TEMA 6 A Criação
A doutrina da Criação
constitui a primeira resposta às questões fundamentais sobre a nossa origem e o
nosso fim.
Introdução
A importância da verdade da
criação baseia-se «no fundamento de todos os projectos divinos de salvação;
[...] é o primeiro passo para a Aliança do Deus único com o seu povo; é o
início da história da salvação que culmina em Cristo» [i].
A diferença dos outros
grandes mistérios da nossa fé – a Trindade e a Encarnação – a criação é «a
primeira resposta às questões fundamentais do homem acerca da sua própria
origem e do seu fim» [iii],
que o espírito humano coloca e pode também, em parte, responder, como mostra a
reflexão filosófica e os relatos das origens pertencentes à cultura religiosa
de tantos povos [iv],
não obstante, a especificidade da noção de criação, somente se captou, de
facto, com a revelação judaico-cristã.
Esta peculiar posição entre
fé e razão, faz da criação um bom ponto de partida na tarefa de evangelização e
diálogo que os cristãos estão sempre – particularmente nos nossos dias [vi] –
chamados a realizar, como já fizera São Paulo no Areópago de Atenas [vii].
Costuma fazer-se a distinção
entre acto criador de Deus – a criação active
sumpta – e realidade criada, que é efeito de tal acção divina – a criação passive sumpta [viii].
Seguindo este esquema
expõem-se a seguir os principais aspectos dogmáticos da criação.
1.
O acto criador
A Revelação apresenta a
acção criadora de Deus como fruto da Sua omnipotência, da Sua sabedoria e do
Seu amor.
Costuma atribuir-se a
criação, particularmente, ao Pai [x],
assim como a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito Santo.
Do mesmo modo, as obras “ad extra” da Trindade – a primeira
delas, a criação – são comuns a todas as Pessoas e, por isso, é lógico
perguntar qual o papel específico de cada Pessoa na criação, pois «cada pessoa
divina realiza a obra comum segundo a Sua propriedade pessoal» [xi].
É este o sentido da,
igualmente, tradicional apropriação dos atributos essenciais – omnipotência,
sabedoria, amor – respectivamente, ao operar criador do Pai, do Filho e do
Espírito Santo.
No Símbolo
niceno-constantinopolitano confessamos a nossa fé «num só Deus, Pai
omnipotente, criador do céu e da terra»; «num só Senhor Jesus Cristo [...] por
quem tudo foi feito»; e no Espírito Santo «Senhor que dá a vida» [xii].
A fé cristã fala, portanto,
não somente de uma criação ex nihilo,
do nada, que indica a omnipotência de Deus Pai; mas também de uma criação feita
com inteligência, com a sabedoria de Deus – o Logos por meio do qual tudo foi
feito [xiii]; e
de uma criação ex amore [xiv],
fruto da liberdade e do amor que é o próprio Deus, o Espírito que procede do
Pai e do Filho.
Assim, como não há
contradição entre a unicidade de Deus e ser três pessoas, de modo análogo não
se contrapõe a unicidade do princípio criador com a diversidade dos modos de
operar de cada uma das Pessoas.
«Criador
do céu e da terra»
«”No princípio, Deus criou o
céu e a terra”.
Três coisas são afirmadas
nestas primeiras palavras da Escritura: Deus eterno deu um princípio a tudo
quanto existe fora d’Ele.
Só Ele é criador (o verbo
“criar” – em hebreu bara – tem sempre
Deus por sujeito).
E tudo quanto existe
(expresso pela fórmula “o céu e a terra”) depende d’Aquele que lhe deu o ser» [xvi].
Só Deus pode criar em
sentido próprio [xvii], o
que implica originar as coisas a partir do nada – ex nihilo – e não a partir de algo preexistente; para isso
requer-se uma potência activa infinita, que só a Deus corresponde [xviii].
É congruente, portanto,
apropriar a omnipotência criadora ao Pai, já que Ele é na Trindade (segundo uma
clássica expressão) fons et origo,
quer dizer, a Pessoa de quem procedem as outras duas, princípio sem princípio.
A fé cristã afirma que a
distinção fundamental na realidade é a que se dá entre Deus e as Suas
criaturas.
Isto supôs uma novidade nos
primeiros séculos, nos quais, polaridade entre matéria e espírito motivava
visões inconciliáveis entre si (materialismo e espiritualismo, dualismo e
monismo).
O cristianismo quebrou estes
moldes, sobretudo com a sua afirmação de que também a matéria, como o espírito,
é criação do único Deus transcendente. Mais tarde, São Tomás desenvolveu uma
metafísica da criação que descreve Deus como o próprio Ser subsistente – Ipsum Esse Subsistens.
Como causa primeira, é
absolutamente transcendente ao mundo e, ao mesmo tempo, em virtude da
participação do Seu ser nas criaturas, está presente intimamente nelas, as
quais dependem, em tudo, d’Aquele a que pertence a fonte do ser.
(cont)
Santiago
Sanz
[vi]
Entre outras
muitas intervenções, cf. Bento XVI, Discurso aos membros da Cúria romana,
22-XII-2005; Fé, Razão e Universidade (Discurso em Regensburg), 12-IX2006;
Angelus, 28-I-2007.
[xv]
cf. São Tomás, Super
Sent., lib. 1, d. 14, q. 1, a. 1, co.: «são a causa e a razão da processão das
criaturas».
[xvii]
Por isso se diz
que Deus não necessita de instrumentos para criar, já que nenhum instrumento
possui a potência infinita necessária para criar. Daí também que, quando se
fala, por exemplo, do homem como criador ou inclusive como capaz de participar
no poder criador de Deus, o emprego do adjectivo “criador” não é analógico mas
metafórico.
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