Art. 2 — Se
Cristo foi sepultado de modo conveniente.
O segundo discute-se assim. — Parece que
Cristo não foi sepultado de modo conveniente.
1. — Pois, a sua sepultura lhe
correspondia à morte. Ora, Cristo sofreu morte objectíssima, segundo a
Escritura: Condenêmo-lo a uma morte a
mais infame. Logo, parece inconveniente o ter sido dada a Cristo uma
sepultura honrosa, pelo facto de ter sido enterrado por homens ricos, isto é,
por José de Arimateia um decurião nobre,
e por Nicodemos, senhor entre os
judeus, como lemos no Evangelho.
2. Demais. — Com Cristo não devia ter-se
dado nada que fosse exemplo de superfluidade. Ora, parece ter sido
superfluidade que, para sepultá-lo, Nicodemos viesse trazendo uma composição de quase cem libras de mirra e de
aloés; sobretudo que uma mulher foi
embalsamar-lhe antecipadamente o corpo para a sepultura, segundo lemos no
Evangelho. Logo, isso não se fez com Cristo, de maneira conveniente.
3. Demais. — Não pode estar uma coisa em
dissonância consigo mesma. Ora, a sepultura de Cristo foi simples, de um lado,
pois, José amortalhou-o num lençol asseado,
como refere o Evangelho; não, porém com
ouro ou gemas ou seda, como explica Jerónimo. Mas, de outro lado, parece
que esse sepultamento foi faustoso, pois o
sepultaram com aromas. Logo, parece que não foi conveniente o modo do
sepultamento de Cristo.
4. Demais. — Tudo quanto está escrito, e, sobretudo de Cristo, para nosso ensino
está escrito, no dizer do Apóstolo. Ora, certas coisas estão escritas no
Evangelho sobre o sepultamento, que em nada parecem contribuir para o nosso
ensino. Assim, que foi sepultado numa
horta, num sepulcro que lhe não pertencia, que ainda não tinha servido e aberto
numa rocha. Logo, foi inconveniente o modo do sepultamento de Cristo.
Mas, em contrário, a Escritura: E será glorioso o seu sepulcro.
O modo do sepultamento de
Cristo prova-se que foi conveniente por três razões. - Primeiro, para confirmar
a nossa fé na sua morte e ressurreição. - Segundo para celebrar a piedade dos
que o sepultaram. E por isso diz Agostinho: O
Evangelho celebra com razão os que, tirando-lhe o corpo da cruz, cuidaram em
envolvê-lo e sepultá-lo diligente e honrosamente. Terceiro, para
representar o mistério que envolve os que são sepultados com Cristo para
morrer.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. – Na
morte, que Cristo sofreu, celebra-lhe a paciência e a constância; e tanto mais
quanto mais abjecta foi essa morte. Ao passo que no seu honorífico sepultamento
se considera a virtude de quem, contra a intenção dos que o mataram, mesmo
depois de morto foi sepultado honorificamente; e se prefigura a devoção dos
fieis, que haviam de servir a Cristo morto.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O dito do
Evangelista, que o sepultam como costumam
os judeus sepultar, adverte,
conforme o explica Agostinho, que nesses
deveres prestados aos mortos devem-se observar os costumes de cada povo.
Ora, o costume do povo judeu era embalsamar o corpo do morto com vários aromas,
para mais diuturnamente se conservar incorrupto. Por isso ele mesmo ainda diz, que em dados os casos semelhantes, não é o
uso das coisas que é culpável, mas o deleite que nele se põe. E a seguir
acrescenta: O que de ordinário é culposo,
em relação às outras pessoas, é sinal de algo de grande quando se trata de uma
pessoa divina ou de um profeta. Quanto à mirra e ao aloés, pela sua amargura,
significam a penitência, pela qual conservamos a Cristo em nós sem a corrupção
do pecado. E o odor dos aromas simboliza a boa fama.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A mirra e o aloés
foram depositados no corpo de Cristo, para que fosse conservado imune da
corrupção, o que era pois exigido por essa necessidade. E serve-nos de exemplo,
que podemos licitamente usar de certas coisas preciosas, como remédio exigido
pela necessidade de conservar o nosso corpo. Quanto ao envolvimento do corpo só
tinha de certo modo por fim a conveniência da honestidade. E, em tais casos,
devemos contentar-nos com a simplicidade. Mas,
isso significa como adverte Jerónimo, que
aquele envolveu a Jesus num lençol asseado, que o tomou com mente pura. Daí
o dizer Beda: O costume da Igreja estabeleceu que o sacrifício do Altar fosse
celebrado sobre uma toalha, não de seda nem de pano tingido, senão de linho
puro, assim como o corpo do Senhor foi sepulto num lençol asseado.
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo foi sepultado
num jardim, para signi-ficar que pela sua morte e sepultamento somos livrados
da morte em que incorremos pelo pecado de Adão cometido no Jardim do Paraíso. -
E, depois, o Salvador foi sepultado num
sepulcro que lhe não pertencia, porque, como diz Agostinho num Sermão, morreu pela salvação dos outros; ora, o
sepulcro é o habitáculo da morte. E isso também pode nos fazer considerar a
extrema pobreza que Cristo abraçou por nós. Pois, aquele que durante a vida não
teve uma habitação, depois da morte foi ainda sepultado em sepulcro alheio,
sendo, por estar nu coberto por José. Foi
deposto num monumento novo, como adverte Jerónimo, afim de que, se outros mortos tivessem repousado no túmulo, não se
dissesse, depois da sua ressurreição, que foi outro o ressuscitado. E
também pode o sepulcro novo simbolizar o ventre virginal de Maria. E ainda nos
dá a entender que pela sepultura de Cristo todos somos renovados, destruída a
morte e a corrupção. - Foi encerrado num
sepulcro aberto numa rocha, como explica Jerónimo, a fim de que, se fosse construído com pedras destacadas, não se pudesse
dizer que lhe tiraram furtivamente o corpo por uma abertura, praticada nos
fundamentos. Por isso, a grande pedra que lhe foi aposta mostra que o sepulcro
não podia ser aberto senão com a cooperação de muitos. E também, se tivesse sido sepulto na terra poderiam
dizer: Cavaram a terra e o furtaram, como ensina Agostinho. - A significação mística do corpo de Cristo é
como diz Hilário, que os Apóstolos, para
introduzirem Cristo no coração da rude gentilidade, tiveram de abri-lo, de
certo modo, pelo esforço da doutrina, como se sulca um terreno novo e inculto,
impermeável até então ao ingresso do temor de Deus. E como nada além de Cristo
deve ter entrada em nosso coração, ao sepulcro se apôs uma pedra. - E, como
diz Orígenes, não foi fortuitamente que
se escreveu que José envolveu o corpo de Cristo num lençol asseado e o depôs
num monumento que ainda não tinha servido e que lhe apôs uma grande pedra:
porque tudo o respeitante ao corpo de Jesus é puro, novo e excepcionalmente
grande.
Nota: Revisão
da versão portuguesa por AMA.
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