Art.
2 — Se pela Paixão de Cristo fomos livrados do poder do diabo.
O
segundo discute-se assim. — Parece que pela Paixão de Cristo não fomos livrados
do poder do diabo.
1. — Pois, não temos poder sobre outrem
se não o podemos exercer sem a permissão alheia. Ora o diabo nunca pode fazer
nenhum mal ao homem senão por permissão divina; Tal o caso de Job a quem lesou,
por ter recebido de Deus esse poder, primeiro nos seus bens e depois no corpo.
Semelhantemente, como lemos no Evangelho, os demónios não puderam entrar nos
porcos senão com a permissão de Cristo. Logo, o diabo não teve nunca poder
sobre os homens. E, portanto, não fomos livrados do poder do diabo, pela Paixão
de Cristo.
2. Demais — O diabo exerce o seu poder
sobre os homens tentando-os e vexando-os corporalmente. Ora isso eles ainda o
fazem, depois da Paixão de Cristo. Logo, pela Paixão de Cristo não fomos livrados
do poder do diabo.
3. Demais. — A virtude da Paixão de
Cristo dura perpetuamente, segundo o Apóstolo: Com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que tem santificados.
E também ela se estende a todos os lugares. Ora, a liberação do poder do diabo
nem se estende a todos os lugares porque em muitas partes do mundo ainda há
idólatras; nem perdurará sempre, porque no tempo do Anticristo é que o diabo
sobretudo exercerá o seu poder em detrimento dos homens. Ao que se referem as
palavras do Apóstolo: A vinda ao qual é
segundo a obra de Satanás em todo o poder e em sinais e em prodígios mentirosos
e em toda a sedução da iniquidade. Logo, parece que a Paixão de Cristo não
é causa da libertação do género humano, do poder do diabo.
Mas, em contrário, o Senhor disse, na
iminência da Paixão: Agora será lançado
fora o príncipe deste mundo, e eu, quando for levantado da Terra, todas as
coisas atrairei a mim mesmo. Ora, foi levantado da terra pela Paixão da
cruz. Logo, por ela o diabo foi privado do seu poder sobre os homens.
Sobre o poder que o diabo
exercia sobre os homens, antes da Paixão de Cristo, devemos fazer tríplice
consideração. — A primeira relativa ao homem, que pelo seu pecado mereceu ser
entregue ao poder do diabo, por cuja tentação fora vencido. — A outra relativa
a Deus; a quem o homem ofendera pecando, e que na sua justiça abandonou o homem
ao poder do diabo. — A terceira é relativa ao diabo, que com a sua vontade
perversíssima impedia o homem de alcançar a sua salvação. Assim, pois, no
tocante à primeira consideração, o homem foi libertado do poder do diabo pela
Paixão de Cristo, porque a Paixão de
Cristo é a causa da remissão dos pecados; como dissemos. — Quanto à
segunda, a Paixão de Cristo livrou-nos do poder do diabo, por nos ter
reconciliado com Deus, como depois diremos. — No tocante à terceira, a Paixão
de Cristo libertou-nos do diabo; porque nela o diabo ultrapassou a medida do
poder que Deus lhe conferira, maquinando a morte de Cristo, que não merecera
morrer por não ter nenhum pecado. Donde o dizer Agostinho: Pela justiça de Cristo foi vencido o diabo, porque apesar de nada ter
encontrado nele digno de morte, contudo o matou. E, portanto, era justo que
os devedores que detinha em seu poder fossem mandados livres, crentes em
Cristo, que o diabo matou, apesar de não ter nenhum débito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Não se diz que o diabo tivesse poder tal sobre os homens que lhes pudesse fazer
mal, sem a permissão de Deus, mas, que justamente lhe era permitido fazer mal
aos homens, os quais, tentando-os, levou a consentir nos seus desígnios.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O diabo, ainda
agora pode, com a permissão de Deus, tentar os homens na alma e vexar-lhas o
corpo; contudo, foi preparado para o homem o remédio da Paixão de Cristo, com o
qual pode defender-se contra os ataques do inimigo, a fim de não ser arrastado
à perdição da morte eterna. E todos os que, antes da Paixão, resistiam ao
diabo, assim o puderam fazer pela fé na Paixão de Cristo. Embora, não estando
essa Paixão ainda consumada, de certo modo ninguém pudesse escapar às mãos do
diabo, livrando-se assim de descer ao inferno; ao passo que depois da Paixão de
Cristo todos podemos defender-nos contra o poder diabólico.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus permite ao
diabo enganar algumas pessoas, em alguns tempos e lugares, por uma razão oculta
dos seus juízos. Mas sempre, pela Paixão de Cristo está preparado para os
homens o remédio para se defenderem das perversidades dos demónios, mesmo no
tempo do Anticristo. E o facto de alguns descuidarem servir-se desse remédio em
nada faz diminuir a eficácia da Paixão de Cristo.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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