Vida corrente
Interessa-me
afirmar novamente que não me refiro a um modo extraordinário de viver
cristãmente.
Que
cada um de nós medite no que Deus realizou por ele e como tem correspondido.
Se
formos valentes neste exame pessoal, perceberemos o que ainda nos falta.
Ontem
comovi-me ao saber de um catecúmeno japonês que ensinava o catecismo a outros
que ainda não conheciam Cristo.
E
envergonhava-me.
Precisamos
de mais fé, de mais fé!
E,
com a fé, a contemplação.
Recordem
com calma aquela divina advertência, que enche a alma de inquietação e, ao
mesmo tempo, Lhe traz sabores de favo de mel: redemi te, et vocavi te nomine tuo: meus es tu redimi-te e
chamei-te pelo teu nome: és meu!
Não
roubemos a Deus o que é Seu.
Um
Deus que nos amou até ao ponto de morrer por nós, que nos escolheu desde toda a
eternidade, antes da criação do mundo, para sermos santos na sua presença: e
que continuamente nos oferece ocasiões de purificação e de entrega.
Se
porventura ainda tivéssemos alguma dúvida, receberíamos outra prova dos Seus
lábios: não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi a vós, para
que possais ir longe e dar fruto; e permaneça abundante esse fruto do vosso
trabalho de almas contemplativas.
Portanto,
fé, fé sobrenatural!
Quando
a fé fraqueja, o homem tende a imaginar Deus como se estivesse longe, sem se
preocupar com os seus filhos.
Pensa
na religião como em algo de justaposto, de exterior à vida, que usa quando não
há outro remédio; espera, não se sabe porquê, manifestações aparatosas,
acontecimentos insólitos.
Quando
a fé vibra na alma, descobre-se, pelo contrário, que os passos do cristão não
se separam da sua vida humana corrente e habitual.
E
que esta santidade grande, que Deus nos exige, se encerra aqui e agora, nas
pequenas coisas de cada dia.
313
Agrada-me
falar de caminho, porque somos caminhantes, dirigimo-nos para a casa do Céu,
para a nossa Pátria.
Mas
reparemos que um caminho, mesmo que um ou outro trecho apresente dificuldades
especiais, mesmo que alguma vez nos obrigue a passar a vau um rio ou a
atravessar um pequeno bosque quase impenetrável, habitualmente é simples, sem
surpresas.
O
perigo é a rotina: supor que nisto, no que temos de fazer em cada instante, não
está Deus, porque é tão simples, tão vulgar!
Iam
os dois discípulos para Emaús.
O
seu caminhar era normal, como o de tantas outras pessoas que transitavam por
aquelas paragens.
E
aí, com naturalidade, aparece-Lhes Jesus e vai com eles, com uma conversa que
diminui a fadiga.
Imagino
a cena: já bem adiantada a tarde.
Sopra
uma brisa suave.
De
um lado e de outro, campos semeados de trigo já crescido e as velhas oliveiras
com os ramos prateados pela luz indecisa...
Jesus,
no caminho!
Senhor,
que grande és Tu sempre!
Mas
comoves-me quando te rebaixas para nos acompanhares, para nos procurares na
nossa lida diária.
Senhor,
concede-nos a ingenuidade de espírito, o olhar limpo, a mente clara, que
permitem entender-Te, quando vens sem nenhum sinal externo da Tua glória.
314
Termina
o trajecto ao chegar à aldeia e aqueles dois que - sem o saberem - tinham sido
feridos no fundo do coração pela palavra e pelo amor do Deus feito homem, têm
pena de que Ele se vá embora. Porque Jesus despede-se como quem vai para mais
longe.
Nosso
Senhor nunca se impõe.
Quer
que O chamemos livremente, desde que entrevimos a pureza do Amor que nos meteu
na alma.
Temos
de O deter à força e pedir-Lhe: fica connosco, porque é tarde e já o dia está
no ocaso, cai a noite.
Somos
assim: sempre pouco atrevidos, talvez por falta de sinceridade, talvez por
pudor.
No
fundo pensamos: fica connosco, porque as trevas nos rodeiam a alma e só Tu és
luz, só Tu podes acalmar esta ânsia que nos consome!
Porque
entre as coisas belas, honestas, não ignoramos qual é a primeira: possuir
sempre Deus.
E
Jesus fica.
Abrem-se
os nossos olhos como os de Cléofas e os do companheiro, quando Cristo parte o
pão; e, mesmo que Ele volte a desaparecer da nossa vista, também seremos
capazes de empreender de novo a marcha - anoitece - para falar d'Ele aos
outros; porque tanta alegria não cabe num só coração.
Caminho
de Emaús.
O
nosso Deus encheu este nome de doçura. E Emaús é o mundo inteiro, porque Nosso
Senhor abriu os caminhos divinos da terra.
315
Com os Santos Anjos
Peço
a Nosso Senhor que, durante a nossa permanência neste chão da terra, nunca nos
afastemos do caminhante divino.
Para
isso aumentemos também a nossa amizade com os Santos Anjos da Guarda.
Todos
necessitamos de muita companhia: companhia do Céu e da terra. Sejamos devotos
dos Santos Anjos!
A
amizade é muito humana, mas também é muito divina; tal como a nossa vida, que é
divina e humana.
Temos
presente o que diz Nosso Senhor?
Já
não vos chamo servos, mas amigos.
Ensina-nos
a ter confiança com os amigos de Deus, que já moram no Céu e com as criaturas
que convivem connosco, mesmo com as que parecem afastadas de Nosso Senhor, para
as atrair ao bom caminho.
Terminarei
repetindo com S. Paulo aos Colossenses: não cessamos de orar por vós e de pedir
a Deus que alcanceis pleno conhecimento da sua vontade, com toda a sabedoria e
inteligência espiritual, sabedoria que nasce da oração, da contemplação, da
efusão do Paráclito na alma.
A
fim de que tenhais uma conduta digna de Deus, agradando-Lhe em tudo, produzindo
frutos de toda a espécie de boas obras e crescendo na ciência de Deus;
confortados com toda a fortaleza pelo poder da sua graça, para ter sempre uma
perfeita paciência e longanimidade acompanhada de alegria; dando graças a Deus
Pai, que nos fez dignos de participar da sorte dos santos, iluminando-nos com a
sua luz; que nos arrebatou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do
seu Filho muito amado
316
Que
a Mãe de Deus e nossa Mãe nos proteja a fim de que cada um de nós possa servir
a Igreja na plenitude da fé, com os dons do Espírito Santo e com a vida
contemplativa.
Cada
um, realizando os deveres que lhe são próprios; cada um no seu ofício e
profissão e no cumprimento das obrigações do seu estado, honre o Senhor com
alegria.
Amemos
a Igreja, sirvamo-la com a alegria consciente de quem soube decidir-se a esse
serviço por Amor.
E
se virmos que alguém anda sem esperança, como os dois de Emaús, aproximemo-nos
com fé - não em nome próprio, mas em nome de Cristo - para lhe assegurarmos que
a promessa de Jesus não pode falhar, que Ele vela sempre pela sua Esposa: que
não a abandona.
Que
as trevas passarão, porque somos filhos da luz e estamos chamados a uma vida
perdurável.
E
Deus enxugará dos seus olhos todas as lágrimas, já não haverá morte, nem
pranto, nem gritos; não haverá mais dor, porque as primeiras coisas passaram.
E
disse o que estava sentado no trono: eis que renovo tudo.
E
indicou-me: escreve, porque todas estas palavras são digníssimas de fé e
verdadeiras.
E
continuou: isto é um facto.
Eu
sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim.
Àquele
que tiver sede dar-Lhe-ei de beber gratuitamente da fonte da água da vida.
Quem
vencer possuirá todas estas coisas e eu serei seu Deus e ele será meu filho.
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