06/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO I

«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO PECADO»

A santidade da humanidade de Cristo

6. A caminho da santidade

A nossa propensão para a santidade assemelha-se muito à caminhada no deserto em direcção à terra prometida do povo eleito.
De facto, é também ela um caminho feito de contínuas paragens e recomeços de viagem.
DE vez em quando o povo parava no deserto e armava as tendas, ou porque estava extenuado, ou porque tinha encontrado água ou alimentos, ou até porque lhe apetecia descansar.
Mas eis então que, de improviso, chegava a ordem do Senhor para levantar o acampamento e pôr-se de novo a caminho:
«Parte daqui, tu e o povo, e ide para a terra que vos prometi», diz Deus a Moisés; então, toda a comunidade levantava acampamento e se punha novamente a caminho [i].

Na vida da Igreja, estas pausas periódicas e recomeços no caminho são representadas pelo início de um novo ano litúrgico, ou de uma quadra do ano mais activa, como o Advento e a Quaresma.
Para cada um de nós particularmente, o tempo de levantar a tenda e retomar o caminho, é quando sentimos, no nosso íntimo, o misterioso apelo que nos vem através da graça.
Esta não é uma vontade que pode vir «da carne ou do sangue», mas somente do Pai que está nos céus.
Trata-se de um momento abençoado, de um inefável encontro entre Deus e a criatura, entre a graça e a liberdade, que terá consequências, positivas ou negativas, por toda a eternidade.
No começo, há um momento de reflexão.
Cada um detém-se no turbilhão dos seus afazeres ou no ritmo das ocupações quotidianas; desliga-se de tudo por instantes.
Mede as distâncias, como costuma dizer-se, para dar uma vista de olhos à vida e ver para onde está caminhando.
É o momento da verdade, das perguntas fundamentais:
«Quem sou? De onde venho? Para onde vou? Que é que eu quero?».

Conta-se que também S. Bernardo, de vez em quando, interrompia as suas tarefas e, como que entrando em diálogo consigo mesmo, dizia:
«Bernarde, ad quid venisti?»; Bernardo, para que te fizeste monge? [ii]
O mesmo deveremos fazer nós também.
Chamar-nos pelo nome (porque isso ajuda) e perguntar-nos:
Porque estás aqui e fazes esse trabalho?
Não será porventura para cumprir a vontade de Deus de te fazeres santo?
E se é para te fazeres santo, estás mesmo a fazeres-te santo?
Há só há uma desgraça verdadeiramente tal e irreparável na vida – disse alguém com profunda verdade – é a de não sermos santos.

No Novo Testamento está descrito um tipo de conversão que poderemos definir como a conversão-despertar, ou a conversão da tibieza.
Encontra-se no Apocalipse.
No Apocalipse podemos ler as sete cartas escritas aos anjos (que alguém interpreta dirigidas aso «bispos» de outras tantas Igrejas da Ásia Menor.
Estas cartas são todas construídas sobre um esquema comum.
É Jesus ressuscitado, o Santo, quem fala.
Na carta ao anjo de Éfeso, ele começa por reconhecer tudo aquilo que o destinatário fez de bom:
«Conheço as tuas obras, o teu trabalho e a tua paciência… És constante e sofreste muito pelo Meu nome, sem desfalecimentos».
Depois, passa a citar aquilo que, pelo contrário, O desgosta:
«Deixaste a tua caridade de outrora!»
E eis que, então, ressoa na noite como um tinido de trombeta, entre os que dormem, o grito do Ressuscitado:
Metaòeson, isto é, converte-te! Mexe-te! Acorda! [iii]

Esta a primeira de sete cartas.
Sabemos como é severa a última das sete cartas e que foi endereçada ao anjo da Igreja da Laodiceia:
«Conheço as tuas obras; sei que não és nem frio nem quente; oxalá fosse frio ou quente!»
Converte-te e volta a ser zeloso e fervoroso
Zeleue oun kai matanòeson! [iv]
Como todas as outras, também esta carta termina com a misteriosa advertência:
«Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas» [v].
Pelo contexto, não há dúvida alguma sobre o que o Espírito diz às Igrejas; Ele diz:
Conversão, vida nova!

Que fazer então?
Santo Agostinho dá-nos um conselho de como despertar a vontade:
«Toda a vida do bom cristão consiste num desejo santo (ou num desejo de santidade):
Tota vita christiani boni, sactum desiderium est.
Através da vontade tu dilatas-te para que possas ser repleto, quando chegares à visão.
Deus, mediante a esperança, aumenta o nosso ânimo e, dilatando-o, torna-o mais capaz.
Vivamos, portanto, irmãos, com esse desejo, pois que devemos ser repletos» [vi]
Ninguém se faz santo sem um grande desejo de que tal aconteça.
Nada de grandioso se faz sem desejo.
O desejo é o vento que enfuna as velas e faz andar o barco; é o motor da vida espiritual.

Mas quem poderá ter o desejo de santidade, se o Espírito Santo não o infundir?
Por isso, São Boaventura, terminava o seu Itinerário da mente para Deus com estas palavras inspiradas:
«Esta sabedoria misteriosa e escondida, ninguém a conhece senão quem a recebe, ninguém a recebe senão quem a deseja, e ninguém a deseja senão aquele que está inflamado no seu coração pelo Espírito Santo enviado por Cristo»  [vii].

(cont)

rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Cfr. Ex 15,22;17,1.
[ii] Guilherme de Saint-Thierry, Vita prima, I, 4 (PI. 185,238).
[iii] Ap 2,1ss.
[iv]  Ap 3,5sss.
[v] Ap 3,22.
[vi] Stº Agostinho, In Epist. Ioh., 4,6 (PL 35,2008.
[vii] S. Boaventura, Itnerarium mentis in Deum, VII, 4.

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