26/12/2017

Leitura espiritual

MARIA, A MÃE DE JESUS 3


A VOCAÇÃO PARA A MATERNIDADE DIVINA A CHEIA DE GRAÇA

O louvor que o Espírito Santo inspirou a Isabel – «Bendita és tu entre as mulheres...» – vem ecoando ao longo dos séculos nos lábios dos cristãos, todas as vezes que recitam a Ave-Maria.

Antes, porém, desse louvor, esses mesmos lábios dirigem a Maria outras palavras, que também são de Deus: «Cheia de graça!»

Qual foi a grande “bênção” de Maria Santíssima, aquela que a faz «bendita entre todas as mulheres»?

Por que é Ela chamada «cheia de graça»?

No centro do mistério da vida de Maria, encontra-se a sua divina maternidade.
Deus escolheu-a para ser a Mãe do seu Filho, do Redentor dos homens. Esse é o grande dom com que Deus abençoou a Virgem: a sua vocação de Mãe de Jesus Cristo.

O Evangelho relata que um dia – alegre e esperançado como uma nova alvorada do mundo – Deus quis revelar a Maria essa sua escolha.
A narração de São Lucas tem um encanto delicado: o Anjo Gabriel, enviado por Deus à humilde casa de Nazaré, entrando onde ela estava, disse-lhe:

«Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. A Virgem sentiu-se perturbada ao ouvir essas palavras, e o mensageiro do céu tranquilizou-A: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Este será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David; reinará sobre a casa de Jacob eternamente, e o seu Reino não terá fim» [i].

Através das palavras do Anjo, descortina-se aos olhos de Maria o plano de Deus a seu respeito.
Deus, por assim dizer, manifesta-lhe aquilo que eternamente “sonhara” para Ela.
Neste “sonho” da Santíssima Trindade, estava previsto o aparecimento de uma mulher, «cheia de graça», que haveria de surgir no mundo como a aurora da Salvação, a luz de um novo amanhecer que anunciaria e traria aos homens o Sol verdadeiro, o Salvador, que – como diz São João – «ilumina todo o homem que vem a este mundo» [ii].

Já nos primórdios da humanidade, quando o pecado dos nossos primeiros pais cavava um abismo entre o homem e Deus, o Senhor contrapunha ao mal do pecado o seu desígnio de Salvação: um “projecto” amoroso de Deus, fruto da sua infinita misericórdia, para resgatar e reerguer o homem, e atraí-lo de novo a si.
Pois bem, nesse projecto “acalentado” pelo amor eterno de Deus, já desde o começo estava presente Maria.
Assim fala Deus à serpente, a Satanás, após a queda original:
«Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela; esta te esmagará a cabeça» [iii].
Com estas palavras, Deus opõe ao Inimigo a imagem futura de uma “mulher” irreconciliavelmente enfrentada com o demónio e o pecado. Nela, Satanás jamais terá parte alguma.

Voltemos à Anunciação.
Neste momento, Deus dirige-se a Maria – por intermédio do Anjo – denominando-a, já no começo, «cheia de graça».

Tem-se feito notar que, no texto original do Evangelho, o Anjo, para dizer «cheia de graça», emprega uma só palavra (kekharitoméne), e que essa palavra tem o valor de um “nome novo” atribuído por Deus à Virgem [iv].
Seria como que o nome “verdadeiro” com que o Senhor a designa e define.
Para traduzi-lo adequadamente na nossa língua, teríamos que recorrer a perífrases:
“a que foi cumulada de graça e mantém essa plenitude”,
“a que foi feita gratíssima a Deus”,
“a muito amada por Deus”.

Deus Nosso Senhor, cumulando Maria de graça, preparou-a desde o primeiro instante da sua existência para ser a digna Mãe do seu Filho, a nova “Arca da Aliança”, toda pura e santa, capaz de acolher em seu seio a santidade infinita de Deus.
Maria foi escolhida e predestinada por um acto do amor eterno de Deus. E o amor de Deus é sempre criador; comunica às criaturas a sua bondade, fá-las participar da vida divina, da graça.
O amor de Deus por Maria foi único, e a Ela comunicou os seus dons também de modo único: em plenitude. Por isso Ela é a “cheia de graça”.

Bem podemos dizer que, em toda a história da humanidade – sem mencionarmos a alma de Jesus –, a alma de Maria foi a única em que o Amor de Deus agiu plenissimamente e sem o menor entrave. Com toda a razão foi dito, por isso, que Maria é a “obra prima de Deus” [v].
 «Cheia de graça»: este é o seu “verdadeiro nome” [vi].

Lê-se numa homilia do Papa Paulo VI:
“O aparecimento de Nossa Senhora no mundo (...) foi como o abrir-se sobre a terra, toda coberta da lama do pecado, da mais bela flor que jamais desabrochou no vasto jardim da humanidade: era o nascimento da criatura humana mais pura, mais perfeita, mais digna da definição que o próprio Deus tinha dado ao homem quando o criou: imagem de Deus, semelhança de Deus. Maria nos restitui a imagem da humanidade perfeita” [vii].
Em Maria, tudo é graça. Jamais pairou sobre Ela a sombra, sequer, do pecado.
Foi toda de Deus desde o primeiro instante da sua existência, de modo que a sua alma pura não conheceu nem a mancha do pecado original nem mancha alguma de pecado pessoal.

O dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima outra coisa não fez senão explicitar uma das consequências dessa “plenitude de graça” que não tem no Evangelho restrição alguma de tempo nem de momento:

“Por uma graça e um privilégio especial de Deus todo-poderoso – reza a definição dogmática de Pio IX, em 8 de dezembro de 1854 – e em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada de toda a mancha de pecado original desde o primeiro instante da sua concepção” [viii].

Maria Santíssima sabe que Deus fez n’Ela “coisas grandes”, e essas grandezas são motivo para que Ela glorifique a Deus, reconhecendo, com uma humildade cheia de alegria, que Ele pôs os olhos na baixeza da sua serva [ix].
Tudo é puro dom de Deus, e Maria o agradece comovida.

Ora, se tudo é dom de Deus, qual foi a parte de Maria?
Ter-se-ia Ela limitado a uma função de receptora passiva de tão grandes graças?
A cena evangélica da Anunciação dá-nos a resposta a essas perguntas:
Maria correspondeu à chamada e às graças que a acompanhavam com uma aceitação amorosa e uma entrega total.
A semente da graça encontrou na sua alma o solo acolhedor e fértil onde frutificar. Não esqueçamos que Deus sempre quer contar com a liberdade das criaturas.
O anúncio do Anjo a Maria, ao mesmo tempo que desvendava os planos de Deus sobre Ela, tinha o delicado acento de um convite.
Maria correspondeu livremente com total fidelidade: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» [x].
Essas palavras – “faça-se”, “sim” – mostram-nos maravilhosamente a alma de Maria. Voltada inteiramente para Deus, Ela é um “sim” perfeito ao Senhor, pronunciado com o coração, com os lábios e com as acções, sem a menor restrição nem limite. Há uma abertura completa da alma a Deus, que permite que o Espírito Santo, o Artista divino, modelador das almas, faça daquela criatura a sua obra perfeita.
Quantas coisas não fez Deus depender do “sim” de Maria! Desse “sim” dependeu o próprio “sonho” divino a respeito de Nossa Senhora. Pela sua fidelidade, Ela foi sempre, exactamente, como Deus a queria; e na sua alma inteiramente disponível à acção da graça divina, arraigaram e cresceram as virtudes que são o fruto maduro da santidade: a fé, a esperança, o amor, a humildade, a fortaleza, a mansidão...
Ao mesmo tempo, do seu “sim” dependeu o “projecto” divino da Redenção. Tão logo Maria disse “faça-se” – com amorosa liberdade –, «o Verbo se fez carne e habitou entre nós» [xi].
A partir desse instante, – para evocar as palavras do velho Simeão –, graças a Maria, os nossos olhos viram a salvação [xii].
Por último, quando Maria disse “sim” na Anunciação, não só começou a ser a Mãe de Deus, como começou a ser a Mãe daqueles a quem Cristo iria infundir a vida sobrenatural, tornando-os seus “irmãos” e membros do seu Corpo [xiii].
Este último aspecto convida-nos a aprofundar um pouco mais no mistério da maternidade de Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe.

(cont)

FRANCISCO FAUS. [xiv]




[i] Lc 1, 26-33
[ii] Jo 1, 9
[iii] Gén 3, 15
[iv] João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, n. 8.
[v] cfr. Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, 2ª. ed., Quadrante, São Paulo, 1979, págs. 229 ss.;.
[vi] Enc. Redemptoris Mater, n. 8
[vii] Paulo VI, Homilia, 08.09.1964
[viii] Pio XI, Bula Ineffabilis Deus; in Denzinger, Enchiridion Symbolorum, V. Herder, Friburgo-Barcelona, 1955, n. 1641
[ix] Lc 1, 48-49
[x] Lc 1, 38
[xi] Jo 1, 14
[xii] cfr. Lc 2, 30
[xiii] cfr. Rom 8, 29 e I Cor 12, 27
[xiv] MARIA, A MÃE DE JESUS QUADRANTE, São Paulo Copyright © 1987 Quadrante, Sociedade de Publicações Culturais

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