Há muitos anos que sirvo em casa de
Zaqueu. Confesso que não é um trabalho muito agradável e não fora o excelente
salário há muito teria procurado outro.
Mas não só… também tenho de reconhecer
que me afeiçoei ao meu amo não só porque me trata bem, mas principalmente
porque tenho a noção que sou o único amigo – e, às vezes, confidente – que tem.
O meu amo é «chefe dos publicanos [ii]
o que não lhe granjeia grandes simpatias junto do povo pelo que tem muito poucos
amigos.
Não obstante ser «um homem rico»[iii]
e possuir uma excelente casa, onde nada falta, e uma mesa farta, vive de facto
quase isolado e só.
Claro que eu sei muito bem que todos
suspeitam que os meios de fortuna lhe vêm directamente do exercício da sua
profissão de cobrador de impostos e não só das “comissões” que os romanos lhe
pagam para os cobrar, mas também porque muitas vezes se “aproveita” de algumas
situações cobrando mais do que o devido, arrecadando para si esses dinheiros.
Talvez, até, os seus colegas lhe entreguem parte do que eles próprios também
cobram a mais.
Aconteceu, porém, que um dos seus
subordinados – um tal conhecido por Mateus – tinha subitamente abandonado a
profissão e, isto, em circunstâncias relatadas por muita gente do povo.
Claro que Mateus veio ter com o seu
chefe – o meu amo – e lhe contou o que sucedera e o levara a tal decisão de
mudar de vida.
Desde então, o meu amo nunca mais teve
sossego por causa de uma ideia fixa que se lhe instalara no espírito: tinha de
conhecer esse homem a que chamavam Jesus o Nazareno, esse mesmo que fora ”o
responsável” pela mudança de vida de Mateus que agora o seguia para onde quer
que fosse.
De facto, «procurava conhecer de vista Jesus» [iv]
porque, julgava ele, um contacto pessoal não seria possível: um judeu falar com
um publicano!!!
Um dia, no mercado da cidade próxima,
Jericó, deparei-me com uma agitação fora do comum e informaram-me que esse
Jesus ia passar por ali pelo que toda a gente se juntava no caminho à saída da
cidade para O ver e, se possível, fazer-lhe algum pedido.
Voltei a toda a pressa para casa e
informei o meu amo dizendo-lhe que ali estava a oportunidade porque tanto
ansiava.
Ele não hesitou um minuto sequer e «Correndo adiante, subiu a um sicómoro para O
ver» [v]
quando passasse por ali.
Confesso que fiquei espantado com tal
atitude e percebi-me que o seu desejo de ver Jesus era de tal forma genuíno que
não se importou com o que outros pudessem dizer por se colocar, assim,
empoleirado numa árvore, algo inesperado por parte de uma pessoa tão importante.
O cortejo que seguia Jesus
aproximava-se e, então, aconteceu uma coisa extraordinária:
Jesus parou mesmo debaixo do sicómoro
onde o meu amo se empoleirara e «levantando os olhos disse-lhe:
«Zaqueu,
desce depressa, porque convém que Eu fique hoje em tua casa» [vi].
O meu amo, radiante «desceu a toda a pressa, e recebeu-O
alegremente» [vii]
Foi um dia memorável que jamais
esquecerei.
Os dois, Jesus e Zaqueu conversaram
longamente como se fossem “velhos amigos” e era bem notória a alegria e, ao
mesmo tempo, a serenidade que o meu amo ostentava.
Não lhe importando os murmúrios que os
circunstantes deixavam escapar, as críticas e os “remoques”, pondo-se subitamente
«pé diante do Senhor, disse-Lhe: «Eis,
Senhor, que dou aos pobres metade dos meus bens e, naquilo em que tiver
defraudado alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo». [viii]
Os murmúrios cessaram de repente e as
pessoas comentavam admiradas e algo incrédulas o que acabavam de ouvir.
Mas, a verdade, é que logo que Jesus se
afastou o meu amo começou a tratar das coisas tal como tinha dito e prometido.
O que posso dizer é que o meu amo
nunca mais foi o mesmo homem; a mudança na sua vida, no seu modo de proceder
foi tal que, aos poucos muitas pessoas que – como atrás disse – evitavam qualquer
contacto, passaram a ser visitas de sua casa e, muitas vezes assisti, com pedidos
de auxílio e assistência que nunca lhes negava.
(ama, reflexões
no Ano Jubilar da Misericórdia)
[i] Lc 19
1 Tendo entrado em Jericó, atravessava a cidade. 2 Eis
que um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e rico, 3
procurava conhecer de vista Jesus, mas não podia por causa da multidão, porque
era pequeno de estatura. 4 Correndo adiante, subiu a um sicómoro
para O ver, porque havia de passar por ali. 5 Quando chegou Jesus
àquele lugar, levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque
convém que Eu fique hoje em tua casa». 6 Ele desceu a toda a pressa,
e recebeu-O alegremente. 7 Vendo isto, todos murmuravam, dizendo:
«Foi hospedar-Se em casa de um homem pecador». 8 Entretanto, Zaqueu,
de pé diante do Senhor, disse-Lhe: «Eis, Senhor, que dou aos pobres metade dos
meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém, restituir-lhe-ei o
quádruplo». 9 Jesus disse-lhe: «Hoje entrou a salvação nesta casa,
porque este também é filho de Abraão. 10 Porque o Filho do Homem
veio buscar e salvar o que estava perdido».
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas poderia ser um dos
Evangelhos “oficiais” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, aparte a
magistral descrição de um acontecimento real e conctreto na que se verificou
com Jesus Cristo no Seu incessante caminhar por terras de Israel anunciando o
Reino de Deus, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição
– características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou,
melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a
atenção e excitando os nossos sentidos.
São Josemaria
recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração,
intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [i]
É isso mesmo que me
proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido
por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos
personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.
[ii] Cfr. Lc 19, 1
[iii] Cfr. Lc 19, 1
[iv][iv] Cfr. Lc 19, 3
[v] Cfr. Lc 19, 4
[vi] Cfr. Lc 19, 5
[vii] Cfr. Lc 19, 6
[viii] Cfr. Lc 19, 8