CAPÍTULO II
JESUS CRISTO, O HOMEM NOVO
1. Obediência e novidade
Resta-nos
agora clarificar brevemente a última questão:
Como
se apresenta o homem novo revelado por Cristo e qual é o traço essencial que o
distingue do homem «velho»?
De
facto, temos de conhecer este homem novo, já que fomos chamados a «revestir-nos
dele».
Chegámos
também, desta vez, ao ponto em que devemos passar do querigma para a paréneses,
passar da contemplação de Cristo
homem «novo» para a imitação da novidade
que é a Sua.
A
diferença entre os dois tipos de humanidade é resumida por São Paulo na
antítese: desobediência-obediência.
«Assim
como, pela desobediência de um só homem, todos os outros se tornaram pecadores,
assim também, pela obediência de um só, todos se tornarão justos» [i].
Por
isso, dizia eu mais atrás que, para se descobrir que «tipo de homem é Jesus», é
preciso olhar também para o mistério pascal. Porque é lá que o novo Adão se
revela obediente.
O
homem novo é um homem que nada faz «por Si mesmo», ou «para Si mesmo» ou para
Sua glória. É Aquele cujo alimento é fazer a vontade do Pai. É Aquele que leva
a Sua obediência até à morte e à morte na cruz. O homem novo é Aquele que vive
em total e absoluta dependência de Deus e encontra nessa dependência a Sua
força, a sua Alegria e a Sua liberdade. Não encontra nela o Seu limite, mas o
caminho para superar o Seu limite, numa palavra, encontra nessa dependência o
Seu ser:
«Quando
tiverdes levantado o Filho do Homem, - disse Jesus – então sabereis que Eu sou,
e que não faço nada por Mim mesmo, mas como o Pai Me ensinou, assim Eu faço» [ii].
«Eu
sou» porque «nada faço por Mim mesmo». O ser de Cristo radica-se na Sua
submissão ao Pai. Ele «é» porque «obedece».
O
ser do homem mede-se pelo grau da sua dependência de Deus, seu criador, até
coincidir no seu último vértice que é Jesus Cristo, com o Ser absoluto que é o
próprio Deus, e poder dizer também como homem: «Eu sou»! Eis em que consiste a
verdadeira «afirmação» do homem e o verdadeiro «humanismo». Os seguidores de
outro tipo de humanismo podem não aceitar esta afirmação e até revoltar-se
contra ela, mas nós sabemos que é a verdade. Se o homem não é só natureza, mas
também, vocação, é aqui que se realiza a vocação do homem e é a de se à imagem
e semelhança de Deus.
Os
crentes devem fazer duas coisas, acerca deste homem novo: proclamá-lo e
revestir-se dele., isto é, vivê-lo.
Ao
proclamá-lo servem-nos de exemplo os grandes Padres da Igreja do século IV:
Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório Nisseno, Agostinho… todos eles eram
homens embebidos pela cultura do seu tempo; podiam dizer falando dos seus
interlocutores:
«São
Gregos? Também eu!»
Mas
eles converteram-se, tornando-se estultos aos olhos dos sábios, abraçando a
humanidade de Cristo, e tornaram-se assim o «berço» em tomou forma um novo modo
de pensar, uma nova visão do homem, o «cadinho» em que o helenismo se
cristianizou e o cristianismo se helenizou, no bom sentido, isto é, se fez
«grego com os gregos».
Eles
assumiram a ideia de homem da sua cultura, aproveitando o que ela tinha de
válido – como por exemplo, a afirmação de que «nós somos da linhagem de Deus» [iii] - e corrigindo o que havia de errado, como a afirmação
de que «a carne não é capaz de salvação».
O
mesmo devemos fazer nós hoje também, na nossa cultura que não tem dificuldade
em admitir a salvação e a bondade da matéria, ao passo que tem dificuldade em
admitir que «somos da linhagem de Deus», criados por Ele.
Eles,
os Padres, salvaram também a sua cultura, obrigando-a a abrir-se por dentro a
novos horizontes. Souberam também reconhecer as grandes conquistas da cultura
do seu tempo e não apontar-lhe somente as suas carências; o mesmo devemos fazer
nós também.
No
seu tempo um dos pontos nevrálgicos era constituído pela «sabedoria»; hoje um
dos pontos nevrálgicos «é a liberdade».
São
Paulo dizia:
«Os
gregos procuram a sabedoria; nós pregamos a Cristo crucificado, o que é um
escândalo para os gentios, mas para aqueles que são chamados é virtude de Deus
e liberdade de Deus!».
Todas
as aberrações que hoje se ouvem acerca da humanidade de Cristo e das Sua
presumíveis lutas e rebeliões, como a ideia, por exemplo, de que Cristo não
seria completo se não tivesse uma «personalidade humana», derivam do facto de
que se acabou por aceitar o pressuposto do humanismo ateu segundo o qual existe
uma surda rivalidade e incompatibilidade entre Deus e o homem e «onde nasce
Deus, morre o homem».
Em
vez de destruir os raciocínios que se levantam contra a fé e submetendo à fé
toda a inteligência humana, é à fé que, desate modo, se sujeita a inteligência
humana.
2.
«Se o Filho vos
libertar…»
Proclamar
Cristo homem «sem pecado» não tem certamente por finalidade refutar o undo e o
homem de hoje, mas pelo contrário, incutir-lhe confiança e esperança. Poucos
são os temas evangélicos que têm tanta força libertadora como este.
Lembro-me
ainda da primeira vez que «descobri» a santidade de Cristo. Fazendo um exame de
consciência aos meus actos e aos meus pensamentos eu ia com clareza que não
havia um único desses actos que se pudesse considerar totalmente puro e que de
algum modo não estivesse inquinado pelo meu «eu» de pecado. Esta situação
leva-me a procurara com o pensamento uma saída como quando São Paulo exclamou:
Foi
então que descobri «Jesus sem pecado» e compreendi pela primeira vez o valor
incomensurável que este incisivo «absque
peccato» tem na Bíblia! Esta visão incutia-me na alma uma grande paz e
confiança, como o náufrago que encontrou qualquer coisa a que se agarrar. O
pecado, portanto – repetia comigo mesmo – não é omnipresente e se não é
omnipresente também não é omnipotente!
Houve
– e existe ainda – um ponto no universo onde começou a sua retirada, a qual se
concluirá irremediavelmente com a sua definitiva irradicação. Veio-me então o
desejo de abrir a Bíblia com a esperança de entrar nela uma palavra que, de
algum modo, me falasse deste Jesus sem pecado. E o meu olhar fixou-se no texto
de São João no qual Jesus diz:
«Em
verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado… Por
isso, se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres» [v].
Compreendi
que Jesus não fala aqui de toda a liberdade ou da liberdade em geral, mas da
libertação do pecado: se o Filho vos libertar do pecado sereis verdadeiramente
livres. Um dia também nós seremos livres do pecado, isto é, «verdadeiramente»
livres, teremos uma liberdade que agora nem sequer conseguimos imaginar.
Comentando
o texto (Onde está o espírito do Senhor aí está a liberdade» [vi],
Santo Agostinho revela-nos o segredo da verdadeira liberdade:
«Onde
está o Espírito do Senhor já não se é aliciado pelo prazer de pecar, e isto é a
liberdade.
O
Espírito do Senhor é o Espírito do Senhor Jesus!
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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