Art.
8 — Se Cristo, com a sua descida aos infernos, livrou as almas do purgatório.
O
oitavo discute-se assim. — Parece que Cristo, com a sua descida aos infernos
livrou as almas do purgatório.
1. — Pois, diz Agostinho: Como há testemunhos evidentes que nos falam
do inferno e das suas dores, nenhuma razão temos de crer que o Salvador a ele
descesse senão para livrar dessas dores os infelizes que as sofriam. Mas o que
ainda queria saber é se livrou todos os que nesse lugar encontrou, ou só os que
julgou dignos desses benefícios. Contudo não duvido ter Cristo descido aos
infernos e ter conferido tal benefício aos que sofriam as suas dores. Ora,
não conferiu o benefício da liberação aos condenados, como se disse. Mas, além
deles não há outros que padeçam tais dores senão os que estão no purgatório.
Logo, Cristo livrou as almas do purgatório.
2. Demais. — A própria presença da alma
de Cristo não produziu efeito menor que os seus sacramentos. Ora, pelos
sacramentos de Cristo as almas são libertas do purgatório; e sobretudo pelo
sacramento da Eucaristia, como se disse. Logo, com maior razão, pela presença
de Cristo descendo aos infernos, foram livradas as almas do purgatório.
3. Demais. — Cristo curou totalmente os que nesta vida curou, como diz
Agostinho. E no Evangelho o Senhor diz:
Em dia de sábado curei a todo um homem. Ora, Cristo livrou os que estavam
no purgatório do reato da pena do dano, que os excluía da glória. Logo, também
os livrou do reato da pena do purgatório.
Mas, em contrário, diz Gregório: O nosso Criador e Redentor, peneirando as
clausuras do inferno, de lá tirou as almas dos eleitos e não nos permite mais
ir para esse lugar, donde livrou a outros com a sua descida. Ora, permite
que vamos ao purgatório. Logo, descendo aos infernos, não libertou as almas do
purgatório.
Como dissemos, a descida de
Cristo aos infernos teve um efeito liberatório em virtude da sua Paixão. Ora, a
sua Paixão não produz efeito temporal e transitório, mas sempiterno, segundo o
Apóstolo: Com uma só oferenda fez
perfeitos para sempre aos que tem santificado. Donde é claro, que a Paixão
de Cristo não teve maior eficácia que a que actualmente tem. Portanto, os que
então estavam em situação semelhante às almas actualmente detidas no purgatório
não foram livrados deste pela descida de Cristo aos infernos. Mas se porventura
então existiam tais quais os que agora são livrados do purgatório em virtude da
Paixão de Cristo, esses nada impede que fossem livrados do purgatório pela
descida de Cristo aos infernos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Do lugar citado de Agostinho não se pode concluir que todos os detidos no
purgatório foram dele livrados, mas que só a alguns deles foi conferido esse
benefício. Isto é, aos que estavam suficientemente purificados; ou então aos
que, ainda vivendo, mereceram, pela fé, amor e devoção para com a Paixão de Cristo,
serem livrados, pela descida de Cristo, da pena temporal do purgatório.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A virtude de
Cristo obra nos sacramentos sanando e expiando. Por isso, o sacramento da
Igreja livra o homem do purgatório, por ser um sacrifício satisfatório pelo
pecado. Ora, a descida de Cristo aos infernos não foi satisfatória. Mas obrava
em virtude da Paixão, que era satisfatória, como estabelecemos; mas era
satisfatória em geral, devendo a sua virtude ser aplicada a cada um por algo a
cada um especial. Donde, não era necessário que pela descida de Cristo aos
infernos, todos fossem libertados do purgatório.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os defeitos, de
que Cristo livrava todos os homens simultaneamente neste mundo, eram pessoais,
atinentes propriamente a cada um. Mas a exclusão da glória de Deus era uma
miséria geral atinente a toda a natureza humana. Donde, nada impedia terem sido
livrados por Cristo os que estavam no purgatório, da exclusão da glória, mas
não do reato da pena do purgatório, necessitada pelos defeitos próprios de cada
um. Assim como ao inverso, os santos Patriarcas, antes do advento de Cristo,
foram libertados dos seus defeitos próprios, mas não do defeito comum à
natureza humana, como se disse.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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