LEGENDA MAIOR
(Vida de São Francisco de Assis)
CAPÍTULO 3
Fundação da Ordem e aprovação da Regra
4. Pouco tempo depois, o
mesmo Espírito chamou outros cinco homens e o número dos irmãos subiu a seis.
O terceiro foi o nosso
santo pai Egídio, homem realmente cheio de Deus e digno de ser solenemente
recordado.
Pois, tendo chegado às
mais sublimes virtudes, ao fim da sua vida, como Francisco havia predito, e
embora iletrado e simples, alcançou os mais altos cumes da contemplação.
Pois, efectivamente,
ocupado continuamente e por espaço de muito tempo na contemplação das coisas
celestiais, de tal modo era arrebatado até Deus em êxtase, como eu mesmo fui
testemunha ocular, que parecia levar entre os homens uma vida mais angélica do
que humana.
5. Manifestou Deus
igualmente por esse tempo a um certo sacerdote da cidade de Assis, chamado
Silvestre, homem de costumes ilibados, uma visão que não podemos deixar de referir.
Julgando as coisas de modo
meramente humano, admirava-se Silvestre muito do modo de vida que haviam adoptado
Francisco e os seus seguidores, e para não permanecer nos seus falsos juízos,
visitou-o a graça do Senhor.
Viu então em sonhos medonho
dragão rondando a cidade de Assis.
A sua extrema corpulência
parecia ameaçar com um completo extermínio toda aquela comarca.
Viu depois sair da boca de
Francisco uma cruz preciosíssima de ouro, cuja parte superior chegava até ao céu,
e os braços pareciam estender-se até os confins da terra.
À vista dessa cruz
esplendorosa, fugiu aquele horrendo e espantoso dragão.
Repetindo-se este sonho
pela terceira vez, julgou ser um oráculo divino, e referiu a visão com todos os
detalhes ao servo de Deus Francisco e aos seus companheiros. E abandonando
pouco depois o mundo seguiu com tanta perfeição as pegadas traçadas por Cristo,
que a sua vida na Ordem confirmou o carácter celestial da visão que tivera no
mundo.
6. Quando Francisco ouviu
esta visão, não se deixou seduzir pelos astutos enganos da vanglória; mas reconhecendo
a bondade de Deus nos seus benefícios, animou-se a pelejar com maior coragem
contra a perversidade e malícia do inimigo infernal e a pregar por toda parte
as glórias da cruz.
Estando um dia na solidão,
viu desfilar diante dos seus olhos os anos passados e chorava-os amargamente.
A alegria do Espírito
Santo, porém, derramou-se sobre ele e garantiu-lhe que os seus pecados estavam
plenamente perdoados.
Foi então arrebatado em
êxtase e absorvido completamente numa luz maravilhosa, de modo que se
iluminaram as profundezas da sua alma e viu o que o futuro lhes reservava para
ele e os seus filhos.
A seguir voltou aos
irmãos, outra vez, e disse-lhes:
“Tende coragem, amados
filhos, alegrai-vos no Senhor; não vos entristeçais por serdes um pequeno número
nem por causa de minha simplicidade ou da vossa, pois o Senhor fez-me ver com
toda clareza que Deus fará de nós uma imensa multidão e, pela graça de sua bênção,
nos multiplicará sempre mais”.
7. Nesse mesmo período,
entrou na religião um outro varão santo, chegando então o número dos filhos
benditos do homem de Deus a sete.
O bom Pai reuniu em torno
de si todos os seus filhos e falou-lhes longamente do reino de Deus, do
desprezo do mundo, da necessidade de renunciar à própria vontade e mortificar o
próprio corpo e revelou-lhes sua intenção de enviá-los às quatro partes do
mundo.
Aquela simplicidade que
parecia estéril no seráfico Pai havia gerado sete filhos; mas o seu amor
ardente desejava gerar a todos os homens para os rigores da penitência.
“Ide, dizia o
bem-aventurado Pai a seus filhos, anunciar a paz a todos os homens; pregai-lhes
a penitência para a remissão dos pecados; sede pacientes na tribulação, solícitos
na oração, sofridos na adversidade, activos e constantes no trabalho; modestos
nas palavras, sérios nos vossos costumes e agradecidos ao receber benefícios.
Sabei que, em recompensa de tudo isso, vos está prometido um reino que não terá
fim”.
Prostrados humildemente em
terra os filhos em presença de tão bom Pai, receberam com alegria de espírito o
mandamento da santa obediência. E disse a cada um em particular:
“Lança no Senhor os teus
cuidados e ele cuidará de ti” (Sl 54,23).
Era a sua frase costumeira
ao enviar um irmão às missões.
” Ele, porém, consciente
de sua vocação de modelo e querendo agir antes de falar, tomou um dos seus
companheiros e dirigiu-se a um dos quatro pontos cardeais, deixando para os outros
irmãos os três outros pontos cardeais, como se quisesse traçar um imenso
sinal-da-cruz.
Quando mais tarde quis
rever os filhos bem-amados e não sabendo como fazer chegar até eles a sua voz,
pediu ao Senhor que os reunisse, ele “que reúne os filhos disperses de Israel” (Sl
146,2).
E sucedeu que, sem terem
sido convocados por quem quer que fosse, mas por um favor da bondade de Deus,
todos, para grande admiração comum, se encontraram como Francisco havia
desejado.
Outros quatro homens de
bem vieram associar-se a eles, elevando-se agora o número dos irmãos a doze.
8. Vendo que o número dos
irmãos aumentava gradativamente, Francisco escreveu uma regra de vida breve e
simples para si e seus companheiros.
O seu fundamento
inabalável era a observância dos Evangelhos, ao que ele acrescentou um número reduzido
de outras prescrições, que lhe pareciam necessárias para a vida em comum.
Estava ansioso em ver
aprovado pelo papa o que escrevera.
Pondo toda s sua confiança
no Senhor, resolveu apresentar-se com os seus companheiros diante da Sé Apostólica.
Deus olhou propício para o
seu desejo e confortou os irmãos que estavam apavorados de se verem tão simples
e inexperientes, mostrando a Francisco a seguinte visão:
Parecia-lhe estar
percorrendo um caminho, à beira do qual se erguia uma árvore que ele dobrou com
facilidade até ao chão.
Homem cheio de Deus que
era, compreendeu imediatamente que a visão era uma profecia do modo como o papa
haveria de aprovar os seus planos e ficou extremamente alegre.
Falou aos irmãos e
encorajou-os.
Em seguida pôs-se a caminho
com eles.
9. Chegado à Cúria Romana,
conduziram-no à presença do Sumo Pontífice.
O Vigário de Cristo, que
se encontrava no palácio lateranense e caminhava no lugar chamado Speculum,
imerso em profundos pensamentos, mandou embora com desprezo, como um importuno,
o servo de Cristo.
Este humildemente retirou-se.
Na noite seguinte, porém,
o Pontífice teve uma revelação de Deus.
A seus pés via uma palmeira
que ia crescendo pouco a pouco até se tornar uma belíssima árvore.
Enquanto o Vigário de
Cristo se perguntava, maravilhado, que poderia significar aquela visão, a luz
divina gravou-lhe na mente que a palmeira representava aquele pobre que ele
havia repelido na véspera.
Na manhã seguinte, o papa
mandou os seus servos procurar aquele pobre em toda a cidade.
Encontraram-no na
hospedaria de S. António junto ao Latrão. E fizeram-no comparecer à sua
presença.
Introduzido Francisco à
presença do Sumo Pontífice, manifestou-lhe os seus propósitos, pedindo-lhe com
humildade e constância que se dignasse aprovar a referida Regra e forma de
vida.
Ao ver o Vigário de
Cristo, Inocêncio III, homem de grande sabedoria, a admirável pureza de alma do
servo de Deus, a firmeza dos seus propósitos e o ardente amor que votava aos
seus ideais, inclinou-se benignamente a ouvir as petições do santo.
Mas não quis aprovar logo
a regra de vida proposta pelo pobrezinho, porque parecia estranha e por demais
penosa às forças humanas no parecer de alguns cardeais.
Mas entre estes
encontrava-se um homem venerável, o cardeal João de São Paulo, bispo de Sabina,
amante das pessoas de virtude e santidade e decidido protector dos pobres de
Cristo.
Tomou a palavra e
inflamado do Espírito de Deus, disse ao Sumo Pontífice e a seus irmãos
cardeais:
“Este pobre pede apenas
que lhe seja aprovada uma forma de vida evangélica. Se portanto rejeitarmos o seu
pedido como difícil em demasia e estranho, tenhamos cuidado em não ofender
dessa forma o Evangelho.
De facto se alguém
dissesse que na observância da perfeição evangélica e no voto de praticá-la
existe algo de estranho ou de irracional, ou impossível, é réu de blasfémia
contra Cristo,autor do Evangelho”.
Diante dessas razões, o
sucessor de Pedro voltou-se para o pobre de Cristo e lhe disse:
“Meu filho, faz uma oração
fervorosa a Cristo para que por teu intermédio nos mostre a sua vontade.
Assim que a tivermos
conhecido com maior clareza, poderemos aceder com mais segurança aos teus
pedidos”.
São Boaventura
(cont)
(revisão
da versão portuguesa por AMA)
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