Tempo Comum
Evangelho:
Mc 12, 1-12
1 E começou
a falar-lhes por parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe,
cavou nela um lagar, edificou uma torre e arrendou-a a uns vinhateiros, e
ausentou-se daquele país. 2 Chegado o tempo, enviou aos vinhateiros
um servo para receber deles a sua parte dos frutos da vinha. 3 Mas
eles, apanhando-o, bateram-lhe, e mandaram-no embora de mãos vazias. 4
Enviou-lhes de novo outro servo, e também a este o feriram na cabeça, e o carregaram
de injúrias. 5 Enviou de novo outro, e mataram-no. Assim fizeram a
muitos outros, dos quais bateram nuns e mataram outros. 6 «Tendo
ainda um filho muito amado, também o enviou por último, dizendo: “Respeitarão o
meu filho”. 7 Porém, aqueles vinhateiros disseram uns para os
outros: “Este é o herdeiro, vinde, matemo-lo e será nossa a herança”. 8
Pegaram nele, mataram-no, e lançaram-no fora da vinha. 9 «Que fará,
pois, o senhor da vinha? Virá, exterminará os vinhateiros e dará a vinha a
outros.10 Vós nunca lestes este passo da Escritura: “A pedra que
fora rejeitada pelos que edificavam, tornou-se pedra angular. 11
Pelo Senhor foi feito isto, e é coisa maravilhosa aos nossos olhos”». 12
Procuravam apoderar-se d'Ele, mas temeram o povo. Tinham compreendido bem que
dissera esta parábola contra eles. E, deixando-O, retiraram-se.
Comentário:
O Senhor não Se poupa a esforços para obter a
correspondência que espera dos Seus filhos, os homens.
Aliás, com todo o direito porque nos deu tudo,
absolutamente, desde a própria vida aos talentos, virtudes e dons necessários
para vivermos como Ele deseja, isto é, fazendo em tudo a Sua Santíssima e
Armabilíssima Vontade.
(ama,
comentário sobre Mc 12, 1-12, 2015.06.01)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
"Creio em Deus" – Hoje
SEGUNDA PARTE
JESUS CRISTO
CAPÍTULO PRIMEIRO
"Creio em Jesus Cristo seu Filho Unigénito,
Nosso Senhor".
II. Jesus, o Cristo: Forma fundamental da Fé
cristológica.
1. O dilema da Teologia nova: Jesus ou Cristo?
Depois de tudo isso, será de admirar que a
Teologia, de uma ou de outra forma, tente fugir ao dilema da simultaneidade
entre fé e história, tanto mais quanto mais entre ambas se levanta a parede
divisória do histórico? Constatamos hoje, cá e lá, a tentativa de comprovar a
Cristologia no plano da história, de torná-la visível, apesar de tudo, mediante
a aplicação do método do "certo" e do comprovável, ou também o
propósito muito mais singular de reduzi-la sem mais ao comprovável. O primeiro
não é viável porque, como vimos, o "histórico", no sentido exacto do
termo, exprime um modo de pensar que conota uma limitação sobre o Phainomenon
(o comprovável), sendo, por isto, tão pouco capaz de produzir a fé, como a
Física, de produzir o conhecimento de Deus. O segundo não satisfaz, porque,
desse modo, não se pode abranger globalmente os eventos passados e o que
realmente surge como resultado final é a expressão de uma cosmovisão
particular, pessoal, não sendo puro resultado de pesquisa histórica. E assim a
este esforço acrescentar-se-á a terceira tentativa de fugir totalmente ao
dilema do histórico, deixando-o para trás, por supérfluo. O que já se dá de
modo grandioso em Hegel; e por mais que se distinga a obra de Bultmann da de Hegel,
partilha com ela a mesma tendência. Refugiar-se na ideia ou no Kerygma não
é a mesma coisa; contudo, a diferença não é tão completa como parecem julgar os
defensores da teologia "querigmática".
O dilema dos dois caminhos – de um lado, transpor totalmente
ou reduzir Cristologia a História; de outro lado, desenvencilhar-se da
História, deixando-a para trás como supérflua para a fé – este dilema poderia
ser resumido na alternativa que já perpassa a Teologia moderna: Jesus ou
Cristo? A Teologia de hoje começa por voltar as costas a Cristo, refugiando-se
em Jesus, enquanto historicamente comprovável, para, em seguida, no ápice do
movimento, com Bultmann, virar na direcção oposta, voltando de Jesus para
Cristo fuga que, todavia, no momento actual, já recomeça a configurar uma nova fuga
de Cristo para Jesus.
Tentemos acompanhar com mais atenção este vaivém da
nova Teologia, para, por seu intermediário, nos aproximarmos do próprio
assunto. Do seio da primeira tendência – fuga de Cristo para Jesus – surgiu, no
início do século, a Essência do Cristianismo de Harnack: um livro que
apresenta uma forma de cristianismo saturada de orgulho e de optimismo
racionalista, com base no qual o Liberalismo purificou o Credo original. Uma
das frases básicas desta obra diz: "Não o Filho, mas exclusivamente o Pai
pertence ao Evangelho, como Jesus o anunciou". Quão simples, quão rico de
elementos libertadores não nos parece isto! Onde a fé no Filho criou separações
– cristãos e não cristãos e cristãos de diversos credos – a fé no Pai é capaz
de unir. Onde o Filho só a poucos pertence, o Pai pertence a todos e todos a
ele. Onde a fé cindiu, o amor pode reunir. Jesus contra Cristo significa: fora
com o dogma, retorno ao amor. O Jesus pregador, a anunciar a todos os homens o
Pai comum, tornando-os irmãos, foi transformado no Cristo pregador que exigia
fé e se transformou em dogma: e está aqui, conforme Harnack, o elemento da
decisiva ruptura: Jesus proclamou a mensagem não-doutrinal do amor; estava aí a
grande revolução com que destruiu a couraça da ortodoxia farisaica; em lugar do
legalismo intolerante, a simplicidade da confiança no Pai, a fraternidade dos
homens e a vocação para um único amor. No lugar disto, colocaram a doutrina do
Homem-Deus, do "Filho", pondo assim, em lugar de tolerância e
fraternidade que conotam salvação, uma doutrina salvífica que só pode denotar
desgraça, tendo desencadeado lutas sobre lutas e cismas sobre cismas. De tudo
isto segue-se, por si, a evidente conclusão: fora com o Cristo pregado, o objecto
da fé que separa; volta a Jesus pregador, o apelo à força única do amor, sob o
Pai comum, rodeado de muitos filhos. Não se pode negar haver aí afirmações
enfáticas e dinâmicas de que não se pode abstrair facilmente. E contudo...
Harnack mal pregava a sua mensagem optimista, e já se encontravam na soleira da
porta os que iriam levar a sua obra à cova. Na mesma época fora apresentada a
prova de que o simples Jesus, do qual Harnack falava, não passava de sonho
romântico, fata morgana do historiador, reflexo de sua sede e saudade,
que se dissolvem à medida que ele avança.
Assim Bultmann escolheu resolutamente o outro
caminho: só é verdadeiramente importante em Jesus o facto da sua existência; de
resto, a fé não se refere a hipóteses incertas sobre as quais é impossível
conseguir segurança histórica, mas exclusivamente ao acontecimento da palavra,
da pregação pela qual a existência humana se abriu para o seu sentido. Mas, um
mero facto será mais fácil de aceitar do que um facto rico em conteúdo?
Lucrou-se alguma coisa com o afastar-se para a esfera do secundário a questão
sobre quem e o que e como era esse Jesus, restando em seu lugar o homem ligado
a um puro acontecimento de pregação? Isto seguramente dá-se porque
"prega-se", mas a legitimação e real conteúdo desta pregação
tornam-se bastante problemáticos.
Considerando tais questões, compreender-se-á por
que aumenta o número daqueles que tornam a afastar-se do puro
"querigma" e do Jesus histórico, como que emagrecido e reduzido a
fantasma que mal existe, voltando a procurar refúgio junto do mais humano de
todos os homens, cuja humanidade, dentro de um mundo des-deificado, lhes parece
como derradeiro clarão do divino, que sobrou após a "morte de Deus".
É o que se dá hoje na teologia da "morte de Deus" a qual ensina que,
embora não disponhamos mais de Deus, nos ficou, contudo, Jesus como sinal de
confiança a animar-nos a ir para a frente. No meio de um mundo esvaziado de
Deus, a humanidade deve ser algo assim como o substitutivo de Deus que já não
se pode mais encontrar. Mas quão privados de senso crítico se revelam agora os
que antes se comportaram tão criticamente a ponto de só quererem admitir
Teologia sem Deus, para não criarem aos olhos dos seus contemporâneos
progressistas a impressão de serem atrasados! Aliás, a pergunta já devia ter
sido feita antes, ao reflectirmos se não se revelava uma perigosa falta de
senso crítico na intenção de fazer Teologia – tratar de Deus-sem Deus. Não
precisamos preocupar-nos com isto agora. No que toca ao nosso assunto, está
fora de dúvida que não estamos em condições de fazer voltar atrás os últimos
quarenta anos, e que nos está irrevogavelmente barrado o retorno a um simples
Jesus. É intrinsecamente absurda a tentativa de construir um mero Jesus do qual
se possa viver, abstraindo do Cristianismo histórico e apelando apenas para a
retorta do historiador. A mera história não cria nenhuma presença, mas constata
o que houve. Por isso a romântica de Jesus é, em última análise, tão sem
futuro, e tão vazia de presente como deveria ser uma fuga ao puro acontecimento
da pregação.
Contudo não foram de todo em vão os vaivéns do
espírito moderno entre Jesus e Cristo, cujas etapas principais no nosso século
tentei descrever. Creio até que se pode ver aí uma orientação, a saber, no
sentido de não ser possível um (Jesus), sem o outro (Cristo), no sentido de ser
necessário olhar continuamente de um para o outro, porque, na verdade, Jesus só
existe como o Cristo e o Cristo só é real como Jesus. Impõe-se-nos mais um
passo adiante: em vez de qualquer reconstrução, que só pode resultar em
reconstrução, ou seja, em imagens artísticas ulteriores, devemos tentar
compreender simplesmente o que a fé nos diz, a fé que não é reconstrução, mas
presença, não é teoria, mas realidade de viva existência. Talvez seja mais
indicado confiar mais na presença da fé actuante através dos séculos, que, na
sua natureza, nada mais é do que compreensão – compreensão do que e quem finalmente
foi Jesus – quiçá seja mais indicado confiar na fé, do que na reconstrução que
busca o seu caminho fora da realidade. Pelo menos convém tentar tomar
conhecimento do que, afinal, essa fé nos diz.
2. Imagem do Cristo do Símbolo
O símbolo, que seguimos neste livro como resumo
representativo da fé, formula a sua crença em Jesus em palavras muito sóbrias:
"e (creio) em Cristo Jesus". O máximo que nos poderá despertar a
atenção neste tópico é que, à semelhança da maneira preferida pelo apóstolo
Paulo, foi colocada antes a palavra "Cristo", originariamente
denotando não um nome, mas um título ("Messias"). Ora, pode provar-se
que a palavra ainda era conhecida na sua acepção original pela comunidade
romana que formulou o nosso símbolo. A alteração para um puro nome próprio, tal
como o notamos hoje, já se havia consumado em época bem remota. Contudo, no
Credo, o termo "Cristo" ainda se emprega como epíteto de Jesus.
Contudo, a fusão com o nome de Jesus já estava bem adiantada e encontramo-nos
na última etapa da mudança de significado da palavra "Cristo".
Ferdinand Kattenbusch, o grande pesquisador do
Símbolo Apostólico, esclareceu com acerto o facto, aduzindo um exemplo no seu
tempo [1]. Á guisa de paralelo, a expressão "Kaiser (= imperador) Guilherme":
o título Kaiser transformou-se quase em parte integrante do nome
próprio, tão inseparavelmente se pertencem o Kaiser e o
"Guilherme", Contudo, todos sabem que o termo Kaiser não
exprime apenas, nem em primeiro lugar, um nome, mas uma função, Algo de muito
parecido existe na justaposição de "Cristo Jesus" com idêntica
formação: Cristo, sendo título, também já é parte do nome primitivo do homem de
Nazaré. No processo da fusão do nome com o título, do título com o nome,
desenvolve-se algo bem diferente dos inumeráveis esquecimentos da história,
para os quais teríamos aqui mais um exemplo. Devemos, ao contrário, ver aqui, a
revelar-se, o núcleo mais profundo daquela compreensão que a fé realizou
relativamente à figura de Jesus de Nazaré. A expressão propriamente dita desta
fé é que não se pode distinguir cargo e pessoa naquele Jesus; esta diferença
aplicada a Jesus não tem razão de ser. A pessoa é o cargo, o cargo é a
pessoa. Ambos são inseparáveis: não existe uma esfera de restrição do que é
pessoal, do "eu" que se conserva de algum modo fora da sua acção,
podendo, portanto, também ficar "fora de acção". Não há nenhuma obra
sua que seja um "eu" separado – o "eu" é a obra e a obra é
o "eu".
Sempre de acordo com a evidência da fé espelhada no
símbolo – Jesus não deixou uma doutrina passível de ser separada do seu
"eu", como se podem colecionar e avaliar as ideias dos grandes
pensadores sem levar em consideração a pessoa do autor. O Símbolo não oferece
uma doutrina de Jesus. Nem sequer se chegou a pensar numa evidente tentativa de
ver nele uma doutrina, porque o sentido fundamental presente no Símbolo actua
em direcção completamente diferente. E, de acordo com a declaração do Credo,
Jesus não fez uma obra capaz de se distinguir e de ser representada como
distinta do seu "eu". Compreendê-lo como o "Cristo"
significa estar convencido de que ele se entregou a si mesmo dentro da sua
palavra: não é um "eu" que fala (como acontece connosco) – ele
identificou-se com a sua palavra de modo tal, que "eu" e
"palavra" são indistinguíveis: ele é palavra. De modo idêntico,
para a fé, a sua obra nada mais é do que o irrestrito identificar-se com essa
obra; ele faz-se e dá-se; sua obra é sua auto-doação.
Karl Barth certa vez exprimiu essa constatação da
fé do modo seguinte: "Jesus é simplesmente portador de um cargo.
Portanto, não é, primeiro, um homem e depois um encarregado de certa tarefa...
Não existe dentro de Jesus uma humanidade neutra... Poderia ser repetida, em
nome dos quatro Evangelhos, a preciosa palavra de Paulo [2]: 'e, se todavia temos conhecido a Cristo segundo a carne, agora, porém,
já não o conhecemos assim'. Os evangelistas mantiveram-se inteiramente desinteressados
a respeito de tudo o que esse homem pode ter sido e ter feito fora da sua
missão de Cristo e independente de sua realização... Mesmo quando relatam sobre
a sua fome e sede, as suas refeições e bebidas, o seu amor, a sua tristeza, a sua
ira e até as suas lágrimas, os evangelistas tocam em detalhes secundários, nos
quais, em parte alguma, transparece algo assim como uma personalidade
independente da obra, com determinados interesses, inclinações e afectos... O Seu
existir como homem é a sua obra". Por outras palavras, a afirmação
decisiva da fé sobre Jesus está na inseparável unidade das duas palavras
"Cristo Jesus", onde se oculta a experiência da identidade de existência
e missão. Neste sentido, realmente pode falar-se de uma "teologia
funcional": a existência inteira de Jesus é função do "para
nós", mas – por isto mesmo – a função é sua existência.
Interpretando assim, afinal, poder-se-ia afirmar
realmente que doutrina e feitos do Jesus histórico, como tais, não são
importantes, bastando o simples facto – a saber, contanto que se compreenda que
tal facto conota a realidade inteira da pessoa, que se cobre, como tal, com a sua
doutrina, que se identifica coma sua acção, tendo aí a sua peculiaridade única
e a sua irrepetível unicidade. A pessoa de Jesus é a sua doutrina e a sua doutrina é o
próprio Jesus. Portanto, fé cristã, isto é, fé em Jesus como o Cristo, é
verdadeiramente "fé pessoal". E só a partir daí é que se poderá
entender realmente o que vem a ser isto. Tal fé não é a aceitação de um
sistema, mas a aceitação de uma pessoa, que é a sua palavra; da palavra como
pessoa e da pessoa como palavra.
(cont)
joseph
ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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