27/10/2018

Leitura espiritual

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LEGENDA MAIOR 

Vida de São Francisco de Assis

CAPITULO 7

Amor à pobreza e intervenções miraculosas nas necessidades

7. Por amor da santa pobreza, o servo de Deus omnipotente preferia alimentar-se das esmolas colectadas de porta em porta àquelas que lhes eram oferecidas espontaneamente.
Sendo convidado alguma vez por grandes personagens e não podendo eximir-se da honra de assentar-se às mesas sumptuosas, ia primeiro mendigando pelas casas mais próximas alguns pedaços de pão, e, enriquecido depois com essa esmola, não rejeitava o convite. Foi o que fez certa vez ao ser convidado pelo cardeal de Óstia, extraordinariamente afeiçoado ao pobre de Cristo. Queixou-se o cardeal julgando ser pouco honroso para ele que, devendo comer em sua casa, tivesse pedido esmola. Francisco respondeu-lhe: “Senhor, grande honra vos tributei, honrando ao outro Senhor mais excelente. Porque na verdade o Senhor se compraz na pobreza, e muito mais naquela que por amor de Cristo se converte em mendicância voluntária. Não quero trocar por essas vãs riquezas que vos foram concedidas aquela dignidade real que Cristo, que se fez pobre por nós, tomou para si, a fim de nos enriquecer com sua pobreza e tornar-nos, como verdadeiros pobres de espírito, herdeiros e reis do reino dos céus”.
8. Ao exortar os irmãos a pedir esmolas, Francisco costumava dizer-lhes: “Ide, porque nestes últimos dias os irmãos menores foram dados ao mundo como benefício, para que os eleitos os tratem de tal modo que mereçam ser louvados pelo supremo Juiz no dia do juízo e ouvir estas palavras: ‘Quando fizestes isso ao menor de meus irmãos, a mim o fizestes’” (Mt 25,40). Por isso julgava ele honroso pedir esmola com o título de irmãos menores, pois o próprio Senhor o usou nos Evangelhos, ao falar da recompensa reservada aos eleitos. Sempre que podia, ia pedir esmola nas principais festas do ano, lembrado das palavras do salmista: “O homem comeu o pão dos anjos” (Sl 77,25), pois para ele era realmente o pão dos anjos, esmolado de porta em porta pela santa Pobreza por amor de Deus, e concedido pelos benfeitores por amor de Deus sob a inspiração dos anjos bem-aventurados.

9. Certo dia de Páscoa, encontrando-se em um santuário ou eremitério, tão distanciado do contacto dos homens que não podia facilmente mendigar seu alimento, lembrou-se daquele que no mesmo dia apareceu em traje de peregrino aos discípulos no caminho de Emaús. Pediu esmola a seus irmãos, considerando-se a si mesmo como um pobre peregrino. E tendo-a recebido com humildade, instruiu-os nas divinas letras, exortando-os a que no deserto deste mundo se julgassem peregrinos e estrangeiros, isto é, como verdadeiros israelitas, e a que celebrassem continuamente em pobreza de espírito a Páscoa do Senhor, ou seja, o trânsito desta vida à vida eterna. Não era o desejo do ganho que o animava a pedir esmolas, mas a força do Espírito que o dominava; e por isso Deus, Pai dos pobres, sempre teve com ele um cuidado todo particular.

10. Certa ocasião, ele adoecera gravemente no pequeno convento de Nocera, e o povo de Assis, em sua veneração pelo santo, enviou-lhe uma escolta para reconduzi-lo a Assis. Sempre seguindo o servo de Cristo, chegaram a Satriano, pequena aldeia pobre; era hora da refeição; estavam com fome; percorreram a cidade em todas as direcções: não havia meio algum de comprar o que quer que fosse, e voltaram de mãos vazias. Disse-lhes então o santo: “Se nada encontrastes, é porque tivestes mais confiança em vossas ‘moscas’ (chamava assim o dinheiro) do que em Deus. Voltai às casas aonde já fostes bater e pedi esmola por amor de Deus. E não creiais que isso seja um gesto vergonhoso ou humilhante - seria errado pensar assim – pois todas as coisas, desde o pecado, nos foram dadas a título de esmola, aos dignos e aos indignos, pela magnânima bondade de nosso Grande Esmoler”. Os soldados deixam de lado a vergonha e vão pedir esmola espontaneamente, recebendo por amor de Deus muito mais do que poderiam comprar com o dinheiro que possuíam; pois a graça de Deus agiu com tanta eficácia, que os pobres habitantes, comovidos profundamente, não só se contentaram em dar o que tinham como também se puseram generosamente a serviço deles. Foi assim que a pobreza, tesouro de Francisco, conseguiu aliviar a indigência que o ouro não pudera.

11. No tempo que esteve doente num eremitério perto de Rieti, um médico o visitava com frequência. Mas como o pobrezinho de Cristo não tivesse condições de recompensá-lo dignamente por seu trabalho, o próprio Deus em sua infinita liberalidade, para que o médico não ficasse sem a devida recompensa, remunerou, em nome do pobrezinho, os serviços dele com este singular benefício. Havia o médico construído por esse tempo e às próprias custas uma casa inteiramente nova, e logo se abriram em suas paredes, de alto a baixo, grandes fendas que ameaçavam fazer ruir a casa, não havendo recurso humano nenhum capaz de impedir o desabamento da casa. O médico, cheio de confiança nos méritos do santo, pediu a seus companheiros com grande fé e devoção que lhe dessem alguma coisa que houvesse sido tocada pelas mãos de Francisco. À força de repetidas instâncias conseguiu obter uma mecha dos cabelos do santo, a qual pela tarde introduziu cuidadosamente em uma das fendas da parede, e ao levantar-se no dia seguinte observou que a fenda se fechara tão perfeitamente que não pôde extrair as próprias relíquias colocadas no dia anterior nem encontrar vestígio algum das referidas fendas. Eis como aquele que com tanto zelo se devotara aos cuidados do pobre corpo em ruína do servo de Deus preservou da ruína a sua própria casa.

12. Certa ocasião, querendo o homem de Deus transferir-se a um eremitério para se dedicar mais livremente à contemplação, e como estava enfermo, pediu a um pobre que o transportasse em seu burro. No calor do verão, o homem seguia a pé o servo de Deus montanha acima. Cansado do percurso muito longo e difícil e forçado pela sede, a um certo ponto começou a gritar ao santo: “Morro de sede se não encontrar um pouco d’água imediatamente!” No mesmo instante, Francisco apeou do burro e prostrado de joelhos em terra, levantou as mãos ao céu, não deixando de rezar fervorosamente até conhecer que o Senhor ouvira sua oração. Concluída a oração, disse afavelmente ao homem: “Vai até aquela pedra, irmão, e ali encontrarás água fresca e abundante, que neste momento Cristo, em sua misericórdia, fez jorrar da pedra para ti”. Estupenda comiseração de Deus, que com tanta facilidade se inclina aos desejos de seus servos! O homem sedento pôde beber de uma água nascida da rocha pela virtude de um santo em oração e foi um rochedo bem duro que lhe forneceu com que matar a sede. Não existia nenhum fio d’água anteriormente nesse local. E por mais que se procurasse, não se encontrou resquício sequer de água naquele lugar.

13. Mais adiante, no devido lugar, contaremos como Cristo, pelos méritos de seu pobre, multiplicou os víveres em pleno mar. Agora recordemos apenas esta aventura. Com um pouco de alimento recebido como esmola, salvou durante vários dias da morte toda a tripulação que morria de fome. Não podemos deixar de ressaltar aqui que o servo do Deus omnipotente, semelhante a Moisés, ao fazer jorrar água do rochedo, também se parece com Eliseu, ao multiplicar os víveres.
Lancem, pois, os pobres para longe de si qualquer desconfiança, porque se a pobreza de Francisco foi bastante rica para fornecer a seus benfeitores o que lhes faltava: alimento, bebida, moradia, quando o dinheiro, a técnica e a natureza pareciam impotentes, com tanto mais razão nos merecerá ela os bens que procedem da ordem habitual da divina Providência. Se a aridez da pedra, à voz de um pobre, produziu uma abundante bebida a um infeliz que morria de sede, nenhuma criatura com toda certeza negará os próprios serviços àqueles que abandonaram tudo para escolherem o Criador de todas as coisas.

São Boaventura

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por AMA)

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