28/01/2018

Leitura espiritual

CAPÍTULO V

O SUBLIME CONHECIMENTO DE CRISTO


1.       O encontro pessoal com Cristo.

…/3

Depois de termos reflectido, nos capítulos anteriores, sobre “Jesus verdadeiro Homem” e sobre “Jesus verdadeiro Deus”, vamos agora debruçar-nos sobre Jesus como “Pessoa”.
«Ensinamos – diz o concílio de Calcedónia – que Cristo deve ser reconhecido como uma Pessoa, ou hipóstase, não separado e dividido em duas pessoas, mas único e idêntico Filho unigénito, Verbo e Senhor nosso Jesus Cristo» [i].

Conhece-se a importância central desta verdade que fala de uma união hipostática ou pessoal entre o homem e Deus, em Cristo.
Ela é o “nó” que une a Trindade e a cristologia, Cristo é uma Pessoa e esta Pessoa não é senão a Pessoa do Verbo, a segunda Pessoa da Trindade, aqual, tendo encarnado através de Maria, começou também a existir como homem no tempo.
Divindade e humanidade, para além de serem duas naturezas, aparecem, nesta luz, como duas fazes ou dois momentos de existir de uma mesma Pessoa; primeiramente fora do tempo e depois no tempo; antes sem carne e depois na carne.
É a intuição que faz depender, no modo mais estrito que se possa pensar, a nossa salvação pela intervenção gratuita de Deus; é a que melhor reflecte, na sua mesma raiz, a natureza profunda da religião cristã, que é ser a religião da graça e do dom, mais que da conquista e das obras; e a religião da descida de Deus até nós, mais do que a nossa subida para Deus.
«Ninguém – disse Jesus no evangelho de S. João – subiu ao céu, a não ser o Filho do Homem que desceu do céu» [ii], e isto quer dizer que não se pode subir até Deus, se Deus não descer primeiro para o meio de nós; quer dizer que nenhuma cristologia que parta radicalmente “de baixo” (de Jesus “Pessoa humana”) jamais poderá conseguir “subir ao céu”, isto é, elevar-se até atingir a fé na divindade ena preexistência de Cristo.
Isto foi o que demonstrou novamente a experiência recente.

2.   «Para que eu O possa conhecer a Ele…»

Mas não é isto que me interessa relevar.
Também este dogma da única pessoa de Cristo é uma “estrutura aberta”, isto é, capaz de nos falar hoje, de responder às novas necessidades da fé, que não são as mesmas do século quinto.
Hoje em dia ninguém nega que Cristo é “uma Pessoa”.
Como já vimos atrás, há quem negue que Ele seja uma “pessoa divina”, preferindo dizer que é uma “pessoa humana”.
Mas a unidade da Pessoa de Cristo não é contestada por ninguém.
Não é por isso sobre esta vertente tradicional que deve ser procurada a actualidade deste dogma.

No plano da vida vivida, a coisa mais importante hoje, no dogma de Cristo como “uma Pessoa” é menos importante o adjectivo “uma” do que o substantivo “pessoa”.
Descobrir e proclamar que Jesus Cristo não é uma ideia, um problema histórico e nem somente uma personagem, mas sim que é uma pessoa e uma pessoa viva!
É disto que precisamos hoje e de que temos extrema necessidade, para não deixarmos que o cristianismo se reduza a ideologia ou simplesmente a teologia.
Também esta verdade faz parte daquele castelo de fadas que é a terminologia dogmática da Igreja Antiga, no qual dormem, num sono profundo, os príncipes e as mais graciosas princesas, aquém só é preciso acordar para que se levantem de um pulo em toda a sua glória.
De acordo com o programa que nos propusemos – o de revitalizar o dogma, partindo da sua base bíblica – vamos debruçar-nos agora sobre a palavra de Deus.
E visto que aqui tratamos de tornar possível aos homens de hoje um encontro pessoal com o Cristo ressuscitado, vou começar precisamente pelo texto do Novo Testamento que nos fala do mais célebre “encontro pessoal” com Jesus ressuscitado, alguma vez acontecido sobre a Terra: é o encontro do Apóstolo Paulo.
«Saulo, Saulo… quem és Tu, Senhor? Eu sou Jesus!»
Foi assim que se deu aquele encontro, do qual brotaram tantas bênçãos para a Igreja nascente [iii].

Mas ouçamos como ele mesmo descreve este encontro que dividiu em duas partes a sua vida:
«Mas aquilo que poderia ser para mim um lucro (como o de ser circuncidado, da estirpe de Israel, fariseu, irrepreensível) reputei-as como perda por Cristo. Na verdade, tudo considero uma perda, perante a sublimidade do conhecimento de Jesus Cristo meu Senhor. Por causa d’Ele perdi tudo, e tudo considero como lixo, a fim de ganhar a Cristo e ser achado n’Ele. E isso não mediante a minha justiça que deriva da lei, mas da que nasce da fé em Cristo, isto é, aquela justiça que vem de Deus, baseada na fé. E isto para que eu O possa conhecer a Ele…» [iv].

Quero lembrar também aqui o momento em que este texto se tornou “realidade activa” para mim, porque a Palavra de Deus não se conhece verdadeiramente, na sua mais profunda natureza, senão pelos frutos, isto é, por aquilo que ela uma vez produziu na vida de cada um de nós.
No estudo do cristianismo, eu tinha procedido a várias investigações sobre a origem do conceito de “pessoa” em teologia, sobre as suas definições e diversas interpretações.
Eu tinha tomado conhecimento das intermináveis discussões à volta da pessoa única ou hipóstase de Cristo durante o período bizantino, bem como dos progressos modernos sobre a dimensão psicológica da pessoa, com o consequente problema do “eu” de Cristo…
De certo modo posso dizer que eu estava a par de tudo sobre a pessoa de Cristo.
Porém, a certo momento, eis que chegou esta desconcertante descoberta: sim, eu conhecia tudo sobre a pessoa de Jesus, mas não conhecia Jesus em pessoa!
Eu conhecia a noção de pessoa, mais que a pessoa em si.

(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Denzinger, Schonmetzer, 302
[ii] Jo 3,13
[iii] Cfr. Act. 9,4-5
[iv] Fl 3,7-10

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