13/11/2016

Tratado da vida de Cristo 134

Questão 49: Dos efeitos da paixão de Cristo

Art. 2 — Se pela Paixão de Cristo fomos livrados do poder do diabo.

O segundo discute-se assim. — Parece que pela Paixão de Cristo não fomos livrados do poder do diabo.

1. — Pois, não temos poder sobre outrem se não o podemos exercer sem a permissão alheia. Ora o diabo nunca pode fazer nenhum mal ao homem senão por permissão divina; Tal o caso de Job a quem lesou, por ter recebido de Deus esse poder, primeiro nos seus bens e depois no corpo. Semelhantemente, como lemos no Evangelho, os demónios não puderam entrar nos porcos senão com a permissão de Cristo. Logo, o diabo não teve nunca poder sobre os homens. E, portanto, não fomos livrados do poder do diabo, pela Paixão de Cristo.

2. Demais — O diabo exerce o seu poder sobre os homens tentando-os e vexando-os corporalmente. Ora isso eles ainda o fazem, depois da Paixão de Cristo. Logo, pela Paixão de Cristo não fomos livrados do poder do diabo.

3. Demais. — A virtude da Paixão de Cristo dura perpetuamente, segundo o Apóstolo: Com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que tem santificados. E também ela se estende a todos os lugares. Ora, a liberação do poder do diabo nem se estende a todos os lugares porque em muitas partes do mundo ainda há idólatras; nem perdurará sempre, porque no tempo do Anticristo é que o diabo sobretudo exercerá o seu poder em detrimento dos homens. Ao que se referem as palavras do Apóstolo: A vinda ao qual é segundo a obra de Satanás em todo o poder e em sinais e em prodígios mentirosos e em toda a sedução da iniquidade. Logo, parece que a Paixão de Cristo não é causa da libertação do género humano, do poder do diabo.

Mas, em contrário, o Senhor disse, na iminência da Paixão: Agora será lançado fora o príncipe deste mundo, e eu, quando for levantado da Terra, todas as coisas atrairei a mim mesmo. Ora, foi levantado da terra pela Paixão da cruz. Logo, por ela o diabo foi privado do seu poder sobre os homens.

Sobre o poder que o diabo exercia sobre os homens, antes da Paixão de Cristo, devemos fazer tríplice consideração. — A primeira relativa ao homem, que pelo seu pecado mereceu ser entregue ao poder do diabo, por cuja tentação fora vencido. — A outra relativa a Deus; a quem o homem ofendera pecando, e que na sua justiça abandonou o homem ao poder do diabo. — A terceira é relativa ao diabo, que com a sua vontade perversíssima impedia o homem de alcançar a sua salvação. Assim, pois, no tocante à primeira consideração, o homem foi libertado do poder do diabo pela Paixão de Cristo, porque a Paixão de Cristo é a causa da remissão dos pecados; como dissemos. — Quanto à segunda, a Paixão de Cristo livrou-nos do poder do diabo, por nos ter reconciliado com Deus, como depois diremos. — No tocante à terceira, a Paixão de Cristo libertou-nos do diabo; porque nela o diabo ultrapassou a medida do poder que Deus lhe conferira, maquinando a morte de Cristo, que não merecera morrer por não ter nenhum pecado. Donde o dizer Agostinho: Pela justiça de Cristo foi vencido o diabo, porque apesar de nada ter encontrado nele digno de morte, contudo o matou. E, portanto, era justo que os devedores que detinha em seu poder fossem mandados livres, crentes em Cristo, que o diabo matou, apesar de não ter nenhum débito.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Não se diz que o diabo tivesse poder tal sobre os homens que lhes pudesse fazer mal, sem a permissão de Deus, mas, que justamente lhe era permitido fazer mal aos homens, os quais, tentando-os, levou a consentir nos seus desígnios.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O diabo, ainda agora pode, com a permissão de Deus, tentar os homens na alma e vexar-lhas o corpo; contudo, foi preparado para o homem o remédio da Paixão de Cristo, com o qual pode defender-se contra os ataques do inimigo, a fim de não ser arrastado à perdição da morte eterna. E todos os que, antes da Paixão, resistiam ao diabo, assim o puderam fazer pela fé na Paixão de Cristo. Embora, não estando essa Paixão ainda consumada, de certo modo ninguém pudesse escapar às mãos do diabo, livrando-se assim de descer ao inferno; ao passo que depois da Paixão de Cristo todos podemos defender-nos contra o poder diabólico.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus permite ao diabo enganar algumas pessoas, em alguns tempos e lugares, por uma razão oculta dos seus juízos. Mas sempre, pela Paixão de Cristo está preparado para os homens o remédio para se defenderem das perversidades dos demónios, mesmo no tempo do Anticristo. E o facto de alguns descuidarem servir-se desse remédio em nada faz diminuir a eficácia da Paixão de Cristo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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