Páscoa
Evangelho:
Mc 16, 15-20
15 E disse-lhes: «Ide por
todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda a criatura. 16 Quem crer e
for baptizado, será salvo; mas quem não crer, será condenado. 17 Eis
os milagres que acompanharão os que crerem: Expulsarão os demónios em Meu nome,
falarão novas línguas, 18 pegarão em serpentes e, se beberem alguma
coisa mortífera, não lhes fará mal; imporão as mãos sobre os doentes, e serão
curados». 19 O Senhor, depois de assim lhes ter falado, elevou-Se ao céu e foi
sentar-Se à direita do Pai. 20 Eles, tendo partido, pregaram por
toda a parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra com os
milagres que a acompanhavam.
Comentário:
Em plena Páscoa a Liturgia
escolhe este trecho do Evangelho se São Marcos porque hoje se comemora o dia do
Apóstolo e Evangelista.
É, aliás, o “fecho” do
Evangelho que escreveu baseado como sabemos no que ouviu directamente do
Príncipe dos Apóstolos, São Pedro.
Ficamos a dever a São
Marcos o conhecimento das 12 pessoas que o Senhor escolheu como “colunas” da
Sua Igreja, das suas características pessoais, fragilidades, e limitações bem
notórias, inclusive as negações e infidelidades.
Revela-se assim a profunda
humildade desses homens nomeadamente de São Pedro que não se opõem antes terão
desejado que tudo constasse para que nós, cristãos, normais e correntes,
possamos ver que podemos perfeitamente estar “à altura” dos Doze e sermos como
eles foram fiéis até à morte a nosso Senhor Jesus Cristo.
(ama,
comentário sobre Mc 16, 15-18, 2015.04.25)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO-SEGUNDO
CAPÍTULO
VIII
A
terra invisível
Mas o céu do céu pertence-te
a ti, Senhor; a terra, que deste aos filhos dos homens para que a vissem e
tocassem, não era tal como agora e vemos e tocamos. Era invisível e informe: um
abismo sobre o qual não havia luz. As trevas estendiam-se sobre o abismo – isto
é: mais profundas que o abismo. Esse abismo das águas, agora visíveis, tem até nas
suas profundezas uma luminosidade, perceptível aos peixes e aos animais que se
arrastam no fundo. Mas tudo isso era quase o nada, sendo ainda completamente
informe; porém já era um ser apto a receber uma forma.
Senhor, criaste o mundo de
uma matéria sem forma; do nada fizeste este quase nada de onde tiraste as
grandes coisas que admiramos, nós, os filhos dos homens. Porque este céu corpóreo
é de facto admirável, este firmamento que separa uma água de outra, que criaste
no segundo dia, depois da luz, dizendo: “Faça-se – e assim se fez”. Chamaste
céu a este firmamento: o céu desta terra e deste mar que criaste no terceiro
dia, dando forma visível à matéria informe, criado por ti antes de todos os dias.
Já tinas criado outro céu
antes de haver dia; mas era o céu do céu, porque no princípio criaste o céu e a
terra. Quanto a esta mesma terra, nada mais era que matéria informe, sendo invisível,
caótica e as trevas reinando sobre o abismo. É desta terra invisível, caótica,
desta massa informe, deste quase nada, que formaste todas as coisas de que é
formado e não formado este mundo mutável, domínio da transformação, que torna
possíveis a percepção e a medida do tempo.
Porque o tempo é feito da
mudança das coisas, de variações e transformações das formas, cuja matéria é
esta terra invisível, de que falei acima.
CAPÍTULO
IX
A
criação do tempo
Por isso, o Espírito que
instruiu o teu servo, quando relata que no princípio criaste o céu e a terra,
cala-se sobre o tempo, guarda silêncio sobre os dias. De facto, o céu do céu,
que fizeste no começo, é de alguma maneira uma criatura racional que, mesmo sem
ser co-eterna contigo, ó Trindade, participava todavia da tua eternidade. A
doçura de te contemplar beatificamente mantém-na imóvel e unida a ti sem
movimento, e desde a sua criação escapa às vicissitudes fugazes do tempo.
Porém, esta massa informe,
esta terra invisível, este caos, tu não o enumeraste entre os dias; de facto,
onde não há forma nem ordem, nada vem, nada passa e, portanto não pode haver
nem dias, nem sucessão de espaços temporais.
CAPÍTULO
X
Invocação
à verdade
Ó Verdade, luz do meu
coração, faz com que se calem as minhas trevas. Deixei-me cair nelas e fiquei
às escuras; mas, mesmo do fundo desse abismo, eu te amei ardentemente. Andei, errante,
mas lembrei-me de ti. Ouvi a tua voz atrás de mim, que me exortava a que
voltasse; mas dificilmente podia escutá-la, por causa do tumulto da minha alma.
E agora, eis que, ardente e anelante, volto à tua fonte. Que ninguém mo impeça;
beberei da sua água, e assim viverei. Que não seja eu a minha própria vida!
Vivi mal por minha culpa, e fui a causa da minha morte. Em ti eu revivo!
Fala-me, ensina-me. Creio nos teus livros, e as tuas palavras encerram profundos
mistérios.
CAPÍTULO
XI
As
criaturas e o criador
Já me disseste, Senhor,
com voz forte ao ouvido da minha alma, que és eterno, e que só tu possuis a
imortalidade, porque não mudas nem de forma, nem de movimento; a tua vontade
não varia conforme o tempo, pois a vontade mutável não é imortal. Esta verdade é-me
clara na tua presença. Peço-te que ela se torne para mim cada vez mais clara, e
sob as tuas asas eu me mantenha atento a esta evidência.
Também disseste, Senhor,
com voz forte ao ouvido da minha alma, que todas as naturezas, todas as
substâncias que não são o que és, mas que existem, tu as criaste; que só o nada
não provém de ti, assim como o movimento de uma vontade que se afasta de ti,
Ser supremo. Enfim, que nenhum pecado te causa dano, nem perturba a ordem do
teu império, superior ou inferior. Essa verdade é clara para mim na tua
presença. Peço-te que se torne para mim cada vez mais clara, e que sob as tuas
asas eu me mantenha atento a esta evidência.
Também disseste, Senhor,
com voz forte ao ouvido da minha alma, que essa criatura, que tem em ti o seu
único deleite, não te é co-eterna; que goza de ti em união casta e duradoura,
sem nunca trair em parte alguma a sua natureza mutável; que, se conserva sempre
na tua presença e unida a ti com todo o seu amor, não tem de esperar futuro,
nem que recordar passado, imutável pois com o tempo e o vir a ser. Feliz
criatura, se existe, por participar da tua felicidade, feliz de ser perenemente
habitada e iluminada por ti! Nada encontro que melhor se possa chamar céu de céu
que pertence ao Senhor, que esta habitação da tua divindade, que contempla as
tuas delícias sem que nada a afaste para outras partes. Puro espírito,
intimamente ligado por um elo de paz com esses santos, espíritos, cidadãos da
tua cidade, situada no céu e acima do nosso céu.
Diante disso, possa a
alma, cuja peregrinação afastou de ti, compreender se já tem sede de ti, se o seu
pranto se tornou o seu pão, quando todos os dias lhe dizem: Onde está o teu
Deus? – seela deseja apenas habitar na tua morada todos os dias da sua vida. E
que é a sua vida, senão tu?
Que são os teus dias,
senão a tua eternidade, como os teus anos que não passam, porque és sempre o mesmo?
Por isso, digo, faz compreender à alma, se possível, como a tua eternidade
transcende todos os temos. A tua morada, que nunca se afastou de ti, embora não
te sendo co-eterna, graças à sua incessante e ininterrupta união contigo, não
padece de vicissitudes do tempo. Essa verdade é clara para mim na tua presença.
Peço-te que se torne para mim cada vez mais clara, e que sob as tuas asas eu me
mantenha atento a esta evidência.
Vejo, de facto, não sei
que matéria informe nas transformações das coisas últimas e ínfimas. Mas quem
dirá, a não ser o insensato, cujo espírito vagueia entre quimeras, à mercê dos seus
fantasmas, quem, salvo este, ousaria afirmar que, se toda forma fosse
destruída, abolida, restando apenas a matéria informe, graças à qual as coisas
se transformam e passam de uma forma para outra, ela poderia produzir as
vicissitudes do tempo? Não, tal hipótese é absolutamente impossível, pois sem
variedade de movimentos não há tempo; e não há variedade onde não há forma.
CAPÍTULO
XII
A
criação e a eternidade
Bem consideradas estas
coisas, por tua graça, meu Deus, e como me incitasse a bater, e como me abres
quando bato, encontro duas criações tuas não afectadas pelo tempo, embora nenhuma
delas te seja co-eterna. Uma, que criaste tão perfeita que jamais deixa de te
contemplar, que não sofre nenhuma mudança, embora de natureza mutável, e goza da
tua eternidade e da tua imutabilidade. Outra, informe, a ponto de lhe ser
impossível passar de uma forma para outra, quer no movimento, quer no repouso,
e, portanto, incapaz de estar sujeita ao tempo. Mas tu não a deixaste informe
pois, antes de qualquer dia, fizeste no principio o céu e a terra, as duas
obras de que falava.
Mas a terra era invisível
e informe, e as trevas reinavam sobre o abismo. Por essas palavras, a Escritura
sugere a ideia de algo informe, para ensinar aos poucos aos espíritos que não
podem conceber que a falta absoluta de forma não se confunde com o nada. É
dessa massa informe que deveria ser criado um segundo céu, uma terra visível,
ordenada, a água cristalina, e enfim tudo o que foi feito na criação, de acordo
com a tradição das Escrituras, em dias sucessivos.
E essa obra é tal que,
devido à mudanças regulares dos seus movimentos e formas, está sujeita às vicissitudes
do tempo.
CAPÍTULO
XIII
O
céu e a terra em Génesis
“No princípio criou Deus o
céu e a terra. A terra era invisível e informe, e as trevas estendiam-se sobre
o abismo.” Ouço estas palavras, meu Deus, e não encontrando menção do dia em
que criaste essas coisas, concluo dessa omissão que se trata do céu do céu, do
céu intelectual, onde a inteligência conhece simultaneamente e não por partes;
não por enigma, ou como um espelho, mas por inteiro, em plena luz, face a face;
conhece não ora isto, ora aquilo, mas, como disse, simultaneamente, sem a
sequência temporal. Concluo também que se trata da terra invisível, informe,
estranha às vicissitudes do tempo, que ora causam isto, ora aquilo, pois onde
não há forma não pode haver isto ou aquilo.
Dessas realidades, uma de
forma acabada desde o início, a outra absolutamente informe, o céu, isto é: o
céu do céu, e a terra, isto é: terra invisível e informe, é bem a propósito
delas que a tua Escritura diz, sem mencionar o dia: “No princípio criou Deus o
céu e a terra”. E acrescenta imediatamente de que terra se trata. E, indicando
que no segundo dia foi criado o firmamento, que foi chamado céu, dá a entender
também de que céu falara antes, sem precisar o dia.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)
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