Próximos do próximo
Não
vou revelar o meu nome, direi apenas que sou um dos servos que constatou a tristíssima
cena daquele nosso compatriota apertando o pescoço a um outro que lhe devia uma
quantia que, depois vim a saber, somava cerca de cem denários.
Não
revelo o meu nome porque, confesso, tenho receio daquele sujeito, homem de “maus
fígados” que toda a gente sabe é um usurário que “explora” as necessidades dos
outros revelando-se um intransigente sem dó nem piedade, exigindo por qualquer
meio a devolução do emprestado aos que tiveram a desdita de lhe caírem nas “garras”.
Mas,
todos sabíamos que esse dinheiro que emprestava a elevados juros vinha directamente
das mãos do nosso Senhor e Rei que nunca recusava nada a quem a ele recorria.
Espantava-nos
como podia continuar a emprestar-lhe enormes quantias que – todos o sabíamos –
atingiam um valor absurdamente grande, sem exigir que prestasse contas como
seria de esperar.
Mas,
finalmente chegou o dia em que o nosso Senhor e Rei se inteirou da situação e
resolveu chamá-lo à sua presença.
Estávamos
todos naturalmente suspensos do que se iria passar e ficamos cá fora no átrio
do palácio à espera do desfecho.
Para
nosso espanto, o homem sai do palácio com um sorriso rasgado no rosto como que
animado de grande contentamento para, logo depois, completamente alterado o
semblante e a atitude, proceder como a princípio relatei.
Que
se teria passado?
Logo
tudo se esclareceu porque imediatamente surgiu no cimo da escadaria o escrivão
do Rei levantando os braços ao céu e mostrando toda uma surpresa e
descontentamento que não pudemos ignorar.
Então
contou-nos o que se passara:
Em
resumo disse que depois de o Rei lhe ter exigido que pagasse quanto lhe devia e
tendo obtido como resposta que não o podia fazer, que lhe desse um pouco mais
de tempo… prometendo pagar logo que possível, o nosso excelente Rei que o
ameaçara com a prisão e a venda de todos os seus bens incluindo a mulher e os
filhos, encheu-se de compaixão e simplesmente mandou-o embora perdoando-lhe
toda a enorme dívida.
Ficámos,
naturalmente, espantados com a atitude do nosso Senhor que, embora conhecendo a
sua bondade para com os seus súbditos, perdoava assim – sem mais nem menos –
uma quantia exorbitante.
Evidentemente
que o Rei pode fazer com o seu dinheiro o que muito bem entender e só nos
competia dar graças por tão excelente Senhor.
Mas
sabíamos que sendo extremamente generoso era, também, absolutamente justo e
que, seguramente, e deveria ficara saber que o servo a quem perdoara tão grande
dívida acabava de praticar um acto exactamente oposto para com um colega e, por
isso mesmo, fomos – todos - à sua presença contar o que se passara.
Note-se
que não fomos apresentar uma “queixa” mas tão só procedemos como achávamos que
era de absolutamente correcto fazer.
Caberia
ao nosso Rei e Senhor julgar conforme o seu superior critério.
(ama,
reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia – 6)
[i]
Mt 18, 21-35
21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes
poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22
Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes
sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis
fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as
contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25
Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a
mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26
Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo,
eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo,
deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo
saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e,
lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O
companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu
te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão,
até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo
isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha
acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu
perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu
também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34
E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35
«Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do
seu coração ao seu irmão»
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Mateus também poderia ser o
Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, a parábola
proferida por Jesus Cristo, põe-nos perante um autêntico quadro ou, melhor,
perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e
excitando os nossos sentidos.
São Josemaria
recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração,
intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [i]
É isso mesmo que me
proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido
por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos
personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.
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