Perante o mistério da
morte ficamos surpreendidos com a confusão que, por vezes, se instala no nosso
espírito.
Há uma mescla de
sentimentos, onde, naturalmente, avulta a tristeza que o sentimento de perda
provoca, mas que, surpreendentemente, não é o principal e é isto que mais nos
causa estranheza e incompreensão.
Fere-nos singularmente
algum sentimento de alívio, do terminar de um sofrimento, do arrastar de uma
situação séria, grave, por vezes dolorosa, em que a pessoa querida se vai
degradando fisicamente, perdendo gradualmente a sua autonomia até acabar
totalmente dependente para os mais elementares e simples actos fisiológicos.
E este "sentirmo-nos
feridos" quase nos envergonha porque pensamos – e bem – que não
desejávamos que essa pessoa morresse, ao mesmo tempo que não queríamos que
continuasse, assim, naquele estado de vida tão condicionada e sofredora.
Não é por essa morte ser
previsível num espaço de tempo não muito longo, que se torna menos “cortante” –
porque se trata de um corte definitivo e sem remédio -, porque, graças a uma
espécie de esperança que nunca morre, esperamos sempre estar enganados e que
uma súbita alteração das circunstâncias, mesmo sem explicação aparente – mas
que sabemos, acontece por vezes – venha alterar definitivamente a situação.
De facto, a morte, não tem
remédio absolutamente nenhum, é definitiva. É este – definitivo – que nos leva
à tal surpresa que falávamos no início.
Não estamos habituados a
que algo seja definitivo porque, a vida, a nossa própria vida tal como a dos
outros, está sempre em evolução e o hoje não é igual ao amanhã, nada se repete
tal e qual, tudo se vai transformando, evoluindo.
Vêm, depois, os outros, os
familiares, mais ou menos próximos, os amigos mais ou menos chegados,
companheiros de trabalho… e todos nos dizem mais ou menos as mesmas coisas.
Frases feitas, termos usuais nestas circunstâncias, ar contristado, pesaroso,
tentando parecer muito mais íntimos do que na verdade são.
Depois, cumpridas estas
formalidades, retiram-se para o exterior para "espairecer", fumar um
cigarro e, daí a pouco estabelece-se como que uma assembleia que conversa,
convive, troca impressões.
Sentimo-nos, talvez, como
que numa espécie de teatro um pouco requentado e com um enredo pouco ou nada
atraente.
Mas, a morte, é assim:
vida!
A vida prossegue o seu
ritmo quase normal, nos primeiros tempos em que a memória está “fresca”,
depois… só ocasionalmente nos recordamos do que aconteceu.
É muito bom que assim seja
porque nestas memórias raramente aparecem os defeitos – que com toda a certeza
a pessoa tinha – para surgirem com mais força, maior nitidez, as qualidades, os
momentos bem passados, enfim, as coisas boas da vida anterior.
Assim, a morte, vem
nivelar as relações, as memórias. Já não há nada a fazer!
Deparamo-nos finalmente
com esta sensação estranha que não tínhamos sequer imaginado pudesse surgir:
afinal, o lugar deixado vago pela morte não necessita ser preenchido donde
concluímos que cada pessoa, sendo única, é insubstituível.
Claro que a razão é muito
mais profunda que a simples constatação formal. Cada ser humano, embora podendo
ter semelhanças com outro, nunca é qual exactamente porque é fruto da obra
criadora de Deus que não faz nada ‘em série’, como numa linha de montagem. Cada
ser humano tem uma alma – a imagem do Criador impressa – exclusivamente criada
para si no momento da concepção.
Por isso mesmo, a
concepção da vida concreta, real é de suma importância para compreender e
aceitar a morte.
É, pelo menos,
interessante dar-nos conta como a consideração da morte nos leva a pensar na
vida sendo que, o contrário, não acontece.
A que propósito se iria
pensar na morte quando nos sentimos vivos e, mais, com vontade e desejo de
viver?
Não faz muito sentido,
parece e, no entanto, seria de manifesta utilidade que o fizéssemos exactamente
para termos consciência do nosso destino eterno.
O cristão tem, como
verdade de fé, que está destinado à vida eterna e, mais, que ressuscitará no
fim dos tempos em que o seu corpo se unirá à sua alma.
Como o mistério é de tal
forma complexo, grandioso, extraordinário, optamos a maior parte das vezes por
não pensar muito nisso porque ficamos, quase sempre, com a sensação que andamos
às voltas sobre um eixo que também roda sobre si mesmo sem conseguirmos chegar
a um fim, concreto, absoluto.
Aliás, é manifesto, que só
conseguimos aceitá-lo com a ajuda da nossa fé cristã.
Podemos sentir curiosidade
em imaginar o que seria o mundo se os nossos primeiros pais - Adão e Eva – não
tivessem pecado e, assim, permanecessem no estado original da criação que não
conhecia a morte.
Onde caberia tanta gente!
Se não existe fé, este
problema é insolúvel, a resposta nunca será convincente.
AMA, reflexões,
2013
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