18/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo ComumPáscoa

Evangelho: Mc 9, 38-40

38 João disse-lhe: «Mestre, vimos um homem, que não anda connosco, expulsar os demónios em Teu nome e nós lho proibimos porque não nos segue». 39 Jesus, porém, respondeu: «Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um milagre em Meu nome e que possa logo dizer mal de Mim. 40 Porque quem não é contra nós, está connosco.


Comentário:


As  boas obras que praticamos são sempre fruto da nossa união com Cristo. Por nós próprios somos incapazes de praticar algo bom.


Mas há pessoas que nem sequer são cristãs, pode aduzir-se, e, no entanto, as fazem!


É preciso ter claro que ser cristãos é uma graça de Deus mas que qualquer homem é filho de Deus e um pai não prefere um filho a outro.


Querendo a todos por igual pode exigir mais a um que mais recebeu o que é de justiça.


Logo, Deus agrada-se pelas boas obras dos seus filhos e não deixará de recompensa-los por elas.


(ama, comentário sobre Mc 9, 38-40, 2013.05.22)

Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO SEGUNDO

PRIMEIRA PARTE

DEUS

«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra"

CAPÍTULO PRIMEIRO

Prolegómenos ao Tema "Deus"

2. O reconhecimento de um Deus

Voltemos ao texto do qual tínhamos partido, a saber, à frase do símbolo: "Creio em Deus, Pai, todo-poderoso, Criador". Frase com a qual os cristãos professam a sua fé há quase dois mil anos, frase que procede de outra história mais antiga ainda: atrás dela encontra-se a profissão de fé diária de Israel, cuja variante cristã ela representa: "Ouve, ó Israel, Iahvé, teu Deus, é um único" . O "Credo" cristão colheu nas suas primeiras palavras o "Credo" israelita, inclusive a luta de Israel, a sua experiência da fé e o seu combate em torno de Deus, que assim se transforma em dimensão interna da fé cristã, a qual não existiria sem luta. Muito lateralmente damos aqui com uma importante norma da história da religião e da fé, a saber, que fé e religião sempre se desenvolvem e evoluem por nexos, jamais no sentido de uma total descontinuidade. A fé de Israel, sem dúvida, representa um elemento novo, em confronto com a fé dos povos vizinhos; contudo não se trata de algo caído do céu, mas de uma cristalização efetuada no embate com a fé dos outros povos, em que uma selecção belicosa e uma reinterpretação diferente representam, ao mesmo tempo, o elo e a mudança.


"Iahvé, teu Deus, é um único Deus", profissão fundamental situada no âmago do nosso "Credo" é, no seu sentido original, uma renúncia aos deuses vizinhos. É uma profissão no sentido pleno da palavra, isto é, não é uma constatação de uma opinião ao lado de outras, mas uma opção existencial. Como renúncia aos deuses significa repúdio ao endeusamento dos poderes políticos, e ao endeusamento do "morre e torna-te" cósmico. Afirma-se que fome, amor e domínio são as três forças que movem a humanidade. Ampliando-se esta afirmação, pode constatar-se que as três formas fundamentais do politeísmo são a adoração do pão, a adoração do Eros e a divinização do poder. Os três caminhos são aberrações, absolutizações do que não é o absoluto e, por isso, escravização do homem. Certamente, trata-se de aberrações em que transparece alguma coisa do poder que sustenta o universo. Mas a profissão de fé de Israel é, como foi dito, uma declaração de guerra contra a tríplice adoração, constituindo assim um processo de máxima importância na história da libertação do homem. Na declaração de guerra contra a tríplice adoração, a profissão de fé é, ao mesmo tempo, um grito de guerra contra a proliferação do divino em geral. É a renúncia a deuses próprios (vê-lo-emos mais tarde). Ou, expresso de outro modo, a renúncia à divinização do que é próprio do homem, típica do politeísmo. E também é a renúncia à própria segurança, ao medo, que tenta apaziguar o ominoso, prestando-lhe culto; e é a adesão ao Deus único do céu, como potência que protege tudo; significa coragem de se confiar à força que domina o universo inteiro, sem tomar o divino nas mãos.

A atmosfera inicial oriunda da fé de Israel não se alterou fundamentalmente no "Credo" cristão primitivo. Também nele o ingresso na comunidade e a aceitação do seu "símbolo" significa uma decisão existencial de pesadas consequências. Pois quem entrasse neste "Credo", simultaneamente consumiria a renúncia à legislação do mundo do qual era parte integrante, uma renúncia à adoração do poder político dominador, sobre o qual se baseava o império romano, renúncia da adoração do prazer, do culto do medo e da superstição que predominavam no mundo. Não foi por acaso que a luta cristã deflagrou no campo assim demarcado, transformando-se em guerra em torno da própria forma básica da vida pública antiga.

Creio que para a compreensão hodierna aprofundada e actualizada do "Credo" é de importância decisiva voltar a focalizar esses nexos. Somos levianos demais, considerando como fanatismo de tempos antigos, e por isto fanatismo desculpável, embora impossível hoje em dia, a atitude de recusa dos cristãos, até com sacrifício da vida, a participar, de qualquer modo, no culto prestado ao imperador; o repúdio até das formas mais inocentes, como a inscrição na lista dos sacrifícios, expondo a própria vida em defesa dos seus pontos de vista. Hoje distinguiríamos, em tal caso, entre a lealdade civil indispensável e o acto realmente religioso, tentando achar uma saída possível e tomando em conta o facto de não poder esperar-se heroísmo de homens medianos. Quiçá semelhante distinção seja possível em certos casos, e isto graças à decisão que outrora fora tomada. Em todo caso é importante acentuar que a recusa de então estava muito longe de qualquer fanatismo mesquinho e que ela transformou o mundo de uma maneira que só é possível pelo empenho do sofrimento. Naquelas perseguições antigas ficou patente que fé não é uma brincadeira, mas uma coisa séria: a fé diz: "não" e é obrigada a dizer "não" ao absolutismo do poder político, à adoração do domínio e dos poderosos em geral – "depôs os poderosos de seus tronos" [1], quebrando assim definitivamente a pretensão totalitária do princípio político. A afirmação: "há somente um Deus", precisamente por não estar contaminada por nenhuma intenção política, representa um programa de importância política decisiva: graças ao carácter absoluto do seu Deus, que assim se inculca em cada um e graças ao relacionamento em que assim se colocam todos os agrupamentos políticos pela unicidade com Deus que os abrange a todos, temos aí a única defesa definitiva contra o colectivismo e também a supressão total de qualquer exclusivismo humano.

O que foi afirmado sobre a luta da fé contra a adoração do poder poderia aplicar-se no terreno dos esforços pelo autêntico amor humano, na luta contra a falsa adoração do sexo e do Eros, fontes de escravização não menos trágica da humanidade do que o abuso do poder. É mais do que uma simples metáfora, quando os profetas descrevem a apostasia de Israel como "adultério". Os cultos idólatras quase sempre estavam ligados à prostituição cúltica e, assim, já a aparência externa os apresentava como adultério. Além disto, eles revelam o seu espírito. O amor definitivo, indivisível e uno entre homem e mulher finalmente só se realiza e se compreende na unidade e indivisibilidade do amor de Deus. Hoje cresce o nosso conhecimento de que não se trata, no amor, de uma dedução filosófica independente, mas de uma realidade muito mais fundamental que resiste ou cai de acordo com a fé em um Deus único. E compreendemos melhor que a liberação do amor, degenerando em simpatia (ou camaradismo) do instinto, representa a entrega do homem às fúrias desencadeadas do sexo e do Eros, sob cuja escravidão cruel cai, sonhando ter-se emancipado. Subtraindo-se a Deus, atacam-no os deuses, e a libertação do homem só se realiza na medida em que se deixa livrar e cessa de se apoiar sobre si próprio.

Não menos importante do que o esclarecimento da renúncia encerrada no "Credo" é compreender a afirmação nele contida; e isto porque a renúncia só se sustenta a partir da afirmação e, a seguir, também porque a renúncia dos primeiros séculos cristãos se comprovou de tão grande eficiência histórica, que os deuses desapareceram para sempre. Certamente, não desapareceram as potências expressas nas divindades, nem desapareceu a tentação de absolutizar todas as energias. Um como o outro pertencem ao cerne da situação humana e exprimem a perene "verdade" do politeísmo: o absolutismo da força, do pão e do Eros não nos ameaça menos do que ao homem antigo. Porém, embora os deuses de então continuem hoje como "forças" a tentar impor-se de modo absoluto, deixaram tombar a máscara do divino e são obrigados a apresentar-se em sua verdadeira profanidade. Eis aí a base da diferença entre o paganismo pré e pós-cristão, que continua marcado pelo dinamismo histórico da renúncia cristã aos deuses. No vazio em que hoje nos encontramos, mais urge a pergunta: qual é o conteúdo da afirmação que a fé cristã conota?

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)








[1] Lc 1,52

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