A VOCAÇÃO PARA A MATERNIDADE DIVINA A
CHEIA DE GRAÇA
O
louvor que o Espírito Santo inspirou a Isabel – «Bendita és tu entre as mulheres...» – vem ecoando ao longo dos
séculos nos lábios dos cristãos, todas as vezes que recitam a Ave-Maria.
Antes,
porém, desse louvor, esses mesmos lábios dirigem a Maria outras palavras, que
também são de Deus: «Cheia de graça!»
Qual
foi a grande “bênção” de Maria Santíssima, aquela que a faz «bendita entre todas as mulheres»?
Por
que é Ela chamada «cheia de graça»?
No
centro do mistério da vida de Maria, encontra-se a sua divina maternidade.
Deus
escolheu-a para ser a Mãe do seu Filho, do Redentor dos homens. Esse é o grande
dom com que Deus abençoou a Virgem: a sua vocação de Mãe de Jesus Cristo.
O
Evangelho relata que um dia – alegre e esperançado como uma nova alvorada do
mundo – Deus quis revelar a Maria essa sua escolha.
A
narração de São Lucas tem um encanto delicado: o Anjo Gabriel, enviado por Deus
à humilde casa de Nazaré, entrando onde ela estava, disse-lhe:
«Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. A
Virgem sentiu-se perturbada ao ouvir essas palavras, e o mensageiro do céu
tranquilizou-A: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que
conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus.
Este será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o
trono de seu pai David; reinará sobre a casa de Jacob eternamente, e o seu
Reino não terá fim» [i].
Através
das palavras do Anjo, descortina-se aos olhos de Maria o plano de Deus a seu
respeito.
Deus,
por assim dizer, manifesta-lhe aquilo que eternamente “sonhara” para Ela.
Neste
“sonho” da Santíssima Trindade, estava previsto o aparecimento de uma mulher, «cheia de graça», que haveria de surgir
no mundo como a aurora da Salvação, a luz de um novo amanhecer que anunciaria e
traria aos homens o Sol verdadeiro, o Salvador, que – como diz São João – «ilumina todo o homem que vem a este mundo»
[ii].
Já
nos primórdios da humanidade, quando o pecado dos nossos primeiros pais cavava
um abismo entre o homem e Deus, o Senhor contrapunha ao mal do pecado o seu
desígnio de Salvação: um “projecto” amoroso de Deus, fruto da sua infinita
misericórdia, para resgatar e reerguer o homem, e atraí-lo de novo a si.
Pois
bem, nesse projecto “acalentado” pelo amor eterno de Deus, já desde o começo
estava presente Maria.
Assim
fala Deus à serpente, a Satanás, após a queda original:
«Porei inimizades entre ti e a mulher, entre
a tua descendência e a dela; esta te esmagará a cabeça» [iii].
Com
estas palavras, Deus opõe ao Inimigo a imagem futura de uma “mulher”
irreconciliavelmente enfrentada com o demónio e o pecado. Nela, Satanás jamais
terá parte alguma.
Voltemos
à Anunciação.
Neste
momento, Deus dirige-se a Maria – por intermédio do Anjo – denominando-a, já no
começo, «cheia de graça».
Tem-se
feito notar que, no texto original do Evangelho, o Anjo, para dizer «cheia de graça», emprega uma só palavra
(kekharitoméne), e que essa palavra tem o valor de um “nome novo” atribuído por
Deus à Virgem [iv].
Seria
como que o nome “verdadeiro” com que o Senhor a designa e define.
Para
traduzi-lo adequadamente na nossa língua, teríamos que recorrer a perífrases:
“a
que foi cumulada de graça e mantém essa plenitude”,
“a
que foi feita gratíssima a Deus”,
“a
muito amada por Deus”.
Deus
Nosso Senhor, cumulando Maria de graça, preparou-a desde o primeiro instante da
sua existência para ser a digna Mãe do seu Filho, a nova “Arca da Aliança”,
toda pura e santa, capaz de acolher em seu seio a santidade infinita de Deus.
Maria
foi escolhida e predestinada por um acto do amor eterno de Deus. E o amor de
Deus é sempre criador; comunica às criaturas a sua bondade, fá-las participar
da vida divina, da graça.
O
amor de Deus por Maria foi único, e a Ela comunicou os seus dons também de modo
único: em plenitude. Por isso Ela é a “cheia de graça”.
Bem
podemos dizer que, em toda a história da humanidade – sem mencionarmos a alma
de Jesus –, a alma de Maria foi a única em que o Amor de Deus agiu
plenissimamente e sem o menor entrave. Com toda a razão foi dito, por isso, que
Maria é a “obra prima de Deus” [v].
Lê-se
numa homilia do Papa Paulo VI:
“O
aparecimento de Nossa Senhora no mundo (...) foi como o abrir-se sobre a terra,
toda coberta da lama do pecado, da mais bela flor que jamais desabrochou no
vasto jardim da humanidade: era o nascimento da criatura humana mais pura, mais
perfeita, mais digna da definição que o próprio Deus tinha dado ao homem quando
o criou: imagem de Deus, semelhança de Deus. Maria nos restitui a imagem da
humanidade perfeita” [vii].
Em
Maria, tudo é graça. Jamais pairou sobre Ela a sombra, sequer, do pecado.
Foi
toda de Deus desde o primeiro instante da sua existência, de modo que a sua
alma pura não conheceu nem a mancha do pecado original nem mancha alguma de
pecado pessoal.
O
dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima outra coisa não fez senão
explicitar uma das consequências dessa “plenitude de graça” que não tem no
Evangelho restrição alguma de tempo nem de momento:
“Por
uma graça e um privilégio especial de Deus todo-poderoso – reza a definição
dogmática de Pio IX, em 8 de dezembro de 1854 – e em atenção aos méritos de
Jesus Cristo, Salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi
preservada de toda a mancha de pecado original desde o primeiro instante da sua
concepção” [viii].
Maria
Santíssima sabe que Deus fez n’Ela “coisas grandes”, e essas grandezas são
motivo para que Ela glorifique a Deus, reconhecendo, com uma humildade cheia de
alegria, que Ele pôs os olhos na baixeza
da sua serva [ix].
Tudo
é puro dom de Deus, e Maria o agradece comovida.
Ora,
se tudo é dom de Deus, qual foi a parte de Maria?
Ter-se-ia
Ela limitado a uma função de receptora passiva de tão grandes graças?
A
cena evangélica da Anunciação dá-nos a resposta a essas perguntas:
Maria
correspondeu à chamada e às graças que a acompanhavam com uma aceitação amorosa
e uma entrega total.
A
semente da graça encontrou na sua alma o solo acolhedor e fértil onde
frutificar. Não esqueçamos que Deus sempre quer contar com a liberdade das
criaturas.
O
anúncio do Anjo a Maria, ao mesmo tempo que desvendava os planos de Deus sobre
Ela, tinha o delicado acento de um convite.
Maria
correspondeu livremente com total fidelidade: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra»
[x].
Essas
palavras – “faça-se”, “sim” – mostram-nos maravilhosamente a alma de Maria.
Voltada inteiramente para Deus, Ela é um “sim” perfeito ao Senhor, pronunciado
com o coração, com os lábios e com as acções, sem a menor restrição nem limite.
Há uma abertura completa da alma a Deus, que permite que o Espírito Santo, o
Artista divino, modelador das almas, faça daquela criatura a sua obra perfeita.
Quantas
coisas não fez Deus depender do “sim” de Maria! Desse “sim” dependeu o próprio
“sonho” divino a respeito de Nossa Senhora. Pela sua fidelidade, Ela foi
sempre, exactamente, como Deus a queria; e na sua alma inteiramente disponível
à acção da graça divina, arraigaram e cresceram as virtudes que são o fruto
maduro da santidade: a fé, a esperança, o amor, a humildade, a fortaleza, a
mansidão...
Ao
mesmo tempo, do seu “sim” dependeu o “projecto” divino da Redenção. Tão logo
Maria disse “faça-se” – com amorosa liberdade –, «o Verbo se fez carne e habitou entre nós» [xi].
A
partir desse instante, – para evocar as palavras do velho Simeão –, graças a
Maria, os nossos olhos viram a salvação [xii].
Por
último, quando Maria disse “sim” na Anunciação, não só começou a ser a Mãe de
Deus, como começou a ser a Mãe daqueles a quem Cristo iria infundir a vida
sobrenatural, tornando-os seus “irmãos” e membros do seu Corpo [xiii].
Este
último aspecto convida-nos a aprofundar um pouco mais no mistério da
maternidade de Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe.
(cont)
FRANCISCO
FAUS. [xiv]
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