Leitura EspiritualAmar a Igreja |
São Josemaria Escrivá
1
Os
textos da liturgia deste Domingo formam uma cadeia de invocações ao Senhor.
Dizemos-Lhe
que é o nosso apoio, a nossa rocha, a nossa defesa. A oração recolhe também
esse motivo do intróito: Tu nunca privas da tua luz aqueles que se estabelecem
na solidez do teu amor
No
gradual, continuamos a recorrer a Ele: nos momentos de angústia invoquei-Te,
Senhor... Livra, ó Senhor, a minha alma dos lábios mentirosos e das línguas que
enganam.
Senhor
refugio-me em Ti.
É
comovente esta insistência de Deus, nosso Pai, empenhado em recordar-nos que
devemos apelar para a sua Misericórdia a todo o momento, aconteça o que
acontecer, e também agora, nestes tempos em que vozes confusas sulcam a Igreja;
são tempos de extravio porque muitas almas não encontram bons pastores, outros
Cristos, que as guiem para o amor do Senhor, mas, pelo contrário, ladrões e
salteadores, que vêm para roubar, matar e destruir.
Não
temamos.
A
Igreja, que é o Corpo de Cristo há-de ser indefectivelmente o caminho e o redil
do Bom Pastor, o fundamento robusto e a via aberta para todos os homens.
Acabamos
de ler o Santo Evangelho: Vai até aos caminhos e os cercados e anima os que
encontrares a quem venham, para que se encha a minha casa.
2
Mas,
o que é a Igreja?
Onde
está a Igreja?
Muitos
cristãos, aturdidos e desorientados, não recebem resposta segura a estas
perguntas, e chegam talvez a pensar que os ensinamentos que o Magistério
formulou através dos séculos - e que os bons Catecismos propunham com toda a
precisão e simplicidade - foram superados e hão-de ser substituídos por outros
novos.
Uma
série de factos e de dificuldades parece ter convergido, para ensombrar o rosto
límpido da Igreja.
Alguns
afirmam: a Igreja está aqui, no empenho de acomodar-nos ao que chamam tempos
modernos.
Outros
gritam: a Igreja não é mais do que a ânsia de solidariedade dos homens; devemos
modificá-la de acordo com as circunstâncias actuais.
Enganam-se.
A
Igreja, hoje, é a mesma que Cristo fundou, e não pode ser outra. Os Apóstolos e
os seus sucessores são vigários de Deus para o governo da Igreja, fundamentada
na fé e nos Sacramentos da fé.
E
assim como não lhes é lícito estabelecer outra Igreja, não podem também
transmitir outra nem instituir outros sacramentos, porque pelos Sacramentos que
jorraram do peito de Cristo pendente da Cruz é que foi construída a Igreja.
A
Igreja há-de ser reconhecida por aquelas quatro notas indicadas na confissão de
fé de um dos primeiros Concílios e que nós rezamos no Credo da Missa: Uma única
Igreja, Santa, Católica e Apostólica.
Essas
são as propriedades essenciais da Igreja, que derivam da sua natureza, tal como
Cristo a quis.
E,
por serem essenciais, são também notas, sinais que a distinguem de qualquer
outro tipo de união humana, embora nelas se ouça também pronunciar o nome de
Cristo.
Há
pouco mais de um século, o Papa Pio IX resumiu brevemente este ensinamento
tradicional: a verdadeira Igreja de Cristo constituiu-se e reconhece-se, por
autoridade divina, pelas quatro notas que no Símbolo afirmamos deverem crer-se;
e cada uma dessas notas, de tal modo está unida às restantes, que não pode ser
separada das outras. Daí que aquela que verdadeiramente se chama Católica, deva
juntamente brilhar pela prerrogativa da unidade, da santidade e da sucessão
apostólica.
É
este, insisto, o ensinamento tradicional da Igreja, repetido novamente - embora
nestes últimos anos alguns o esqueçam, levados por um falso ecumenismo - pelo Concílio
Vaticano II: esta é a única Igreja de Cristo - que no Símbolo professamos Una,
Santa, Católica e Apostólica - a que o nosso Salvador, depois da ressurreição,
entregou a Pedro para que a apascentasse, encarregando-o a ele e aos outros
Apóstolos de a difundirem e de a governarem e que erigiu para sempre como
coluna e fundamento da verdade.
3
A Igreja é Una
Que
sejam um, assim como nós, clama Cristo a seu Pai; para que sejam todos um, como
Tu, Pai, o és em Mim e eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós.
Brota
constantemente dos lábios de Jesus Cristo esta exortação à unidade, porque todo
o reino, dividido em facções contrárias, será desolado; e toda a cidade ou
família, dividida em bandos, não subsistirá.
Exortação
que se converte em desejo veemente: Tenho também outras ovelhas que não são
deste aprisco; e importa que eu as traga, e elas ouvirão a minha voz, e haverá
um só rebanho e um só pastor
De
que forma maravilhosa pregou Nosso Senhor esta doutrina!
Multiplica
as palavras e as imagens, para que a compreendamos e fique gravada na nossa
alma a paixão da unidade. Eu sou a verdadeira vide e o meu Pai é o agricultor.
Todo
o sarmento que não dá fruto em Mim, ele corta-la-á; e todo o que der fruto,
podá-la-á para que dê mais abundante fruto... Permanecei em Mim, que Eu
permanecerei em vós.
Como
o sarmento não pode de si mesmo dar fruto, se não estiver unido à videira,
assim também vós se não permanecerdes em Mim. Eu sou a videira e vós as varas.
O
que permanece em Mim e Eu nele dá muito fruto, porque, sem Mim, nada podeis
fazer.
Não
vedes como aqueles que se separam da Igreja, estando às vezes cheios de
frondosidade não tardam em secar e como os seus frutos se transformam em
vermineira viva?
Amai
a Santa Igreja, Apostólica, Romana, Una! Porque, como escreve São Cipriano:
quem recolhe noutro lado, fora da Igreja, dissipa a Igreja de Cristo.
E
São João Crisóstomo insiste: não te
separes da Igreja. Nada é mais forte do que a Igreja. A tua esperança é a
Igreja; a tua salvação é a Igreja; o teu refúgio é a Igreja. É mais alta do que
o céu e mais larga do que a terra. Nunca envelhece e o seu vigor é eterno.
Defender
a unidade da Igreja traduz-se em viver muito unidos a Jesus Cristo, que é a
nossa vide.
Como?
Aumentando
a nossa fidelidade ao Magistério perene da Igreja: na verdade, não foi
prometido o Espírito Santo aos sucessores de Pedro para que por sua revelação
manifestassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência,
santamente custodiassem e fielmente exprimissem a revelação transmitida pelos
Apóstolos ou depósitos da fé.
Assim
conservaremos a unidade, venerando esta Nossa Mãe sem mancha e amando o Romano
Pontífice.
4
Alguns
afirmam que ficamos poucos na Igreja.
Eu
responder-lhes-ia que, se todos defendessem com lealdade a doutrina de Cristo,
depressa cresceria consideravelmente o número, porque Deus quer que se encha a
sua casa.
Na
Igreja descobrimos Cristo, que é o Amor dos nossos amores.
E
temos de desejar para todos esta vocação, este gozo íntimo que nos embriaga a
alma, a doçura luminosa do Coração misericordioso de Jesus.
Devemos
ser ecuménicos, ouve-se repetir.
Pois
sim.
No
entanto, temo que, por trás de algumas iniciativas auto-denominadas ecuménicas,
se oculte uma fraude, pois são actividades que não conduzem ao amor de Cristo,
à verdadeira vide.
Por
isso não dão fruto.
Eu
peço todos os dias ao Senhor que torne cada vez maior o meu coração, para que
continue a tornar sobrenatural este amor que pôs na minha alma a todos os
homens, sem distinção de raça, de povo, de condições culturais ou de fortuna.
Estimo
sinceramente a todos, católicos e não católicos, aos que crêem em alguma coisa
e aos não crentes, que me dão tristeza.
Mas
Cristo fundou uma única Igreja, tem uma única Esposa.
A
união dos cristãos?
Sim.
Mais
ainda: a união de todos os que crêem em Deus.
Mas
só existe uma Igreja verdadeira.
Não
é preciso reconstruí-la com pedaços disperses por todo o mundo. E não necessita
de passar por nenhum tipo de purificação para depois se encontrar finalmente limpa.
A
Esposa de Cristo não pode ser adúltera, porque é incorruptível e pura. Só uma
casa conhece, guarda a inviolabilidade de um único tálamo com pudor casto.
Ela
conserva-nos para Deus, ela destina para o Reino os filhos que engendrou.
Todo
aquele que se separa da Igreja une-se a uma adúltera, afasta-se das promessas
da Igreja: não conseguira as recompensas de Cristo quem abandona a Igreja de
Cristo.
5
A Igreja é Santa
Agora
compreenderemos melhor como a unidade da Igreja leva à santidade, como um dos
aspectos capitais da sua santidade é essa unidade centrada no mistério de Deus
Uno e Trino: Há um só corpo e um só espírito, como também vós fostes chamados a
uma só esperança pela vossa vocação. Há um só Senhor, uma só fé, um só
baptismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, e governa
todas as coisas e habita em todos nós.
Santidade
rigorosamente não significa senão união com Deus. A uma maior intimidade com o
Senhor corresponderá, portanto, maior santidade. A Igreja foi querida e fundada
por Cristo, que cumpre assim a vontade do Pai; a Esposa do Filho está assistida
pelo Espírito Santo. A Igreja é a obra da Santíssima Trindade; é Santa e Mãe, a
Nossa Santa Mãe Igreja. Podemos admirar na Igreja uma perfeição a que
chamaríamos original e outra final, escatológica. Às duas se refere São Paulo
na Epistola aos Efésios: Cristo amou a sua Igreja, e por ela se entregou a si
mesmo, para a santificar, purificando-a no baptismo da água pela palavra da
vida, para apresentar a si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, ou
coisa semelhante, mas santa e imaculada.
A
santidade original e constitutiva da Igreja pode ficar velada - mas nunca
destruída, porque é indefectível: as portas do inferno não prevalecerão contra
ela -, pode ficar encoberta aos olhos humanos, dizia, em certos momentos de
obscuridade pouco menos que colectiva.
Mas
S. Pedro aplica aos cristãos o título de gens
sancta, povo santo. E, sendo membros dum povo santo, todos os fiéis
receberam essa vocação para a santidade e hão-de esforçar-se por corresponder à
graça e ser pessoalmente santos.
Ao
longo de toda a história, e também na actualidade, tem havido tantos católicos
que se santificaram efectivamente: jovens e velhos, solteiros e casados,
sacerdotes e leigos, homens e mulheres.
Mas
acontece que a santidade pessoal de tantos fiéis - dantes e de agora - não é
uma coisa aparatosa.
É
frequente que não a descubramos nas pessoas normais, correntes e santas, que
trabalham e convivem no meio de nós. Para um olhar terreno o pecado e as faltas
de fidelidade ressaltam mais; chamam mais a atenção.
(cont)
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