Próximos do próximo
Desta vez vou “meter-me” neste trecho
de São Mateus personificando a figura do Rei.
Tenho por hábito – assim me ensinou o
Rei meu Pai – acudir às necessidades dos meus súbditos e, por vezes, vou algo
mais além do que seria aconselhável ou, até, prudente.
Aconteceu exactamente com um homem
que, sei, possuía razoáveis meios de fortuna mas que por motivos que não
averiguei se viu numa situação muito delicada.
Veio à minha presença várias vezes com
pedidos de ajuda que nunca lhe neguei. Concedi-lhe sempre o que me pedia.
Acontece que ontem mesmo, o meu
administrador veio ter comigo para me expor um problema que me deixou… atónito.
Começou por dizer-me que o erário real
estava francamente desfalcado e que os empréstimos que vinha fazendo não
poderiam continuar no mesmo ritmo e, sobretudo, montantes, sob pena de correr
risco de forte recessão.
Concretamente referiu-me o tal servo
de que falava cuja dívida atingia a enormidade de dez mil talentos!
Rapidamente fiz as ”contas”: Dez
mil talentos, uns sessenta milhões de denários!
Sendo um denário o
salário diário de um trabalhador…
Tive de reconhecer
que me excedera e de algum modo não fora justo para com os outros meus súbditos
entregando a um o que poderia ter repartido por muitos.
Mandei chamar o homem
e, sem mais, disse-lhe que era tempo de me devolver o que lhe emprestara.
A reacção foi
surpreendente: disse-me pura e simplesmente que não tinha como pagar-me.
Perguntei-lhe o que
fizera com tanto dinheiro que lhe emprestara para reconstruir a sua vida, mas…
não me deu resposta.
Ao meu ouvido o
administrador dizia-me que este súbdito não era muito boa pessoa, descurava os
seus deveres até para com a família e, tudo isto porque tinha o terrível vício
da avareza. No fim e ao cabo o dinheiro que eu lhe dava graciosamente servia
para empresta-lo a outros cobrando juros elevadíssimos, praticando uma usura
miserável com o que não era de facto seu.
Fiquei naturalmente
indignado e lavrei uma sentença que, em suma, decretava que se vendesse quanto
tinha, se apreendessem todos os seus bens, se necessário vendessem a mulher e
os filhos até reunir a quantia em dívida.
Mas o desgraçado –
não posso chamar-lhe outra coisa – lavado em lágrimas e gemendo pediu-me
encarecidamente que lhe desse um pouco mais de tempo, que conseguiria resolver
a sua vida e reunir o necessário para satisfazer a dívida.
Tive pena do pobre
homem, é verdade! Senti uma enorme pena de uma pessoa que, não obstante a sua
má conduta, talvez merecesse que lhe concedesse o que me pedia.
Mas eu tinha bem a
noção da enormidade da dívida e que nunca lhe seria possível devolver-me o que
lhe emprestara.
Assim, para acabar
com o assunto e na esperança que realmente se corrigisse, perdoei-lhe toda a
dívida e mandei-o embora em paz.
Confesso que fiquei
muito contente com a minha decisão, afinal de que me serve ser Rei se não posso
fazer o que quero com o que é meu?
(ama,
reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia – 5)
[i]
Mt 18,21-35
21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes
poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22
Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes
sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis
fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as
contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25
Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a
mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26
Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo,
eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo,
deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo
saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e,
lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O
companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu
te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão,
até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo
isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha
acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu
perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu
também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34
E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35
«Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do
seu coração ao seu irmão»
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Mateus também poderia ser o
Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, a parábola
proferida por Jesus Cristo, põe-nos perante um autêntico quadro ou, melhor,
perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e
excitando os nossos sentidos.
São Josemaria
recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração,
intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [i]
É isso mesmo que me
proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido
por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos
personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.
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