Art.
5 — Se algo da fé ou da esperança perdura na glória.
Parece que algo da fé ou
da esperança perdura na glória.
1. — Pois, removido o
próprio, fica o comum; assim, como se disse, removido o racional, permanece o
vivo; e removido este, permanece o ente. Ora, a fé tem algo de comum com a
beatitude, o conhecimento; e algo de próprio — o enigma, pois, a fé é um
conhecimento enigmático. Logo, removido o seu enigma, resta-lhe ainda o conhecimento.
2. Demais. — A fé é um
lume espiritual da alma, conforme a Escritura (Ef 1, 18): Os olhos iluminados do vosso coração para o
conhecimento de Deus; ora aqui se trata do lume imperfeito, por comparação
com a luz da glória, de que fala o salmista (Sl 35, 19): No teu lume veremos o lume. Ora, o lume
imperfeito perdura, com a superveniência do perfeito; assim, a candeia não se
extingue quando o sol nasce. Logo, parece que também o lume da fé pode
coexistir com o da glória.
3. Demais. — A substância
de um hábito não desaparece com a eliminação da matéria; assim, podemos
conservar o hábito da liberalidade, mesmo depois que perdemos o dinheiro, se
bem não a possamos exercer em acto. Ora, o objecto da fé é a Verdade primária
não vista. Logo, removido aquilo pelo que vemos essa Verdade, ainda pode
permanecer o hábito da fé.
Mas, em contrário, a fé é
um hábito simples. Ora, o simples ou há-de desaparecer totalmente ou totalmente
subsistir. Logo, como a fé não subsiste totalmente, mas desaparecerá, segundo
se disse [2],
conclui-se que desaparecerá totalmente.
SOLUÇÃO. — Alguns disseram
que a esperança desaparece totalmente; mas, a fé desaparece em parte — quanto
ao enigma; e subsiste em parte — quanto à substância do conhecimento. Ora, se
esta opinião exprime que a fé subsiste una, não numérica, mas genericamente, é
muito verdadeira. Pois, a fé convém com a visão da pátria num mesmo género, que
é o conhecimento; mas, a esperança não convém genericamente com a felicidade,
pois ela está para o gozo da beatitude como o movimento para o repouso final.
Se ela porém, significa
que o conhecimento da fé subsistirá no céu numericamente o mesmo, isto é
absolutamente impossível. Pois, removida a diferença de uma espécie, a
substância genérica não permanece numericamente a mesma. Assim, removida a
diferença constitutiva da brancura, não permanece a substância da cor numericamente
a mesma, de modo que uma mesma cor, numericamente, fosse, ora, a brancura e,
ora, a negrura. Porquanto, o género não está para a diferença como a matéria,
para a forma, de modo que subsiste a substância genérica, numericamente a
mesma, depois de removida a diferença; assim como, removida a forma, a
substância da matéria permanece numericamente a mesma. Ora, o género e a
diferença não são partes da espécie; mas assim como a espécie significa um todo
material, i. é, o composto da matéria e da forma, assim também a diferença
significa um todo; e o mesmo se dá com o género; mas, ao passo que este
denomina o todo, enquanto sendo como que a matéria, a diferença o denomina
enquanto sendo como que a forma; e por fim a espécie, enquanto uma e outra.
Assim, no homem, a natureza sensitiva é como a matéria da intelectiva, pois se
chama animal ao que tem natureza sensitiva; racional ao que tem a intelectiva e
homem, ao que as tem a ambas. E, assim, o mesmo todo é expresso por esses três
elementos, mas, não, do mesmo modo. Donde consta com clareza, que, a diferença,
não designando senão o género, depois de removida a diferença à substância
genérica não pode permanecer a mesma; assim, a animalidade não permanece a
mesma se for diferente a alma constitutiva do animal. Por onde, não é possível
que o conhecimento, numericamente o mesmo, que antes fora enigmático, venha a
ser, depois, a visão plena. Donde se conclui com clareza que nada do que há na
fé, numérica ou especificamente o mesmo, subsiste na pátria celeste, senão só o
que for genericamente o mesmo.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Removido o racional, já um vivente não é numericamente o
mesmo, mas só genericamente, como do sobredito resulta.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A
imperfeição da luz da candeia não se opõe à perfeição da luz do sol, porque uma
e outra não recai sobre o mesmo sujeito. Ao passo que a imperfeição da fé e a
perfeição da glória entre si se opõem, e recaem sobre o mesmo sujeito; e, portanto
não podem coexistir, assim como não o pode a claridade do ar e a sua
obscuridade.
RESPOSTA À TERCEIRA. —
Quem perde o dinheiro não perde a possibilidade de tornar a ganhá-lo, e
portanto pode subsistir convenientemente o hábito da liberalidade. Mas no
estado da glória, não só desaparece actualmente o objecto da fé, que é o
invisível, mas também na sua possibilidade, por causa da perene beatitude.
Seria pois inútil à subsistência de tal hábito.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
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