Art.
4 — Se pela Paixão de Cristo fomos reconciliados com Deus.
O
quarto discute-se assim. — Parece que pela Paixão de Cristo não fomos
reconciliados com Deus.
1. — Pois, a reconciliação não tem lugar
entre amigos. Ora, Deus sempre nos amou, como diz a Escritura: Tu amas todas as causas que existem e não
aborreces nada de quanto fizeste. Logo, a Paixão de Cristo não nos
reconciliou com Deus.
2. Demais. — Não pode o princípio também
ser efeito; e por isso a graça, que é o princípio do mérito, não é susceptível
de mérito. Ora, o amor de Deus foi o princípio da Paixão de Cristo, segundo o
Evangelho: Assim amou Deus ao mundo que
lhe deu a seu Filho unigénito. Logo parece que pela Paixão de Cristo não
fomos reconciliados com Deus, de modo que ele então começasse a amar-nos de
novo.
3. Demais. — A Paixão de Cristo cumpriu-se
mediante os que o mataram, que assim gravemente ofenderam a Deus. Logo, a
Paixão de Cristo é antes a causa da Indignação de Deus que a da reconciliação
com ele.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Fomos reconciliados com Deus pela morte do
seu Filho.
A Paixão de Cristo é a causa
da nossa reconciliação com Deus, de dois modos. — Primeiro, porque remove o
pecado pelo qual os homens são constituídos inimigos de Deus, segundo a
Escritura: Deus igualmente aborreceu ao
ímpio e a sua impiedade. E noutro lugar: Aborreces a todos os que obram a iniquidade. - De outro modo, como
sacrifício muito aceite por Deus. Pois, o efeito próprio do sacrifício é
aplacar Deus; assim como perdoamos a ofensa cometida contra nós quando
recebemos um serviço que nos é prestado. Donde o dizer a Escritura: Se o Senhor te incita contra mim, receba
ele o cheiro do sacrifício. Semelhantemente, o ter Cristo sofrido
voluntariamente foi um bem tão grande, que em razão desse bem descoberto na
natureza humana, Deus se aplacou no tocante a qualquer ofensa do género humano,
contanto que o homem se una com a Paixão de Cristo, do modo referido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Deus ama em todos os homens a natureza que ele mesmo fez. Odeia-os, porém por
causa da culpa que contra ele cometeram, segundo a Escritura: Aborrece o Altíssimo aos pecadores.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não se diz que a
Paixão de Cristo nos reconciliou com Deus porque de novo nos começasse a amar,
pois está na Escritura: Com amor eterno
te amei. Mas porque a Paixão de Cristo eliminou a causa do ódio, quer por
ter delido o pecado, quer pela compensação de um bem mais aceitável.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como os
imoladores de Cristo foram homens, assim também Cristo, o morto, era homem. Mas
foi maior a caridade de Cristo padecente que a iniquidade dos que o mataram.
Por isso a Paixão de Cristo foi mais valiosa para reconciliar Deus com todo o
género humano do que para lhe provocar as iras.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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