Art.
4 — Se a virtude teológica consiste num meio termo.
([1])
O quarto discute-se assim.
— Parece que a virtude teológica consiste num meio-termo.
1. — Pois, o bem das
outras virtudes consiste num meio-termo. Ora, a virtude teológica as excede em
bondade. Logo, com maioria de razão, consiste num meio-termo.
2. Demais. — O meio-termo da
virtude moral está em ser o apetite regulado pela razão, enquanto o da virtude
intelectual, em ser o nosso intelecto medido pelo objecto. Ora, a virtude
teológica tanto aperfeiçoa o intelecto como o apetite, como já se disse ([2]).
Logo, também consiste num meio-termo.
3. Demais. — A esperança,
que é uma virtude teologal, é o meio-termo entre o desespero e a presunção;
semelhantemente, a fé manifesta-se como
meio-termo entre heresias contrárias, como diz Boécio ([3]).
Assim, confessando que em Cristo há uma só pessoa e duas naturezas, estamos num
termo médio, entre a heresia de Nestório, que ensina existirem nele duas pessoas e duas naturezas, e a de Eutíquio, que só admite uma pessoa e uma natureza.
Logo, a virtude teológica consiste num meio-termo.
Mas, em contrário.
— Em todos os casos em que
a virtude consiste num meio-termo, podemos pecar por excesso ou por defeito.
Ora, em relação a Deus, objecto da virtude teológica, não podemos pecar por
excesso; pois, diz a Escritura (Ecle
43, 33): Bendizendo vós
ao Senhor, exaltai-o quando podeis; porque ele é maior que todo louvor.
Logo, a virtude teológica não consiste num meio-termo.
Como já
dissemos ([4]),
o meio-termo da virtude é considerado por conformidade com a sua regra ou
medida, que podemos ultrapassar ou não alcançar. Ora, a virtude teológica é
susceptível de dupla medida
— Uma fundada na própria
noção de virtude. E assim a medida e a regra da virtude teológica é o próprio
Deus. Porque a nossa fé é regulada pela verdade divina; a caridade, pela sua
bondade; e a esperança, enfim, pela grandeza do seu poder e do seu amor. Ora,
esta medida excede toda a faculdade humana. Donde, o homem não poderá nunca
amar a Deus, nele crer e nele esperar, tanto quanto deve. E portanto, com maior
razão, não poderá haver aí nenhum excesso. Logo, o bem da virtude teologal não
pode consistir num meio-termo, mas será tanto melhor quanto mais se aproximar
do sumo bem.
— A outra regra ou medida
da virtude teologal se funda em nós; porque, embora não possamos nos dar a Deus
tanto quanto devemos, devemos contudo, crendo, esperando e amando-o, nos aproximar
dele conforme a capacidade da nossa condição. Por onde, acidentalmente,
podemos, quanto ao que nos diz respeito, distinguir na virtude teológica um
meio e extremos.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O bem das virtudes intelectuais e morais consiste num meio-termo
conforme a uma regra ou medida que podemos ultrapassar. O que não se dá com as
virtudes teologais, em si mesmas consideradas, como já dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As
virtudes morais e intelectuais aperfeiçoam o nosso intelecto e o nosso apetite,
em relação a uma medida e a uma regra criada; ao passo que as virtudes
teológicas o fazem em relação à medida e à regra incriada. Logo, não há
semelhança.
RESPOSTA À TERCEIRA.
— A esperança é um meio-termo
entre a presunção e o desespero, no que se refere a nós. Assim, dizemos que
presume quem espera de Deus um bem que lhe excede a condição; e desespera por
não esperar o que, por sua condição, poderia esperar. Mas não poderá haver
superabundância de esperança, relativamente a Deus, cuja bondade é infinita.
— Semelhantemente, a fé é
um meio-termo entre heresias contrárias, não por comparação com o seu objecto,
que é Deus, em quem não podemos crer com excesso; mas enquanto a opinião humana
mesma é um meio-termo entre opiniões contrárias, como do sobredito resulta.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
[1] (IIª-IIªe,q.
17, a.5, ad 2; III Sent., dist. XXXIII,q. 1, a. 3.q 4ª; De Virtut., 1, a. 13;
q. 2, a. 2, ad 10, 13 ;q. 4. a. 1, ad 7: Rom., cap. XII,
lect 1).
[3]
In
lib. De duabus naturis (c. VII).
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