13/06/2017

Leitura espiritual

A CIDADE DE DEUS 

Vol. 2

LIVRO XV

CAPÍTULO XII

Opinião dos que não crêem que os homens dos primeiros tempos tinham vivido tanto com o está escrito.

Não podemos de modo algum dar ouvidos aos que pensam que os anos daqueles tempos se contavam de outra maneira, isto é, eram tão breves que um ano dos nossos valeria dez dos deles. Por isso, dizem eles, quando se ouve ou se lê que alguém viveu novecentos anos, deve-se compreender noventa, pois dez dos seus anos valem um dos nossos e dez dos nossos, cem dos deles. Pelo que, como julgam, Adão teria vinte e três anos quando gerou Set — e Set, quando dele nasceu e nós, vinte anos e seis meses a que a Escritura chama duzentos e cinco anos. Porque, como conjecturam aqueles cuja opinião expomos, cada um dos nossos actuais anos era dividido em dez partes a que chamavam anos. Cada um a das partes tem um quadrado de seis (62) porque Deus acabou em seis dias a obra da criação para repousar ao sétimo (disto tratei eu o melhor que pude no livro décimo primeiro). Ora seis vezes seis, número que faz o quadrado de seis, são trinta e seis dias,

— e trinta e seis multiplicado por dez dá trezentos e sessenta, isto é, doze meses lunares. Com o restam cinco dias com que se completa o ano solar, e uma quarta parte do dia pela qual em cada quatro anos se acrescenta um dia, dando origem ao bissexto, — os antigos acrescentavam mais tarde, para arredondar o número de anos, os chamados pelos Romanos dias intercalares. Da mesma forma também e nós, filho de Set, quando dele nasceu seu filho Caim não que tinha dezanove anos a Escritura diz serem cento e noventa. E daí em diante, através de todas as gerações em que se referem os anos dos homens antes do Dilúvio, não se encontra em nenhum dos nossos códices que quase ninguém tenha gerado um filho aos cem anos ou menos, nem mesmo aos cento e vinte anos ou pouco mais. Antes, a mínima idade de ter filhos, diz-se, foram cento e sessenta anos ou mais. Porque, dizem eles, nenhum homem pode gerar filhos aos dez anos, número a que aqueles homens chamavam cem. E aos dezasseis anos que está m adura a puberdade e já capaz de procriar prole, isto é, segundo os antigos, aos cento e sessenta anos.

Mas para que não se considere incrível que um ano fosse então calculado de forma diferente, acrescentam que em muitos historiadores se refere que os Egípcios tinham um ano de quatro meses; os Acarnianos de seis meses; os Lavínios de treze meses. Plínio Segundo conta, segundo alguns escritos, que um homem teria vivido cento e cinquenta e dois anos, um outro mais dez anos e outros duzentos, trezentos, quinhentos, seiscentos e até oitocentos anos — mas atribui estes cálculos à ignorância desses tempos. Diz ele:

Alguns acabam o ano no Verão, outros no Inverno e outros ainda em cada uma das quatro estações, como entre os Arcádios, entre os quais o ano não tinha mais de três meses [i]

Acrescenta mesmo que outrora os Egípcios de que já referimos os curtos anos de quatro meses, terminavam o ano no fim de cada lua. Afirma a ele:

Assim se encontra entre eles quem tenha vivido mil anos [ii].

Com estes argumentos que parecem prováveis, alguns — procurando não destruir, mas antes confirmar a fé na história sagrada, para que pareça possível que os antigos tenham vivido tanto tempo — a si próprios se persuadiram (e julgam que não é vã a sua persuasão) de que era tão pequeno o espaço de tempo denominado de um ano, que
dez são para eles com o um para nós e dez dos nossos equivalem a cem dos deles. Demonstra-se com um documento evidentíssmo que isto é totalmente falso. Mas antes de o fazer, não me parece que deva esconder uma conjectura que pode ser mais aceitável. Poderíamos com segurança refutar e rechaçar tal afirmação com os códices hebreus onde se refere que Adão tinha cento e trinta anos e não duzentos e trinta quando gerou o seu terceiro filho. Se esses anos valem treze dos nossos, está fora de dúvida de que ele teria onze anos ou não muito mais quando gerou o seu primogénito. Quem pode, segundo a ordinária e tão conhecida lei da natureza, gerar nessa idade? Mas deixemos isso, pois talvez Adão fosse capaz desde quando foi criado: não é de crer que tenha sido criado tão pequeno como o são as nossas crianças. Set, seu filho, como lemos, não tinha duzentos e cinco, mas cento e cinco quando gerou Enoc. Por isso não teria ainda, segundo eles, onze anos de idade. Que direi de Cainan, seu filho, que para nós teria cento e setenta anos e para os hebreus setenta quando gerou Maleleel? Qual é o homem que aos setenta anos pode gerar, já que os setenta anos de então só valem sete?



(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)



[i] Plínio, Hist. nat. VII, XLIX.
[ii] Ibid

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