31/10/2018

Leitura espiritual

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LEGENDA MAIOR 

Vida de São Francisco de Assis

SEGUNDA PARTE

CAPITULO 9

8. Tomou, pois, consigo um companheiro chamado Iluminado, homem de inteligência e coragem. E havendo começado a caminhar, saíram-lhes ao encontro duas mansas ovelhinhas, à vista das quais, cheio de alegria, disse a seu companheiro: “Confiemos no Senhor, irmão, porque em nós se realizam hoje as palavras do Evangelho: ‘Eis que vos envio como ovelhas entre lobos”’ (Mt 10,16). E tendo-se adiantado, encontraram as sentinelas sarracenas que, quais lobos vorazes contra ovelhas, capturaram os servos de Deus e, ameaçando-os de morte, maltrataram-nos com crueldade e desprezo, os cobriram de injúrias e violências e os algemaram. Por fim, depois, de havê-los afligido e atormentado de mil maneiras, a divina Providência fez com que os levassem à presença do Sultão, realizando-se desse modo as fervorosas aspirações de Francisco.
Colocados em sua presença, perguntou-lhes aquele bárbaro príncipe quem os havia enviado, a que vinham e como tinham conseguido chegar a seu acampamento. Ao que respondeu o servo de Deus com intrepidez que sua missão não procedia de nenhum homem, mas de Deus altíssimo que o enviava para ensinar a ele e a todo o seu povo os caminhos da salvação e para pregar-lhes as verdades de vida contidas no Evangelho. Com tanta constância e clareza em sua mente, com tanta virtude na expressão e com tão inflamado zelo pregou ao Sultão a existência de um só Deus em três pessoas e a de um Jesus Cristo, Salvador de todos os homens, que claramente se viu realizar-se em Francisco as palavras do Evangelho: “Porei em vossos lábios palavras tão cheias de sabedoria, que a elas não poderá resistir nenhum de vossos adversários” (Lc 21,15). Admirado o Sultão ao ver o espírito e o fervor do seráfico Pai, não apenas o ouvia com grande satisfação, mas até insistiu com repetidas súplicas que permanecesse algum tempo com ele. Mas o servo de Deus, iluminado pela força do alto, logo lhe respondeu dizendo: “Se me prometeres que tu e os teus vos convertereis a Cristo, permanecerei de muito bom grado entre vós. Mas se duvidas em abandonar a lei impura de Maomé pela fé santíssima de Cristo, ordena imediatamente que se faça uma grande fogueira e teus sacerdotes e eu nos lançaremos ao fogo, a ver se deste modo compreendes a necessidade de abraçar a fé sagrada que te anuncio”. A essa proposta, replicou sem demora o Sultão: “Não creio que haja entre meus sacerdotes um só que, para defender sua doutrina, se atreva a lançar-se ao fogo nem esteja disposto a sofrer o menor tormento”. E sobrava-lhe razão para dizer isso, pois vira que um dos seus falsos sacerdotes, ancião e protervo sequaz de sua lei, desaparecera, mal ouviu as primeiras palavras do santo. Este acrescentou, dirigindo-se ao Sultão: “Se em teu nome e em nome de teu povo me prometes abraçar a religião de Cristo, com a condição que eu saia ileso da fogueira, estou disposto a entrar eu sozinho nela. Se o fogo me consumir entre as suas chamas, atribua-se isso aos meus pecados; mas se, como espero, a virtude divina me conservar ileso, reconhecereis a ‘Cristo, virtude e sabedoria de Deus’ (cf. 1Cor 1,24) e único Salvador de todos os homens”. A essa proposta respondeu o Sultão que não podia aceitar esse contrato aleatório, pois temia uma sublevação popular. Mas ofereceu-lhe numerosos e ricos presentes que o homem de Deus desprezou como lama. Não era das riquezas do mundo que ele estava ávido, mas da salvação das almas. O Sultão ficou ainda mais admirado ao verificar um desprezo tão grande pelos bens deste mundo. Não obstante a sua recusa ou talvez o seu receio de passar à fé cristã, rogou ao servo de Deus que levasse todos aqueles presentes e os distribuísse aos cristãos pobres e às igrejas. Mas o santo que tinha horror de carregar dinheiro e não via na alma do Sultão raízes profundas da fé verdadeira, recusou-se terminantemente a aceitar a sua oferta.

9. Vendo frustradas as suas ânsias de martírio e conhecendo que nada adiantava o seu empenho na conversão daquele povo, resolveu Francisco, por inspiração divina, voltar aos países cristãos. E assim, por disposição da bondade divina e pelos méritos e virtude do santo, sucedeu que o amigo de Cristo procurou com todas as suas energias morrer por ele, mas não conseguiu. Desse modo não perderia o mérito do desejado martírio e ainda gozaria de vida para ser mais adiante assinalado com um singular privilégio. Aconteceu assim para que aquele fogo primeiro ardesse no seu coração e mais tarde se manifestasse na sua carne. Ó varão verdadeiramente ditoso, cuja carne, embora não tenha sucumbido sob o ferro do tirano, teve, contudo, tão perfeita semelhança com o Cordeiro morto por nosso amor! Ó varão mil vezes feliz, cuja alma, “embora não haja sucumbido debaixo da espada do carrasco, nem por isso deixou de alcançar a palma do martírio!” (cf. Breviário, Ofício de S. Martinho de Tours, ant. das Vésperas).


CAPITULO 10

Zelo na oração e poder de sua prece

1. Francisco, servo de Cristo, tinha perfeita consciência que seu corpo (inacessível a qualquer paixão terrena em virtude de seu amor a Cristo) o forçava a caminhar como peregrino longe do Senhor (cf. 2Cor 5,6-8). Empenhava-se portanto por manter sempre ao menos seu espírito na presença do Senhor por uma oração ininterrupta, para não ficar sem o conforto do Bem-Amado. Pois para ele era um consolo na meditação orar e percorrer as mansões celestiais, já como cidadão dos anjos, para procurar aí, com todo o ardor de seu desejo, seu Bem-Amado do qual o separava unicamente a barreira da própria carne. A oração era também uma defesa ao se entregar à acção, pois persistindo nela, fugia de confiar em suas próprias capacidades, punha toda a sua confiança na bondade divina, lançando no Senhor os seus cuidados. Sobre todas as coisas, dizia, deve o irmão desejar a graça da oração e incitava os seus irmãos por todas as maneiras possíveis a praticá-la zelosamente, convencido de que ninguém progride no serviço de Deus sem ela. Quer andasse ou parasse, viajando ou residindo no convento, trabalhando ou repousando, entregava-se à oração, de modo que parecia ter consagrado a ela todo seu coração e todo seu corpo, toda sua actividade e todo seu tempo.

2. Compenetrado dessas verdades, jamais desprezava por negligência qualquer visita do Espírito; mas ao contrário, sempre que elas se apresentavam, seguia-as cuidadosamente e, enquanto duravam, procurava gozar da doçura que lhe comunicavam. Por isso, se estivesse caminhando e sentisse alguns movimentos do Espírito divino, parava um momento, deixando passar os companheiros, para gozar mais intensamente da nova inspiração e não receber em vão a graça celeste (cf. 2Cor 6,1). A sua contemplação o levava muitas vezes a tão alto nível que, arrebatado e fora de si, sentia o que um homem não pode sentir e ficava alheio ao que se passava à sua volta. Aconteceu em certa ocasião que ao passar por Borgo San Sepolcro, de população numerosa, ia montado num jumentinho por causa de sua enfermidade, e as multidões saíram ao seu encontro, atraídas a ele pela fama das suas virtudes. Detido por essas turbas, que o rodeavam e comprimiam de todos os lados, a tudo parecia insensível e como se o seu corpo já estivesse inanimado. Bem mais tarde, passados já o burgo e os atropelos das multidões, pararam num albergue de leprosos. E ele, como se voltasse de algum rapto de espírito, perguntava com solicitude se chegariam logo ao dito burgo. Porque a sua mente ocupada na contemplação das coisas celestes não se havia apercebido nem da variedade dos lugares e dos tempos, nem da multidão de pessoas que haviam saído ao seu encontro.
E sabe-se pelo testemunho dos seus companheiros que isso acontecia com não pouca frequência.

3. Francisco havia percebido na, oração a presença do Espírito Santo, tanto mais propenso a derramar-se sobre os que o invocam quanto mais apartados os encontra do estrépito das coisas mundanas, Por isso, procurava lugares solitários, e durante a noite retirava-se aos bosques e igrejas abandonadas para, se entregar à oração, E aí na solidão, sustentou frequentes lutas com os demónios, os quais, atacando-o de modo palpável, procuravam apartá-lo do exercício da oração.
Mas ele, fortalecido com o auxílio do céu, quanto mais violentos os ataques do inimigo, tanto mais sólido parecia na virtude e mais fervoroso na oração, dizendo cheio de confiança a Cristo as palavras do salmista: “Defendei-me, Senhor, sob a sombra de vossas asas, da presença daqueles que me encheram de aflição” (Sl 16,8). E dirigindo-se depois aos demónios, dizia-lhes: “Espíritos malignos e perversos, atormentai-me quanto puderdes, pois nunca podereis mais do que aquilo que vos concede a mão do Senhor. De minha parte estou disposto a sofrer com sumo gozo quanto queira ele consentir-vos”. E não podendo os demónios suportar tão admirável constância, fugiam cobertos de confusão.

São Boaventura

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por AMA)

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