Leitura Espiritual
Cristo que passa |
São Josemaria Escrivá
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Evocámos há pouco o
episódio de Naim.
Poderíamos citar ainda
outros, porque os Evangelhos estão cheios de cenas semelhantes.
Esses relatos sempre
comoveram e hão-de continuar a comover os corações dos homens.
Efectivamente, não incluem
apenas o gesto sincero de um homem que se compadece dos seus semelhantes: são,
essencialmente, a revelação da imensa caridade do Senhor.
O Coração de Jesus é o
Coração de Deus Encarnado, do Emanuel - Deus connosco.
A Igreja, unida a Crista,
nasce de um Coração ferido.
É desse Coração, aberto de
par em par, que a vida nos é transmitida. Como não recordar aqui, embora de
passagem, os sacramentos através dos quais Deus opera em nós e nos faz
participantes da força redentora de Cristo?
Como não recordar com
particular gratidão o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, o Santo Sacrifício
do Calvário e a sua constante renovação incruenta na nossa Missa?
É Jesus, que Se nos
entrega como alimento; porque Jesus vem até nós, tudo muda e no nosso ser
manifestam-se forças - a ajuda do Espírito Santo - que enchem a alma, que
formam as nossas acções, o nosso modo de pensar e de sentir.
O coração de Cristo é paz
para o cristão.
O fundamento da entrega
que o Senhor nos pede não está só nos nossos desejos e nas nossas forças,
tantas vezes limitados e impotentes: apoia-se, antes de tudo, nas graças que
conquistou para nós o amor do Coração de Deus feito Homem.
Por isso, podemos e
devemos perseverar na nossa vida interior de filhos do Pai que está nos Céus,
sem darmos acolhimento ao desânimo e à desesperança.
Gosto de mostrar como o
cristão, na sua existência habitual e corrente, nos mais simples pormenores,
nas circunstâncias normais do seu dia-a-dia, exercita a Fé, a Esperança e a
Caridade, porque aí é que reside a essência da conduta de uma alma que conta
com o auxílio divino e que, na prática dessas virtudes teologais, encontra a
alegria, a força e a serenidade.
São estes os frutos da paz
de Cristo, da paz que nos veio trazer o seu Coração Sagrado.
Porque - digamo-lo mais
uma vez - o amor de Jesus pelos homens é uma das profundidades insondáveis do
mistério divino, do amor do Filho ao Pai e ao Espírito Santo.
O Espírito Santo, laço de
amor entre o Pai e o Filho, encontra no Verbo um coração humano.
Não é possível falar
destas realidades centrais da nossa fé sem darmos pela limitação da nossa
inteligência diante das grandezas da Revelação.
No entanto, embora a nossa
razão se encha de pasmo, cremos nelas com humildade e firmeza.
Sabemos, apoiados no
testemunho de Cristo, que essas realidades são assim mesmo.
Que o Amor, no seio da
Trindade, se derrama sobre todos os homens por intermédio do amor do Coração de
Jesus.
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Viver no Coração de Jesus,
unir-nos a Ele estreitamente é, portanto, convertermo-nos em morada de Deus.
Aquele que Me ama será
amado pelo meu Pai, anunciou o Senhor. E Cristo e o Pai, no Espírito Santo, vêm
à alma e fazem nela a sua morada.
Quando compreendemos -
ainda que seja só um poucochinho - estas verdades fundamentais, a nossa maneira
de ser transforma-se.
Passamos a ter fome de
Deus e fazemos nossas as palavras do Salmo: Meu
Deus, eu Te procuro solícito; sedenta de Ti está a minha alma; a minha carne
deseja-Te, como terra árida, sem água.
E Jesus, que suscitou as
nossas ansiedades, vem ao nosso encontro e diz-nos: se alguém tem sede, venha a
Mim e beba.
E oferece-nos o seu
Coração, para encontrarmos nele o nosso repouso e a nossa fortaleza.
Se aceitarmos o seu
chamamento, veremos como as suas palavras são verdadeiras, e aumentará a nossa
fome e a nossa sede, até desejarmos que Deus estabeleça no nosso coração o
lugar do seu repouso e não afaste de nós o seu calor e a sua luz.
Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur?, vim trazer fogo à
Terra, e que quero eu senão que se acenda?
Já que nos aproximámos um
bocadinho do fogo do Amor de Deus, deixemos que o seu impulso mova as nossas
vidas, sintamos o entusiasmo de levar o fogo divino de um extremo ao outro do
mundo, de o dar a conhecer àqueles que nos rodeiam - para que também eles
conheçam a paz de Cristo e, com ela, encontrem a felicidade.
Um cristão que viva unido
ao Coração de Jesus não pode ter outros objectivos senão estes: a paz na
sociedade, a paz na Igreja, a paz na própria alma, a paz de Deus, que se
consumará quando vier a nós o seu Reino.
Maria, Regina pacis, Rainha da Paz, porque
tiveste fé e acreditaste que se cumpriria o anúncio do Anjo, ajuda-nos a
aumentar a Fé, a sermos firmes na Esperança, a aprofundar o Amor.
Porque é isso que quer
hoje de nós o teu Filho, ao mostrar-nos o seu Sacratíssimo Coração.
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Assumpta est Maria, in coelum, gaudent
angeli.
Maria foi levada por Deus,
em corpo e alma, para os Céus.
Há alegria entre os anjos
e os homens.
Qual a razão desta
satisfação íntima que descobrimos hoje, com o coração que parece querer saltar
dentro do peito e a alma cheia de paz?
Celebramos a glorificação
da nossa Mãe e é natural que nós, seus filhos, sintamos um júbilo especial ao
ver como é honrada pela Trindade Beatíssima.
Cristo, seu Filho
Santíssimo, nosso irmão, deu-no-la por Mãe no Calvário, quando disse a S. João:
eis aqui a tua Mãe.
E nós recebêmo-la, com o
discípulo amado, naquele momento de imenso desconsolo.
Santa Maria acolheu-nos na
dor, quando se cumpriu a antiga profecia: e uma espada trespassará a tua alma.
Todos somos seus filhos;
ela é Mãe de toda a Humanidade.
E agora, a Humanidade
comemora a sua inefável Assunção: Maria sobe aos céus, Filha de Deus Pai, Mãe
de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo. Mais do que Ela, só Deus.
O mistério do amor
Mistério de amor é este.
A razão humana não
consegue compreendê-lo.
Só a fé pode explicar como
é que uma criatura foi elevada a tão grande dignidade, até se tornar o centro
amoroso em que convergem as complacências da Trindade.
Sabemos que é um segredo
divino. Mas, por se tratar da nossa Mãe, sentimo-nos capazes de o compreender
melhor - se é possível falar assim - do que outras verdades da fé.
Como nos teríamos
comportado se tivéssemos podido escolher a nossa mãe?
Julgo que teríamos
escolhido a que temos, enchendo-a de todas as graças.
Foi o que Cristo fez, pois
sendo Omnipotente, Sapientíssimo e o próprio Amor, seu poder realizou todo o
seu querer.
Vede como os cristãos
descobriram, há já bastante tempo, este raciocínio: convinha - escreve S. João Damasceno - que aquela que no parto tinha conservado íntegra a sua virgindade,
conservasse depois da morte o seu corpo sem corrupção alguma. Convinha que aquela que tinha trazido no seu
seio o Criador feito menino, habitasse na morada divina. Convinha que a Esposa
de Deus entrasse na casa celestial. Convinha que aquela que tinha visto o seu
Filho na Cruz, recebendo assim no seu coração a dor de que tinha sido isenta no
parto, o contemplasse sentado à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus
possuísse o que corresponde a seu Filho, e que fosse honrada como Mãe e Escrava
de Deus por todas as criaturas.
Os teólogos formularam com
frequência um argumento semelhante, tentando compreender de algum modo o
significado desse cúmulo de graças de que Maria se encontra revestida, e que culmina
com a Assunção aos Céus.
Dizem convinha; Deus podia
fazê-lo; e por isso o fez.
É a explicação mais clara
das razões que levaram Cristo a conceder a sua Mãe todos os privilégios, desde
o primeiro instante da sua Imaculada Conceição.
Ficou livre do poder de
Satanás; é formosa - tota pulchra! -
limpa, pura na alma e no corpo.
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O mistério do sacrifício
silencioso
Mas reparai: se Deus quis,
por um lado exaltar a sua Mãe, por outro, durante a sua vida terrena, não foram
poupados a Maria a experiência da dor, nem o cansaço do trabalho, nem o
claro-escuro da fé. Àquela mulher do povo, que, certo dia, irrompe em louvores
a Jesus, exclamando Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que
foste amamentado, o Senhor responde: Antes
bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a põem em prática.
Era o elogio da sua Mãe,
do seu fiat, do faça-se, sincero,
entregue, cumprido até às últimas consequências, que não se manifestou em
acções aparatosas, mas no sacrifício escondido e silencioso de cada dia.
Ao meditar nestas
verdades, percebemos um pouco mais a lógica de Deus.
Compreendemos que o valor
sobrenatural da nossa vida não depende de que se tornem realidade as grandes
façanhas que por vezes forjamos com a imaginação, mas da aceitação fiel da
vontade divina, da disposição generosa nos pequenos sacrifícios diários,
Para sermos divinos, para
nos "endeusarmos", temos de começar por ser muito humanos, vivendo
face a Deus dentro da nossa condição de homens correntes, santificando esta
aparente pequenez.
Assim viveu Maria.
A cheia de graça, a que é
objecto das complacências de Deus, a que está acima dos anjos e dos santos teve
uma existência normal.
Maria é uma criatura como
nós, com um coração como o nosso, capaz de gozo e de alegrias, de sofrimento e
de lágrimas.
Antes de Gabriel lhe
comunicar o querer de Deus, não sabe que tinha sido escolhida desde toda a
eternidade para ser Mãe do Messias. Considera-se a si mesma cheia de baixeza;
por isso, reconhece logo, com profunda humildade, que fez em mim grandes coisas
Aquele que é Todo-poderoso.
A pureza, a humildade e a
generosidade de Maria contrastam com a nossa miséria, com o nosso egoísmo.
É razoável que, depois de
nos apercebermos disso, nos sintamos movidos a imitá-la.
Somos criaturas de Deus,
como Ela, e basta que nos esforcemos por ser fiéis para que também em nós o
Senhor faça grandes coisas.
Não será obstáculo a nossa
pequenez, porque Deus escolhe o que vale pouco, para que assim brilhe melhor a
potência do seu amor.
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