«ELE É O VERDADEIRO DEUS
E A VIDA ETERNA»
Divindade de Cristo e anúncio da
eternidade
3. Passar
do dogma para a vida
4. Eternidade, eternidade!
…/2
Secularismo significa
esquecer, ou pôr entre parêntesis, o desejo eterno do homem, agarrando-se
exclusivamente ao ”saeculum”, isto é, ao tempo presente e a este mundo.
É considerado a heresia mais
difundida e insidiosa da era moderna e, infelizmente, de um modo ou de outro,
todos somos ameaçados por ele.
Também nós que, em teoria,
lutamos contra o secularismo somos frequentemente seus cúmplices ou vítimas.
Somos “mundanizados”;
perdemos o sentido, o gosto e a familiaridade daquilo que é eterno.
Sobre a palavra “eternidade”,
ou “o além” (que é o seu equivalente em termos espaciais”, desabou
primeiramente a conjectura marxista, segundo a qual desvia do compromisso
histórico para transformara o mundo e melhorar as condições da vida presente e
é, por isso, uma espécie de alibi e de evasão.
Pouco a pouco, com a
desconfiança, caiu sobre ela o esquecimento e o silêncio.
O materialismo e o
consumismo fizeram o resto na sociedade opulenta, fazendo até parecer estranho
ou quase inconveniente que se fale ainda de eternidade entre pessoas cultas e
que acompanham a evolução dos tempos.
Que é que hoje ousa ainda
falar dos “Novíssimos”, isto é, das últimas coisas – Morte, Juízo, Inferno,
Paraízo – que são, respectivamente, o começo e as formas da eternidade?
Quando foi que nós ouvimos a
última pregação sobre avida eterna?
E, no entanto, pode dizer-se
que Jesus, no Evangelho, não fala de outra coisa.
Qual é a consequência
prática deste eclipse a ideia de eternidade?
S. Paulo refere a intenção
daqueles que não creem na ressurreição da morte:
O desejo natural de viver
“sempre”, deformado, torna-se desejo, ou frenesim, de viver “bem”, isto é,
agradavelmente.
A qualidade resolve-se na
quantidade.
Acaba por faltar uma das
motivações mais eficazes da vida moral.
Este enfraquecimento da
ideia de eternidade não se processa, por ventura, do mesmo modo, em todos os
crentes e não leva a uma conclusão tão grosseira como a que é referida pelo
Apóstolo; mas opera também neles, diminuindo-lhes sobretudo a capacidade para
enfrentar o sofrimento com coragem.
Imaginemos um homem com uma
balança na mão: uma daquelas balanças que se seguram com uma só mão e têm num
lado um prato em que se colocam os objectos e, no outro, uma barra a qual
regista o peso ou a medida,
Se cair por terra ou se se
perder a medida, tudo aquilo que se coloca no prato faz levantar a barra e
fazer pender a balança.
Pois bem, assim somos nós,
pois que a isso estamos limitados.
Perdemos o peso, a medida de
tudo o que é a eternidade e, assim, as coisas e os sofrimentos deste mundo
deitam facilmente por terra a nossa alma.
Tuod nos parece demasiado
pequeno e excessivo.
Jesus dizia:
«Se a tua mão te escandaliza, corta-a; se o teu olho te escandaliza,
arranca-o, é melhor para ti entrar na vida com uma só mão ou um só olho, do
que, tendo as duas mãos ou os dois olhos, seres lançado no fogo eterno [iii]»
Vê-se aqui como actua a
medida da eternidade quando ela está presente e operante, e o que ela é capaz
de estimular.
Nós, porém, tendo perdido de
vista a eternidade, achamos até excessivo que nos seja pedido para fecharmos os
olhos perante um espectáculo inconveniente.
Ao contrário, quando
estiveres prostrado, ao ponto de te sentires esmagado pelas tribulações, lança
com a fé, para o outro lado da balança, o peso desmesurado que é o pensamento
da eternidade; verás, então, que o peso das agruras se tornará mais leve e
suportável.
Digamos a nós mesmos:
Mas porque digo eu “um só
dia”?
São um instante, ainda menos
que um sopro.
A propósito de pesos e de
medidas, recordemos o que diz S. Paulo a quem coube a sorte de ter de sofrer
uma medida invulgarmente abundante.
“Porque o que presentemente
é para nós tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno de uma
extraordinária e incomparável glória, não atendendo nós às coisas que se vêm,
mas sim às que se não vêm; porque as coisas que se vêm são passageiras e as que
se não vêm são eternas” [vi].
O peso da tribulação é
“ligeiro” precisamente porque é momentâneo, e o peso da glória é
“extraordinário” porque é “eterno”.
Por isso o próprio Apóstolo
pôde dizer:
«Eu tenho por certo que os
sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória vindoura, que se
manifestará em nós»[vii].
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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