não havia mais sinal sequer do ferimento.
Por providência divina o
mal oculto na sua alma estava curado, havendo-se-lhe cauterizado visivelmente a
carne, e uma vez curada a alma, também curado estava o corpo.
Dessa forma aquele cónego
tornou-se mais humilde, consagrou-se mais intensamente ao Senhor e cresceu nele
o amor a Francisco juntamente com a intima familiaridade e benevolência para
com os Irmãos.
Esse milagre tão estupendo
foi testemunhado por muitas pessoas sob juramento e o seu bispo fala em carta
selada com o seu sinete episcopal.
Não tem lugar, portanto, a
menor dúvida acerca das sagradas chagas; ninguém as considere tampouco com prevenção
culposa, pois Deus é infinitamente bom, nem se julgue que a realização de semelhante
prodígio não esteja em conformidade com sua bondade.
Muitos membros do corpo de
Cristo unem-se à sua cabeça com o mesmo amor seráfico que Francisco e por isso
são dignos de usar a mesma armadura na batalha e serão elevados à mesma glória
no céu.
Nenhum desses membros
deixaria de reconhecer que tais milagres se deram para honra e glória de
Cristo.
CAPÍTULO
II
Alguns
mortos que ressuscitaram
1. Em monte Marano, perto
de Benevento, morrera uma senhora muito devota de São Francisco.
À noite veio o clero celebrar-lhe
as exéquias e cantar o ofício dos mortos, quando, de repente, à vista de todos
os presentes, levantou-se a senhora do leito e chamou um dos sacerdotes, que
era seu padrinho, e disse-lhe: “Padre, desejo confessar-me: ouve os meus pecados.
Depois da minha morte
devia ser encerrada num cárcere tenebroso, porque nunca havia confessado o
pecado que te vou contar; mas tendo o bem-aventurado Francisco orado por mim,
pois eu era muito devota dele em vida, me foi concedido que a alma voltasse a
unir-se ao corpo, a fim de que, manifestado em confissão o pecado, mereça eu
alcançar a vida eterna; e por isso, depois de confessar minha falta à vista de
todos vós, irei ao descanso prometido”.
O sacerdote amedrontado
recebeu a confissão contrita daquela senhora, que, depois de absolvida, se estendeu
novamente no seu leito e adormeceu na paz do Senhor.
2. Na aldeia de Pomarico,
nas montanhas da Apúlia, um pai e uma Mãe tinham uma filha bastante nova a quem
amavam extremamente. Caiu ela de cama muito doente e faleceu. Seus pais, que
não tinham nenhuma esperança de terem outro filho, julgavam que iriam morrer
com ela. Reuniram-se seus amigos e parentes para realizar os funerais tão
dignos de pranto. Mas a Mãe infeliz, cheia de indizível dor e mergulhada numa
tristeza infinita, parecia estar fora de si.
No entanto, São Francisco,
em companhia de um só Irmão, dignou-se visitar com uma visão a desolada
senhora, que bem conhecia como sua devota. E falou-lhe amavelmente: “Não
chores, pois a luz de tua vida, que lamentas como perdida, ser restituída por
minha intercessão”.
Levantou-se então a
senhora imediatamente e contando a todos o que o santo lhe dissera, proibiu que
se realizasse o sepultamento da falecida; em seguida, invocando com grande fé o
nome de São Francisco, tomou a mão da filha morta e a fez levantar viva, sã e
salva, para grande espanto de todos.
3. Certa vez os Irmãos de
Nocera (émbria) precisavam de uma carroça e pediram-na emprestada por algum
tempo a um certo Pedro. Mas este insultou-os e blasfemou contra o santo, em vez
de atender ao pedido de uma esmola feita em nome de Francisco.
Logo se arrependeu o homem
do que fizera, porque Deus lhe fez sentir em seu coração o medo de sua
vingança, que, aliàs, não tardou a vir.
De facto, o seu filho mais
velho adoeceu de repente e em pouco tempo morreu.
Revolvia-se no chão o
infeliz pai e não cessava de invocar a São Francisco, o santo de Deus, gritando
e chorando: “Eu é que pequei, eu é que falei tão impiamente: deverias punir-me
directamente, na minha própria pessoa.
O santo, agora que estou
arrependido, restitui-me o que me levaste, quando eu blasfemava como ímpio!
Consagro-me a ti, submeto-me para sempre a teu serviço e sempre oferecerei a
Cristo um devoto sacrifício de louvor para honra do teu nome!”
A essas palavras, levantou-se
o menino e havendo acalmado o pranto do pai, contou que ao separar-se sua alma
do corpo, foi acolhida pelo bem-aventurado Francisco e devolvida ao corpo.
4. O filho de sete anos de
um notário em Roma desejava seguir a Mãe, que estava indo à igreja de São
Marcos; mas, obrigado pela Mãe a ficar em casa, atirou-se pela janela na rua.
Quebrou a cabeça e morreu no local.
Ainda não se encontrava a
muita distância a Mãe, quando, ao ouvir o baque do corpo do filho que caíra,
voltou às pressas, encontrando-o morto. Começou então a recriminar-se e com seu
comovido pranto movia à compaixão a todos os vizinhos.
Ao mesmo tempo chegou à
cidade para pregar um Irmão chamado Raho, da Ordem dos Frades Menores.
Este aproximou-se do menino
e perguntou confidencialmente ao pai: “Acreditas que São Francisco possa
ressuscitar teu filho pelo amor que ele tinha a Cristo que restituiu a vida aos
homens por sua cruz?”
O pai respondeu que ele
acreditava e estava disposto a confessar esta fé e consagrar-se para sempre ao
serviço do santo, se por sua intercessão chegasse a alcançar um favor tão extraordinário.
O Irmão e o seu companheiro puseram-se em oração exortando aos circunstantes
que fizessem o mesmo.
Terminada a oração,
notou-se algum movimento no cadáver; o menino abriu os olhos, levantou os
braços, sentou-se no leito e, saindo daí, começou a andar em presença de todos
com perfeita saúde em virtude do poder milagroso do santo.
(cont
São Boaventura
Revisão da versão
portuguesa por AMA
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