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Como
o bater do coração
Enquanto falo, sei que vós, na presença de
Deus, procurais ir revendo o vosso comportamento.
Não
é verdade que a maioria dessas preocupações que têm inquietado a tua alma, dessas
faltas de paz, deriva de não teres correspondido aos convites divinos ou talvez
de estares a percorrer o caminho dos hipócritas, porque te procuravas a ti
próprio?
Com
o triste desejo de manter perante os que te rodeiam a mera aparência de uma
atitude cristã, no teu interior negavas-te a aceitar a renúncia, a mortificar
as tuas paixões tortuosas, a dares-te sem condições, abnegadamente, como Jesus
Cristo.
Reparai, nestes momentos de meditação perante
o sacrário, não vos podeis limitar a ouvir as palavras que o sacerdote
pronuncia como que materializando a oração íntima de cada um.
Apresento-te
umas considerações, indico-te uns pontos, para que os recebas activamente e
reflictas por tua conta, convertendo-os em tema de um colóquio pessoalíssimo e
silencioso entre ti e Deus, de maneira que os apliques à tua situação actual e,
com as luzes que o Senhor te der, distingas na tua conduta o que vai direito do
que vai por mau caminho, a fim de rectificares com a sua graça.
Agradece ao Senhor esse cúmulo de boas obras
que realizaste, desinteressadamente, porque podes cantar com o salmista: Ele tirou-me do abismo de miséria e do lodo
profundo. E firmou os meus pés sobre a rocha e dirigiu os meus passos.
Pede-lhe
também perdão pelas tuas omissões ou pelos teus passos em falso, quando te
meteste nesse lamentável labirinto da hipocrisia, ao afirmar que desejavas a
glória de Deus e o bem do teu próximo, mas na verdade só procuravas honras para
ti mesmo...
Sê audaz, sê generoso e diz que não, que já
não queres defraudar mais o Senhor e a humanidade.
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É a hora de recorreres à tua Mãe bendita do
Céu, para que te acolha nos seus braços e te consiga do seu Filho um olhar de
misericórdia.
E
procura depois fazer propósitos concretos: corta de uma vez, ainda que custe,
esse pormenor que estorva e que é bem conhecido de Deus e de ti.
A
soberba, a sensualidade, a falta de sentido sobrenatural aliar-se-ão para te
sussurrarem: isso?
Mas
se se trata de uma circunstância tonta, insignificante!
Tu
responde, sem dialogar mais com a tentação: entregar-me-ei também nessa
exigência divina!
E
não te faltará razão: o amor demonstra-se especialmente em coisas pequenas.
Normalmente,
os sacrifícios que o Senhor nos pede, os mais árduos, são minúsculos, mas tão
contínuos e valiosos como o bater do coração.
Quantas mães conheceste como protagonistas de
um acto heróico, extraordinário?
Poucas,
muito poucas.
E
contudo, mães heróicas, verdadeiramente heróicas, que não aparecem como figuras
de nada espectacular, que nunca serão notícia - como se diz - tu e eu
conhecemos muitas: vivem sacrificando-se a toda a hora, renunciando com alegria
aos seus gostos e passatempos pessoais, ao seu tempo, às suas possibilidades de
afirmação ou de êxito, para encher de felicidade os dias dos seus filhos.
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Tomemos outros exemplos, também da vida
corrente. S. Paulo menciona-os: todos os que combatem na arena de tudo se
abstêm, para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém esperamos uma
incorruptível.
Basta
deitar um olhar à nossa volta.
Reparai
a quantos sacrifícios se submetem de boa ou má vontade, eles e elas, para
cuidar do corpo, para defender a saúde, para conseguir a estima alheia...
Não
seremos nós capazes de nos comover perante esse imenso amor de Deus, tão mal
correspondido pela humanidade, mortificando o que tiver de ser mortificado,
para que a nossa mente e o nosso coração vivam mais pendentes do Senhor?
Alterou-se de tal forma o sentido cristão em
muitas consciências que, ao falar de mortificação e de penitência, se pensa
apenas nesses grandes jejuns e cilícios que se mencionam nos admiráveis relatos
de algumas biografias de santos.
Ao
iniciar esta meditação, aceitámos a premissa evidente de que temos de imitar
Jesus Cristo, como modelo de conduta.
É
certo que Ele preparou o começo da sua pregação retirando-se para o deserto, a
fim de jejuar durante quarenta dias e quarenta noites, mas antes e depois
praticou a virtude da temperança com tanta naturalidade, que os seus inimigos
aproveitaram para rotulá-lo caluniosamente de glutão e bebedor de vinho, amigo
dos publicanos e dos pecadores.
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Interessa-me que descubrais em toda a sua
profundidade esta simplicidade do Mestre, que não faz alarde da sua vida
penitente, porque isso mesmo te pede Ele a ti: quando jejuais, não vos mostreis tristes como os hipócritas, que
desfiguram os seus rostos para mostrar aos homens que jejuam.
Na verdade vos digo que já
receberam a sua recompensa.
Mas tu, quando jejuas, unge
a tua cabeça e lava o teu rosto, a fim de que não pareça aos homens que jejuas,
mas a teu Pai, que está presente ao que há de mais secreto, e teu Pai, que vê
no secreto, te dará a recompensa.
Assim te deves exercitar no espírito de penitência:
na presença de Deus e como um filho, como o pequenito que demonstra a seu pai
quanto o ama, renunciando aos seus poucos tesouros de escasso valor - um carro
de linhas, um soldado sem cabeça, uma carica; custa-lhe dar esse passo, mas no
fim o carinho pode mais e estende satisfeito a mão.
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Permiti-me que vos repita uma e outra vez o
caminho que Deus espera que cada um percorra, quando nos chama para o servir no
meio do mundo, para santificar e nos santificarmos através das ocupações
normais.
Com
um sentido comum colossal, ao mesmo tempo cheio de fé, pregava S. Paulo que na
lei de Moisés está escrito: não atarás a boca ao boi que debulha o grão.
E pergunta-se: Porventura preocupar-se-á Deus
com os bois?
Ou,
pelo contrário, dirá isto sobretudo por nós?
Sim,
com certeza que se escreveram estas coisas por nós; porque a esperança faz
lavrar o que lavra, e o que debulha fá-lo com esperança de participar dos
frutos.
Nunca se reduziu a vida cristã a uma trama
angustiante de obrigações, que deixa a alma submetida a uma desesperada tensão;
a vida cristã adapta-se às circunstâncias individuais como a luva à mão e pede
que no exercício das nossas tarefas habituais, nas grandes e nas pequenas, na
oração e na mortificação, não percamos nunca o ponto de vista sobrenatural.
Pensai
que Deus ama apaixonadamente as suas criaturas, e como trabalhará o burro se
não se lhe dá de comer nem dispõe de tempo para restaurar as forças ou se se
quebranta o seu vigor com excessivas pauladas?
O
teu corpo é como um burrico - um burrico foi o trono de Deus em Jerusalém - que
te carrega pelos caminhos divinos da terra: é necessário dominá-lo para que não
se afaste dos caminhos de Deus e animá-lo para que o seu trote seja o mais
alegre e brioso que se pode esperar de um jumento.
(cont)
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