Leitura Espiritual
Cristo que passa |
São Josemaria Escrivá
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Sementeira de paz e de
alegria
Que fazer?
Dizia-vos que não procurei
descrever crises sociais ou políticas, derrocadas ou doenças culturais.
Centrado sobre a fé
cristã, tenho-me referindo ao mal no sentido preciso da ofensa a Deus.
O apostolado cristão não é
um programa político, nem uma alternativa cultural: significa a difusão do bem,
o contágio do desejo de amar, uma sementeira concreta de paz e de alegria.
Desse apostolado, sem
dúvida, derivarão benefícios espirituais para todos: mais justiça, mais
compreensão, mais respeito do homem pelo homem.
Há muitas almas à nossa
volta, e não temos o direito de sermos obstáculo para o seu bem eterno.
Estamos obrigados a ser
plenamente cristãos, a ser santos, a não defraudar Deus nem todas as pessoas
que esperam do cristão o exemplo, a doutrina.
O nosso apostolado tem de
basear-se na compreensão.
Insisto novamente: a
caridade, mais do que em dar, está em compreender.
Não vos escondo como
aprendi, na minha própria carne, o que custa não ser compreendido.
Esforcei-me sempre por
fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me entender: eis outra
razão, prática e viva, para que eu deseje compreender a todos.
Mas não é um impulso
circunstancial que há-de obrigar-nos a ter esse coração amplo, universal,
católico.
O espírito de compreensão
é expressão da caridade cristã do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que
estejamos presentes em todos os caminhos rectos da terra, para estender a
semente da fraternidade - não do joio -, da desculpa, do perdão, da caridade,
da paz.
Nunca vos sintais inimigos
de ninguém.
O cristão há-de mostrar-se
sempre disposto a conviver com todos, a dar a todos - pela maneira de lidar com
os outros - a possibilidade de se aproximarem de Cristo Jesus.
Há-de sacrificar-se
gostosamente por todos, sem distinções, sem dividir as almas em departamentos
estanques, sem lhes pôr etiquetas como se fossem mercadorias ou insectos
dissecados.
O cristão não pode
separar-se dos outros, porque a sua vida seria miserável e egoísta: deve
fazer-se tudo para todos, para salvar a todos.
Se vivêssemos assim, se
soubéssemos impregnar a nossa conduta com esta sementeira de generosidade, com
este desejo de convivência, de paz, fomentar-se-ia a legítima independência
pessoal dos homens, cada um assumiria a sua responsabilidade e responderia
pelos afazeres que lhe competem nos trabalhos temporais.
Além disso, o cristão
saberia defender, em primeiro lugar, a liberdade alheia, para poder depois
defender a sua própria; teria a caridade de aceitar os outros como são - porque
cada um, sem excepção, traz consigo misérias e comete erros -, ajudando-os com
a graça de Deus e com delicadeza humana a superar o mal, a arrancar o joio, a
fim de que todos possamos ajudar-nos mutuamente e conduzir com dignidade a
nossa condição de homens e de cristãos.
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A vida futura
A tarefa apostólica que
Cristo atribuiu a todos os seus discípulos produz, portanto, resultados
concretos no âmbito social.
Não é admissível pensar
que, para se ser cristão, seja preciso voltar as costas ao mundo, ser um derrotista
da natureza humana. Tudo, até o mais pequeno dos acontecimentos honestos,
encerra um sentido humano e divino.
Cristo, perfeito homem,
não veio destruir o que é humano, mas enobrecê-lo, assumindo a nossa natureza
humana, excepto o pecado. Veio compartilhar todos os anseios do homem, menos a
triste aventura do mal.
O cristão deve
encontrar-se sempre disposto a santificar a sociedade a partir de dentro,
estando plenamente no mundo, mas não sendo do mundo naquilo que ele tem - não
por característica real, mas por defeito voluntário, pelo pecado - de negação
de Deus, de oposição à Sua amável Vontade salvífica.
A festa da Ascensão do
Senhor sugere-nos também outra realidade: o Cristo que nos anima a esta tarefa
no mundo espera-nos no Céu. Por outras palavras: a vida na terra, que amamos,
não é a definitiva: porque não temos aqui cidade permanente, mas andamos em
busca da futura cidade imutável.
Procuremos, no entanto,
não interpretar a Palavra de Deus nos limites de horizontes estreitos.
O Senhor não nos impele a
sermos infelizes enquanto caminhamos, esperando só a consolação no além. Deus
quer-nos felizes também aqui, embora anelando o cumprimento definitivo dessa
outra felicidade, que só Ele pode preencher completa e abundantemente.
Nesta terra, a contemplação
das realidades sobrenaturais, a acção da graça nas nossas almas, o amor ao
próximo como fruto saboroso do amor a Deus, supõem já uma antecipação do Céu,
um começo destinado a crescer dia a dia.
Nós, cristãos, não
suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte, na
qual se fundamentam e compenetram todas ás nossas acções.
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Cristo espera-nos.
Vivemos já como cidadãos
do céu sendo plenamente cidadãos da Terra, no meio de dificuldades, de
injustiças, de incompreensões, mas também no meio da alegria e da serenidade
que dá saber-se filho amado de Deus.
Perseveremos no serviço do
nosso Deus e veremos como aumenta em número e em santidade este exército
cristão de paz, este povo de corredenção.
Sejamos almas
contemplativas, com um diálogo constante, convivendo com o Senhor a toda a
hora: desde o primeiro pensamento do dia ao último da noite, pondo continuamente
o nosso coração em Jesus Cristo Senhor Nosso, chegando até junto d'Ele por
intermédio da Nossa Mãe Santa Maria e, por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.
Se, apesar de tudo, a
subida de Jesus aos Céus nos deixa na alma um amargo rasto de tristeza,
acudamos a sua Mãe como fizeram os apóstolos: então, voltaram a Jerusalém... e
oravam unanimemente... com Maria, a Mãe de Jesus.
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Os Actos dos Apóstolos, ao
narrarem-nos os acontecimentos daquele dia de Pentecostes em que o Espírito
Santo desceu em forma de línguas de fogo sobre os discípulos de Nosso Senhor,
levam-nos a assistir à grande manifestação do poder de Deus com que a Igreja
iniciou a sua caminhada por entre as nações.
A vitória que Cristo obtivera sobre a morte e
sobre o pecado - com a sua obediência, a sua imolação na Cruz e a sua
Ressurreição - revelou-se então em todo o seu esplendor divino.
Os discípulos, que já
tinham sido testemunhas da glória do Ressuscitado, experimentaram em si a força
do Espírito Santo: as suas inteligências e os seus corações abriram-se a uma
nova luz.
Tinham seguido Cristo e
recebido com fé a sua doutrina; mas nem sempre conseguiam penetrar totalmente
no sentido desta.
Era necessário que viesse
o Espírito de Verdade para lhes fazer compreender todas as coisas.
Sabiam que só em Jesus
podiam encontrar palavras de vida eterna e estavam dispostos a segui-Lo e a dar
a vida por Ele; mas eram fracos e, quando chegou a hora da provação, fugiram,
deixaram-nO só.
No dia de Pentecostes tudo
isso passou: o Espírito Santo, que é espírito de fortaleza, tornou-os firmes,
seguros, audazes.
A palavra dos Apóstolos
ressoa então, forte e vibrante, pelas ruas e praças de Jerusalém.
Os homens e as mulheres
vindos das mais diversas regiões, que naqueles dias povoam a cidade, escutam
assombrados.
Partos, medos e elamitas,
e os que habitam a Mesopotâmia, a Judeia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a
Frígia e a Panfília, o Egipto e várias partes da Líbia que é vizinha de Cirene,
e os que vieram de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes,
todos os ouvimos falar, nas nossas próprias línguas, das maravilhas de Deus.
Estes prodígios, que se
realizam diante dos seus olhos, levam-nos a prestar atenção à pregação apostólica.
O mesmo Espírito Santo,
que actua nos discípulos do Senhor, tocou-lhes também nos corações e
conduziu-os à Fé.
Conta-nos S. Lucas que,
depois de S. Pedro ter falado, proclamando a Ressurreição de Cristo, muitos dos
que o rodeavam se aproximaram, perguntando: que
havemos de fazer, irmãos?
E o Apóstolo
respondeu-lhes: Fazei penitência, e cada
um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos
pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo.
E o texto sagrado termina
dizendo-nos que nesse dia se incorporaram na Igreja cerca de três mil pessoas.
A vinda solene do Espírito
Santo no dia de Pentecostes não foi um acontecimento isolado.
Quase não há uma página
dos Actos dos Apóstolos em que se não fale d'Ele e da acção pela qual guia,
dirige e anima a vida e as obras da primitiva comunidade cristã.
É Ele que inspira a
pregação de S. Pedro, que confirma na fé os discípulos, que sela com a sua
presença o chamamento dirigido aos gentios e, que envia Saulo e Barnabé para
terras distantes, a fim de abrirem novos caminhos à doutrina de Jesus.
Numa palavra, a sua
presença e a sua actuação dominam tudo.
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O renascimento baptismal
Esta realidade profunda
que o texto da Sagrada Escritura nos dá a conhecer não é uma simples recordação
do passado, de uma espécie de idade de ouro da Igreja, perdida na História.
Por cima das misérias e
dos pecados de cada um de nós, continua a ser a realidade da Igreja de hoje e
da Igreja de todos os tempos.
Eu rogarei ao Pai -
anunciou o Senhor aos seus discípulos - e Ele vos dará outro Consolador, para
que fique convosco eternamente.
Jesus cumpriu as suas
promessas: ressuscitou, subiu aos Céus e, em união com o Eterno Pai, envia-nos
o Espírito Santo para nos santificar e nos dar a vida.
A força e o poder de Deus
iluminam a face da Terra.
O Espírito Santo continua
a assistir à Igreja de Cristo, para que ela seja - sempre e em tudo - sinal
erguido diante das nações, anunciando à Humanidade a benevolência e o amor de
Deus.
Por maiores que sejam as
nossas limitações, nós, homens, podemos olhar com confiança para os Céus e
sentir-nos cheios de alegria: Deus ama-nos e liberta-nos dos nossos pecados.
A presença e a acção do
Espírito Santo na Igreja são o penhor e a antecipação da felicidade eterna,
dessa alegria e dessa paz que Deus nos prepara.
Também nós, tal como
aqueles primeiros que se aproximaram de S. Pedro no dia de Pentecostes, fomos
baptizados.
No baptismo, o Nosso Pai, Deus, tomou posse
das nossas vidas, incorporou-nos na vida de Cristo e enviou-nos o Espírito
Santo.
O Senhor, diz-nos a
Sagrada Escritura, salvou-nos fazendo-nos renascer pelo baptismo, renovando-nos
pelo Espírito Santo, que Ele difundiu sobre nós abundantemente por Jesus
Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados pela sua graça, sejamos
herdeiros da vida eterna, segundo a esperança.
A experiência da nossa
debilidade e das nossas faltas, a desedificação que pode produzir o espectáculo
doloroso da pequenez ou mesmo mesquinhez de alguns que se chamam cristãos, o
aparente fracasso ou a desorientação de algumas iniciativas apostólicas, tudo
isso - a comprovação da realidade do pecado e das limitações humanas - pode
constituir, no entanto, uma provação para a nossa fé e fazer com que se
insinuem em nós a tentação e a dúvida: onde estão a força e o poder de Deus?
É o momento de reagirmos,
de pormos em prática da maneira mais pura e firme a nossa esperança e,
portanto, de procurarmos ser mais firme na nossa fidelidade.
(cont)
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