Em
seguida devemos tratar da descida e Cristo aos infernos. E nesta questão
discutem-se oito artigos:
Art.
1 — Se Cristo devia descer ao inferno.
Art.
2 — Se Cristo também desceu ao inferno dos condenados.
Art.
3 — Se Cristo esteve todo no inferno.
Art.
4 — Se Cristo se demorou algum tempo no inferno.
Art.
5 — Se Cristo, descendo aos infernos, dele livrou os Santos Patriarcas.
Art.
6 — Se Cristo livrou alguns condenados do inferno.
Art.
7 — Se as crianças mortas no pecado original foram livradas pela descida de
Cristo.
Art.
8 — Se Cristo, com a sua descida aos infernos, livrou as almas do purgatório.
Art. 1 — Se Cristo devia
descer ao inferno.
O primeiro discute-se assim. — Parece que
Cristo não devia ter descido aos infernos.
1.
— Pois, diz Agostinho: Nunca pude
encontrar na Escritura a palavra inferno significativa de qualquer bem.
Ora, a alma de Cristo não desceu para nenhum mal, porque nem as almas dos
justos para nenhum mal desceram. Logo parece que não devia Cristo ter descido
aos infernos.
2.
Demais. — Descer aos infernos não podia convir a Cristo em razão da natureza
divina, absolutamente imutável; mas só lhe podia convir em razão da natureza
assumida. Ora, tudo o que Cristo fez ou sofreu, em virtude da natureza
assumida, se ordena à salvação humana. E para isso não era necessário que
descesse aos infernos; pois, pela sua paixão, que padeceu neste mundo,
livrou-nos da culpa da pena, como se disse. Logo, não devia Cristo ter descido
aos infernos.
3.
Pela morte de Cristo a alma separou-se-lhe do corpo, o qual foi depositado no
sepulcro, como se disse. Ora, parece que não foi a sua alma isolada, a que
desceu aos infernos. Pois, a alma, sendo
incorpórea, não pode mover-se localmente, o que é um movimento material,
como o prova Aristóteles; e a descida implica um movimento material. Logo,
Cristo não devia ter descido aos infernos.
Mas,
em contrário, o Símbolo (dos apóstolos): desceu
aos infernos. E o Apóstolo: Quanto a
dizer subiu, porque é isto senão porque também antes havia descido aos lugares
mais baixos da terra? Comentário de Glosa: isto é, aos infernos.
Cristo devia ter descido ao inferno. — Primeiro, porque veio carregar com a
nossa pena, para nos livrar dela, segundo a Escritura: Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele
mesmo carregou com as nossas dores. Pois,
pelo pecado o homem não somente incorreu na morte do corpo, mas também teve que
descer aos infernos. Donde, assim como devia morrer para nos livrar da
morte, foi conveniente que descesse aos infernos para nos livrar dessa descida.
Por isso diz a Escritura: ó morte, eu
serei a tua morte; ó inferno, eu serei a tua mordedura. - Segundo, porque
devia, uma vez vencido o diabo pela Paixão, arrebatar-lhe os que tinha
encarcerados no inferno, segundo a Escritura: Tu também pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do
lago. E o Apóstolo: Despojando os
principados e potestades, os trouxe confiadamente. - Terceiro, a fim de,
como mostrou o seu poder na terra, nela vivendo e morrendo, assim também
mostrasse o seu poder sobre o inferno, visitando-o e iluminando-o. Donde o
dizer a Escritura: Levantai, ó príncipes,
as vossas portas; isto é, comenta a Glosa, ó príncipes do inferno; deponde o vosso poder, com que até agora
detínheis as almas no inferno; e assim, segundo diz o Apóstolo, ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, não
só dos que estão nos céus, mas também nos infernos.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O nome de infernos exprime o mal da pena e
não o da culpa. Por isso Cristo devia descer ao inferno: não que fosse devedor
da pena, mas para livrar os que a ela tinham sido entregues.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo foi como que a causa universal da salvação
humana, tanto dos vivos como dos mortos. Ora, uma causa universal aplica-se a
efeitos particulares por algum meio especial. Donde, assim como a virtude da
Paixão de Cristo se aplica aos vivos pelos sacramentos, que nos assemelham a
Cristo padecente, assim também se aplicou aos mortos pela descida de Cristo aos
infernos. Por isso a Escritura diz assinaladamente: Pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago, isto
é, pela virtude da tua paixão.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A alma de Cristo não desceu aos infernos por aquele género de
movimentos com que se movem os corpos; mas pelo género de movimento com que se
movem os anjos, como estabelecemos na Primeira Parte.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.