CAPÍTULO I
«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO
PECADO»
A santidade da humanidade de Cristo
6. A caminho da santidade
A
nossa propensão para a santidade assemelha-se muito à caminhada no deserto em
direcção à terra prometida do povo eleito.
De
facto, é também ela um caminho feito de contínuas paragens e recomeços de
viagem.
DE
vez em quando o povo parava no deserto e armava as tendas, ou porque estava
extenuado, ou porque tinha encontrado água ou alimentos, ou até porque lhe
apetecia descansar.
Mas
eis então que, de improviso, chegava a ordem do Senhor para levantar o
acampamento e pôr-se de novo a caminho:
«Parte
daqui, tu e o povo, e ide para a terra que vos prometi», diz Deus a Moisés;
então, toda a comunidade levantava acampamento e se punha novamente a caminho [i].
Na
vida da Igreja, estas pausas periódicas e recomeços no caminho são
representadas pelo início de um novo ano litúrgico, ou de uma quadra do ano
mais activa, como o Advento e a Quaresma.
Para
cada um de nós particularmente, o tempo de levantar a tenda e retomar o
caminho, é quando sentimos, no nosso íntimo, o misterioso apelo que nos vem
através da graça.
Esta
não é uma vontade que pode vir «da carne ou do sangue», mas somente do Pai que
está nos céus.
Trata-se
de um momento abençoado, de um inefável encontro entre Deus e a criatura, entre
a graça e a liberdade, que terá consequências, positivas ou negativas, por toda
a eternidade.
No
começo, há um momento de reflexão.
Cada
um detém-se no turbilhão dos seus afazeres ou no ritmo das ocupações
quotidianas; desliga-se de tudo por instantes.
Mede
as distâncias, como costuma dizer-se, para dar uma vista de olhos à vida e ver
para onde está caminhando.
É
o momento da verdade, das perguntas fundamentais:
«Quem
sou? De onde venho? Para onde vou? Que é que eu quero?».
Conta-se
que também S. Bernardo, de vez em quando, interrompia as suas tarefas e, como
que entrando em diálogo consigo mesmo, dizia:
O
mesmo deveremos fazer nós também.
Chamar-nos
pelo nome (porque isso ajuda) e perguntar-nos:
Porque
estás aqui e fazes esse trabalho?
Não
será porventura para cumprir a vontade de Deus de te fazeres santo?
E
se é para te fazeres santo, estás mesmo a fazeres-te santo?
Há
só há uma desgraça verdadeiramente tal e irreparável na vida – disse alguém com
profunda verdade – é a de não sermos santos.
No
Novo Testamento está descrito um tipo de conversão que poderemos definir como a
conversão-despertar, ou a conversão da tibieza.
Encontra-se
no Apocalipse.
No
Apocalipse podemos ler as sete cartas escritas aos anjos (que alguém interpreta
dirigidas aso «bispos» de outras tantas Igrejas da Ásia Menor.
Estas
cartas são todas construídas sobre um esquema comum.
É Jesus
ressuscitado, o Santo, quem fala.
Na
carta ao anjo de Éfeso, ele começa por reconhecer tudo aquilo que o
destinatário fez de bom:
«Conheço
as tuas obras, o teu trabalho e a tua paciência… És constante e sofreste muito
pelo Meu nome, sem desfalecimentos».
Depois,
passa a citar aquilo que, pelo contrário, O desgosta:
«Deixaste
a tua caridade de outrora!»
E
eis que, então, ressoa na noite como um tinido de trombeta, entre os que
dormem, o grito do Ressuscitado:
Esta
a primeira de sete cartas.
Sabemos
como é severa a última das sete cartas e que foi endereçada ao anjo da Igreja
da Laodiceia:
«Conheço
as tuas obras; sei que não és nem frio nem quente; oxalá fosse frio ou quente!»
Converte-te
e volta a ser zeloso e fervoroso
Como
todas as outras, também esta carta termina com a misteriosa advertência:
Pelo
contexto, não há dúvida alguma sobre o que o Espírito diz às Igrejas; Ele diz:
Conversão,
vida nova!
Que
fazer então?
Santo
Agostinho dá-nos um conselho de como despertar a vontade:
«Toda
a vida do bom cristão consiste num desejo santo (ou num desejo de santidade):
Tota vita christiani boni, sactum
desiderium est.
Através
da vontade tu dilatas-te para que possas ser repleto, quando chegares à visão.
Deus,
mediante a esperança, aumenta o nosso ânimo e, dilatando-o, torna-o mais capaz.
Ninguém
se faz santo sem um grande desejo de que tal aconteça.
Nada
de grandioso se faz sem desejo.
O
desejo é o vento que enfuna as velas e faz andar o barco; é o motor da vida
espiritual.
Mas
quem poderá ter o desejo de santidade, se o Espírito Santo não o infundir?
Por
isso, São Boaventura, terminava o seu Itinerário
da mente para Deus com estas palavras inspiradas:
«Esta
sabedoria misteriosa e escondida, ninguém a conhece senão quem a recebe,
ninguém a recebe senão quem a deseja, e ninguém a deseja senão aquele que está
inflamado no seu coração pelo Espírito Santo enviado por Cristo» [vii].
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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