Páscoa
Evangelho:
Jo 10, 27-30
27 As Minhas ovelhas ouvem a Minha
voz, e Eu conheço-as, e elas seguem-Me. 28 Eu dou-lhes a vida eterna; elas
jamais hão-de perecer, e ninguém as arrebatará da Minha mão. 29 Meu Pai, que
Mas deu, é maior que todas as coisas; e ninguém pode arrebatá-las da mão de Meu
Pai. 30 Eu e o Pai somos um».
Comentário:
A segurança que deve sentir
o cristão guiado por tão excelente Pastor!
Pertencer a este rebanho
unido, coeso, que Jesus Cristo cuida com desvelo e entranhado amor é o maior
bem a que se pode aspirar.
De facto, é a certeza da
salvação eterna, nada mais.
Que fazer, pois?
Deixar-se conduzir com a
docilidade e a confiança absolutas que tudo quanto o Senhor quer é para nosso
bem.
(ama,
comentário sobre Jo 10, 27-30, 2014.04.21)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO
CAPÍTULO
XXXVII
A
tentação do orgulho
Todos os dias somos
acometidos por estas tentações, Senhor, somos tentados sem trégua. Os louvores
dos homens são a fornalha onde todos os dias somos postos à prova.
Também nisso mandas que
sejamos continentes. Concede-nos o que mandas, e manda o que quiseres.
A esse respeito, conheces
os lamentos que meu coração te dirige, e os rios de lágrimas que brotam dos
meus olhos. É-me difícil distinguir o quanto estou purificado dessa peste;
tenho muito medo da minhas faltas ocultas, que os teus olhos conhecem, e os
meus ignoram. Nos outros géneros de tentação, tenho recursos para me examinar,
mas quanto a este, quase nenhum.
Posso avaliar o quanto
dominei a minha alma a respeito dos prazeres da carne e das vãs curiosidades,
quando me vejo privado de tais coisas por minha vontade ou por necessidade.
Então me indago se é pena
maior ou menor o ver-me privado desses dons.
Quanto à riqueza,
ambicionada apenas para satisfazer a uma, duas ou todas as três paixões, no
caso em que a alma não perceba se as despreza quando as possui, depende só dela
renunciar a elas para provar seu desapego. Todavia, para nos privar dos
louvores e provar nosso poder sobre eles, será talvez necessário levar uma vida
má, infame, horrível, a ponto de ninguém nos conhecer sem nos detestar? Pode-se
dizer ou conceber maior insanidade?
Se o louvor deve
habitualmente acompanhar uma vida boa e de boas obras, não será por isso que
deveremos abandonar a vida exemplar. Contudo, para distinguir se a privação de
um bem me é indiferente ou penosa, é preciso que me prive desse bem.
Então, Senhor, que devo
confessar-te quanto a tais tentações? Que tenho em grande apreço o louvor? Mas
agrada-me mais a verdade. Pois, se tivesse que escolher entre duas situações:
ser louvado pela minha loucura ou por meus erros ou ser escarnecido por todos
pela minha firme certeza da verdade, bem sei o que escolheria. Contudo, não
gostaria que a aprovação alheia aumentasse para mim a alegria que sinto pelo
pouco bem que faço. Mas tenho de te confessar que não só o louvor a aumenta,
mas também que o vitupério a diminui.
Quando me sinto perturbado
por essa miséria, uma desculpa surge em mim. Só tu sabes, Senhor, se ela é
válida, porque a mim me deixa perplexo. De facto, não nos ordenaste apenas a continência,
que nos ensina a afastar certas coisas de nós, mas também a justiça, que direcciona nosso amor. Não quiseste que amássemos somente a ti, mas também o
nosso próximo. Ora, às vezes me parece que é o aproveitamento e as esperanças
de que o próximo dá mostra que me encantam, quando me regozijo com um elogio
inteligente; e que, pelo contrário, é sua maldade que me entristece quando o
ouço censurar o que ignora ou o que é bom.
Às vezes também me
entristeço com os elogios que me fazem, quando louvam em mim qualidades que me
desagradam, ou quando dão muita importância a qualidade medíocres e secundárias.
Mas, repito-o, como saber
se o desagrado não provém da minha repugnância pelo louvor que destoa do meu
juízo a respeito de mim mesmo – não que seu interesse me preocupe – mas pelo
maior agrado que sinto quando o bem que amo em mim é amado pelos outros? De
algum modo, não me considero louvado quando o elogio contradiz a opinião que
tenho de mim mesmo, quer o encómio seja para o que me desagrada, quer
exagerando o valor do que pouco me agrada.
Serei, pois, sobre isso
tudo um enigma para mim mesmo?
Mas é em ti, ó Verdade,
que percebo que devo me alegrar com os louvores que me dirigem, não no meu
interesse, mas no interesse do próximo. Não sei se é este o meu caso, pois neste
assunto me conheces melhor do que eu mesmo. Suplico-te, meu Deus, que me dês a conhecer
a mim mesmo, para que eu possa confessar a meus irmãos, dispostos a orar por
mim, as chagas que achar em mim. Faz que me examine com mais diligência. Se for
de facto o bem do próximo que me alegra quando me louvam, porque sou menos
sensível ao vitupério injustamente feito a outro, do que se fosse a mim? Porque
o aguilhão da injúria me faz sofrer mais do que injúria igualmente injusta
feita a uma outra pessoa diante de mim? Acaso também ignoro isto?
Deveria então concluir que
me iludo, e que meu coração e minha língua burlam diante de ti a verdade?
Afasta de mim, Senhor,
esta loucura, para que as minhas palavras não sejam para mim óleo de pecador
para ungir a minha cabeça.
CAPÍTULO
XXXVIII
A
vanglória
Sou pobre e necessitado, e
só melhoro quando, com gemidos íntimos e com desagrado de mim mesmo, busco a tua
misericórdia, até que a minha indigência seja reparada e sanada com a paz que o
olho soberbo ignora! Todavia, as palavras da nossa boca, ou nossos actos conhecidos
dos homens, encerram uma tentação muito perigosa, filha do amor dos louvores
que, para nos iludir com certa excelência, recolhe e mendiga os aplausos
alheios. A vanglória tenta até quando a critico em mim, e é por isso mesmo que
eu a desaprovo. Muitas vezes, por excesso de vaidade, há quem se glorie até
mesmo do desprezo da vanglória; mas de facto não é mais do desprezo da vanglória
que se orgulha, porque ninguém a despreza quando se gloria de a desprezar.
CAPÍTULO
XXXIX
O
amor-próprio
Há ainda entre nós,
profundamente assente, outra tentação do mesmo género, que torna vãos aqueles
que se comprazem consigo próprios, ainda que não agradem aos outros, ou até lhes
desagradem, ou sequer procuram agradar-lhes. E quanto mais enfatuados estejam
consigo mesmos, mais te desagradam a ti, não só ao gloriarem-se dos males como
se fossem bens, mas sobretudo quando se gloriam dos teus bens como se fossem
deles; ou quando, reconhecendo-os em si, eles os atribuem aos seus
merecimentos; ou ainda quando, atribuindo-os à tua graça, não os gozam
amigavelmente com os demais, gerando ciúmes e inveja.
Em todos estes perigos e
provas, tu vês o temor do meu coração, e sinto que são mas as feridas que curas
em mim do que as que inflijo a mim próprio.
CAPÍTULO
XL
À
procura de Deus
Quando deixaste de me
acompanhar, ó Verdade, para me ensinar o que eu devia evitar ou procurar,
sempre te consultei, a ti submetendo, dentro da minha limitação, os meus
medíocres pontos de vista? Percorri com os sentidos, como pude, o mundo exterior.
Observei a vida do meu corpo e os meus próprios sentidos. Depois adentrei nas
profundezas da memória nos seus múltiplos domínios, tão maravilhosamente
repletos de inúmeras riquezas; observei tudo isso, estupefacto. Sem o teu
auxílio nada poderia distinguir, mas reconheci que nada disto eras tu. Nem era
eu o descobridor de todas essas coisas; esforcei-me para distingui-las e
avaliá-las no seu devido valor, recebendo-a através dos sentidos e
interrogando-as. Senti outras coisas unidas a mim, e examinei-as, assim como
aos sentidos que mas traziam; revolvi as vastas reservas da memória, analisando
certas lembranças, guardando umas e trazendo outras à luz. Porque tu és a luz
permanente que eu consultava sobre a existência, o valor e a qualidade de todas
as coisas, e eu ouvia os teus ensinamentos e as tuas ordens. Costumo fazê-lo
muitas vezes, pois essa é a minha alegria, e sempre que os meus trabalhos me
permitem algum descanso, refugio-me nesse prazer.
Em nenhuma dessas coisas
que percorro consultando-te, não encontro lugar seguro para a minha alma senão
em ti; só em ti se reúno os meus pensamentos esparsos, sem que nada meu se aparte
de ti. Às vezes, fazes-me conhecer uma extraordinária plenitude de vida interior,
de inefável doçura que, se chegasse à contemplação, não seria certamente
compatível com esta vida. Mas torno a cair nesta baixeza, cujo peso me
acabrunha; volto a ser dominado pelos meus hábitos, que me têm cativo e, apesar
das minhas lágrimas, não me libertam. Tão pesado é o fardo do hábito! Não quero
estar onde posso e não posso estar onde quero: miséria em ambos os casos!
(Revisão
de versão portuguesa por ama)
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