Amigos de Deus |
São Josemaria Escrivá
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Se consentires que Deus seja o senhor da tua
nave, que Ele seja o amo, que segurança!..., mesmo quando a tempestade se
levanta no meio das trevas mais escuras e parece que Ele se ausenta, que está a
dormir, que não se preocupa.
S. Marcos relata que os Apóstolos se
encontravam nessas circunstâncias; e Jesus, vendo-os cansados de remar (porque
o vento lhes era contrário), cerca da quarta vigília da noite foi ter com eles,
andando sobre o mar...
Tende
confiança, sou eu, não temais.
E
subiu para a barca, para junto deles e cessou o vento.
Meus filhos, acontecem tantas coisas na
terra...!
Podia pôr-me a falar de penas, de
sofrimentos, de maus tratos, de martírios - não tiro nem uma letra -, do
heroísmo de muitas almas.
Aos
nossos olhos, na nossa inteligência, surge às vezes a impressão de que Jesus
dorme, de que não nos ouve; mas S. Lucas narra como Nosso Senhor se comporta
com os seus:
Enquanto
iam navegando, Jesus adormeceu e levantou-se uma tempestade de vento sobre o
lago e a barca enchia-se de água e estavam em perigo.
Aproximando-se
dele, despertaram-no dizendo: Mestre, nós perecemos!
Ele,
levantando-se, increpou o vento e as ondas, que acalmaram e veio a bonança.
Então
disse-lhes: onde está a vossa fé?
Se nos dermos, Ele dá-se-nos.
Temos
de confiar plenamente no Mestre, temos de nos abandonar nas suas mãos sem
mesquinhez; de lhe manifestar, com as nossas obras, que a barca é dele, que
queremos que disponha à vontade de tudo o que nos pertence.
Termino, recorrendo à intercessão de Santa
Maria, com estes propósitos: viver de fé; perseverar com esperança; permanecer
unidos a Jesus Cristo, amá-lo de verdade, de verdade, de verdade; percorrer e
saborear a nossa aventura de Amor, pois estamos apaixonados por Deus; deixar
que Cristo entre na nossa pobre barca e tome posse da nossa alma como Dono e
Senhor; manifestar-lhe com sinceridade que havemos de nos esforçar por nos
mantermos sempre na sua presença, de dia e de noite, porque Ele nos chamou à
fé: ecce ego quia vocasti me! e que
vimos ao seu redil atraídos pela sua voz e pelos seus assobios de Bom Pastor,
com a certeza de que só à sua sombra encontraremos a verdadeira felicidade
temporal e eterna.
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Tenho recordado com frequência aquela cena
comovedora que o Evangelho nos relata: Jesus está na barca de Pedro, de onde
tinha falado ao povo.
Essa
multidão que o seguia moveu o afã de almas que consome o seu Coração e o Divino
Mestre quer que os discípulos participem quanto antes desse zelo. Depois de
lhes dizer que se façam ao largo - duc in
altum! - sugere a Pedro que lance as redes para pescar.
Não me vou demorar agora nos pormenores, tão
instrutivos, desses momentos.
Desejo
que consideremos a reacção do Príncipe dos Apóstolos perante o milagre:
afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador. É uma verdade - disso não
tenho dúvidas - que se ajusta perfeitamente à situação pessoal de todos.
No
entanto, asseguro-vos que, ao tropeçar durante a minha vida com tantos
prodígios da graça, realizados através de mãos humanas, tenho-me sentido
inclinado, diariamente cada vez mais inclinado, a gritar: Senhor, não te
afastes de mim, pois sem Ti não posso fazer nada de bom.
Precisamente por isso, percebo muito bem
aquelas palavras do Bispo de Hipona, que soam como um cântico maravilhoso à
liberdade: Deus, que te criou sem ti, não
te salvará sem ti, porque cada um de nós, tu, eu, temos sempre a possibilidade
- a triste desventura - de nos levantarmos contra Deus, de rejeitá-lo - talvez
só com a nossa conduta - ou de exclamar: não queremos que reine sobre nós.
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Escolher
a vida
Agradecidos por nos apercebermos da
felicidade a que estamos chamados, aprendemos que todas as criaturas foram
tiradas do nada por Deus e para Deus: as racionais, os homens, apesar de tão
frequentemente perdermos a razão; e as irracionais, as que percorrem a superfície
da terra, ou habitam as entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas
delas até fitarem o Sol. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, só nós,
homens -não falo aqui dos anjos - nos unimos ao Criador pelo exercício da nossa
liberdade, podendo prestar ou negar a Nosso Senhor a glória que lhe corresponde
como Autor de tudo o que existe.
Essa possibilidade é a principal componente
do claro-escuro da liberdade humana.
Nosso
Senhor convida-nos e anima-nos a escolher o bem, porque nos ama profundamente.
Considera
que ponho hoje diante de ti, dum lado, a vida e o bem, do outro, a morte e o
mal.
Recomendo-te
que ames o Senhor teu Deus, que andes nos seus caminhos, que guardes os seus
preceitos, as suas leis e os seus decretos.
Se
assim fizeres, viverás...
Escolhe,
pois, a vida para que vivas.
Queres pensar - pela minha parte também farei
o meu exame - se manténs imutável e firme a tua escolha da Vida?
Se, ao ouvires essa voz de Deus,
amabilíssima, que te estimula à santidade, respondes livremente que sim?
Dirijamos o olhar para o nosso Jesus, quando
falava às multidões pelas cidades e campos da Palestina.
Não
pretende impor-se.
Se
queres ser perfeito..., diz ao jovem rico.
Aquele
rapaz rejeitou o convite e o Evangelho conta que abiit tristis , que se retirou entristecido.
Por
isso, alguma vez lhe chamei a ave triste: perdeu a alegria, porque se negou a
entregar a liberdade a Deus.
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Consideremos agora o momento sublime em que o
Arcanjo São Gabriel anuncia a Santa Maria o desígnio do Altíssimo.
A nossa Mãe ouve e interroga para compreender
melhor aquilo que Nosso Senhor lhe pede; depois, surge a resposta firme: Fiat! - faça-se em mim segundo a tua
palavra! -, o fruto da melhor liberdade: a de se decidir por Deus.
Em todos os mistérios da nossa fé católica
paira esse cântico à liberdade.
A Santíssima Trindade tira do nada o mundo e
o homem, num livre esbanjamento de amor.
O
Verbo desce do Céu e assume a nossa carne com este selo maravilhoso da
liberdade na submissão: eis que venho, segundo está escrito de mim no princípio
do livro, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Quando chega a hora marcada por
Deus para salvar a humanidade da escravidão do pecado, contemplamos Jesus
Cristo em Getsémani, sofrendo terrivelmente até derramar um suor de sangue e
aceitando rendida e espontaneamente o sacrifício que o Pai lhe reclama: como
cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda diante dos tosquiadores.
Já
o tinha anunciado aos seus, numa daquelas conversas em que abria o Coração, com
a finalidade de que aqueles que o amam conheçam que Ele é o Caminho - não há
outro - para se aproximarem do Pai: por isso o meu Pai me ama, porque dou a
minha vida para outra vez a assumir. Ninguém ma tira, mas Eu é que a dou por
minha própria vontade e tenho o poder de a dar e o poder de a recobrar.
(cont)
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