Vida de São Francisco de Assis
CAPITULO
2
Conversão
definitiva e restauração de três igrejas
1- O próprio Cristo era o
único guia de Francisco em todo esse tempo.
Na sua bondade, interveio
mais uma vez com a suave influência de sua graça.
Francisco saiu um dia da
cidade para meditar.
Ao passar pela igreja de
São Damião, que estava prestes a ruir de tão velha, sentiu-se atraído a entrar
e rezar.
De joelhos diante do
Crucificado, sentiu-se confortado imensamente no seu espírito e os seus olhos encheram-se
de lágrimas ao contemplar a cruz.
Subitamente, ouviu uma voz
que vinha da cruz e lhe falou por três vezes:
“Francisco, vai e restaura
a minha casa. Vês que ela está em ruínas”.
Francisco encontrava-se
sozinho na igreja e ficou amedrontado ao ouvir aquela voz, mas a força da sua
mensagem penetrou profundamente no seu coração e ele, delirando, caiu em
êxtase.
Por fim voltou a si e
tratou de pôr em execução a ordem recebida.
Concentrou todas as forças
na restauração daquela igreja material. Mas a igreja a que a visão se referia
era aquela que “Cristo resgatara com o próprio sangue” (At 20,28).
O Espírito Santo mais
tarde lho revelou e ele ensinou-o aos seus irmãos.
Levanta-se então, faz o
sinal-da-cruz para ter coragem, pega na loja do pai alguns fardos de tecido,
vai a galope até Foligno, vende a sua mercadoria juntamente com o cavalo que
lhe servira de montaria. Volta a Assis, entra na igreja que se propusera restaurar.
Encontra aí o pobre sacerdote capelão e saúda-o respeitosamente, oferece seu dinheiro
para restaurar a igreja e distribuir aos pobres, pede-lhe enfim humildemente a
permissão de viver algum tempo ao seu lado.
O capelão concorda em dar-lhe
pousada, mas temendo a família recusa aceitar o dinheiro.
Com o seu total
desinteresse pelo dinheiro, Francisco atira-o a um canto da janela com tanto
desprezo como se fosse poeira.
2. Mas a permanência do
servo de Deus junto ao capelão se prolongava-se; o seu pai acabou compreendendo
o que estava a acontecer e correu furioso até a igreja.
Ao ouvir as ameaças
daqueles que o procuravam e ao perceber que se estavam aproximando, Francisco
escondeu-se numa caverna secreta; sendo ainda novo no serviço de Cristo, não
quis enfrentar as iras do pai.
Permaneceu no esconderijo
durante vários dias, implorando continuamente a Deus com muitas lágrimas que o livrasse
das mãos dos seus perseguidores e lhe permitisse, na sua bondade, realizar os desejos
que ele mesmo havia inspirado.
Enfim, sentiu-se inundado
de alegria, começou a acusar-se de medroso e cobarde, saiu da sua gruta e
dirigiu-se corajosamente a Assis.
Os seus concidadãos ao
verem o seu rosto macilento e o espírito transformado, disseram que estava louco,
perseguiram-no atirando-lhe pedras e lama, cobrindo-o de insultos, como um
alienado, um lunático.
Mas o servo de Deus,
insensível e inabalável, passava por cima de todas as injúrias como se nada
houvesse escutado.
Ao ouvir aquele tumulto, o
pai correu imediatamente até ele a fim de oprimi-lo ainda mais, não para
protegê-lo.
Sem nenhuma compaixão, arrastou-o
para casa, censurou-o o mais que pôde, bateu-lhe e por fim colocou-o na prisão.
Tudo isso, porém, fez com
que ele se tornasse mais resoluto e decidido a levar a cabo os seus planos,
repetindo a frase do Evangelho: “Bem-aventurados
os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos céus”
(Mt 5,10).
3. Pouco depois, no
entanto, aproveitando uma viagem que o pai fizera, a mãe, que não aprovava o
procedimento do seu marido e não esperava mais poder dobrar a coragem a toda
prova do seu filho, livrou-o da prisão e permitiu que ele se fosse embora;
Francisco deu graças a Deus e voltou à solidão.
Mas ao regressar o pai e
não o encontrando em casa, destratou a mulher e em seguida foi à procura do
filho, cheio de cólera, disposto a traze-lo, se possível, para casa, ou ao
menos a expulsá-lo da sua terra.
Francisco, a quem Deus
dava toda a coragem, indo ao encontro do pai furioso, disse-lhe com firmeza que
lhe eram indiferentes a prisão e as pancadas e acrescentou solenemente que por
amor de Cristo estava disposto a enfrentar alegremente todas as provações.
Vendo que não conseguia
traze-lo de volta à casa paterna, tentou recuperar o dinheiro.
E quando, enfim, o
encontrou atirado num canto da janela da igreja, satisfez a sua cobiça e
acalmou-se um pouco.
4. Não contente com ter
recuperado o seu dinheiro, tratou de fazer com que Francisco fosse levado até
ao bispo da diocese, onde ele deveria renunciar a toda a sua herança e
devolver-lhe tudo que tinha.
No seu autêntico amor à
pobreza, Francisco nada opunha a essa cerimónia e apresenta-se de boa mente
diante do bispo e sem esperar um minuto nem hesitar de qualquer forma, sem
aguardar qualquer ordem nem pedir qualquer explicação, tira imediatamente todas
as suas vestes e entrega-as ao pai.
Todos viram então que, sob
as vestes finas, o homem de Deus levava um cilício.
Despiu mesmo os calções, em
seu fervor e entusiasmo, e ficou nu diante de todos.
Então disse ao pai: “Até
agora chamei-te meu pai, mas de agora em diante posso dizer sem qualquer
reserva: ‘Pai nosso que estais no céu’, pois foi a ele que confiei meu tesouro
e nele depositei minha fé”.
O bispo, que era um homem
santo e muito digno, chorava de admiração ao ver os excessos a que o levava seu
amor a Deus; levantou-se, abraçou-o e envolveu-o no seu manto, ordenando que
trouxessem alguma roupa para cobri-lo.
Deram-lhe um pobre manto
que pertencia a um dos camponeses a serviço do bispo; Francisco recebeu-o
agradecido e, depois, tendo encontrado um pedaço de giz no caminho, traçou uma
cruz sobre o manto.
Muito expressiva era
semelhante veste neste homem crucificado, neste pobre seminu.
Dessa forma, o servo do
Grande Rei foi deixado nu para seguir as pegadas do seu Senhor atado nu à cruz
e foi assim também que ele adoptou essa cruz como emblema, a fim de confiar a sua
alma ao madeiro que nos salvou e por meio dele escapar são e salvo do naufrágio
do mundo.
5. Estando agora livre dos
laços que o prendiam aos desejos terrenos, em seu desprezo pelo mundo,
Francisco abandonou a cidade natal e procurou fora um lugar onde pudesse ficar
a sós, alegre e despreocupado.
Aí na solidão e no
silêncio poderia ouvir as revelações secretas de Deus.
Ia dessa forma pela
floresta, alegre e cantando em francês os louvores do Senhor, quando dois
ladrões surgiram do cerrado e caíram sobre ele. Ameaçaram-no e perguntaram quem
ele era, mas ele respondeu corajosamente com as palavras proféticas:
“Sou o arauto do Grande
Rei”.
Bateram-lhe e e lançaram-no
numa fossa cheia de neve, dizendo-lhe: “Fica por aí, miserável arauto de Deus”.
Francisco esperou que se fossem
embora, saiu da fossa, alegre, recomeçando com mais ânimo ainda sua canção em
honra do Senhor.
São Boaventura
(cont)
(revisão
da versão portuguesa por AMA)
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