Páscoa
Evangelho:
Jo 15, 18-21
18 «Se o mundo vos aborrece, sabei
que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim. 19 Se fosseis do mundo, o mundo
amaria o que era seu; mas, porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do
meio do mundo, por isso o mundo vos aborrece. 20 Lembrai-vos da palavra que Eu
vos disse: Não é o servo maior do que o senhor. Se eles Me perseguiram a Mim,
também vos hão-de perseguir a vós; se guardaram a Minha palavra, também hão-de
guardar a vossa. 21 Mas tudo isto vos farão por causa do Meu nome, porque não
conhecem Aquele que Me enviou.
Comentário:
As palavras de
Cristo cumprem-se sempre.
Através dos
tempos o ódio, a rejeição de Deus e do Seu Reino têm estado presentes um pouco
por todo o mundo.
Por vezes de
forma larvar, encapotada, escondida atrás de leis restritivas, algumas iníquas;
Outras sem
qualquer disfarce atingem o paroxismo, a violência mais extrema.
Mas, a verdade
é que o Reino não cessa de aumentar e expandir-se.
Não podemos
estranhar já que nós, os cristãos, sabemos e acreditamos que a Santa Igreja
fundada por Jesus Cristo é eterna e que as forças
do mal não prevalecerão contra ela.
(ama,
comentário sobre Jo 15 18-21, 2015.05.09)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO-TERCEIRO
CAPÍTULO
I
Invocação
Eu te invoco, ó meu Deus,
minha misericórdia, que me criaste, e que não olvidaste aquele que te esqueceu.
Chamo-te à minha alma, que preparas para te receber fazendo-te desejar por ela.
Não abandones o que te
invoca. Antes mesmo que eu te invocasse, já o tinhas prevenido.
Muitas vezes me instaste,
falando de mil modos diversos para que te ouvisse de longe, para que me
convertesse e te invocasse que me chamavas.
Senhor, apagaste todos os meus
delitos para não ter de punir o que fizeram as minhas mãos iníquas, e te
antecipaste a meus actos meritórios para me recompensar do que fizeram as tuas
mãos, que me criaram; de facto, existias antes de mim, e eu não era digno de
receber de ti o ser.
Contudo, eis que existo,
graças à tua bondade que precedeu tudo o que sou e do que me fizeste. Não
tinhas necessidade de mim, eu não sou um bem que te possa ser útil, meu Senhor
e meu Deus. Se estou ao teu serviço, não é porque a acção te cansa ou porque o
teu poder, privado dos meus serviços, diminua; nem porque o meu culto seja para
ti o que é a cultura para a terra, que sem ela ficaria estéril. Eu devo
honrar-te para ser feliz em ti, a quem devo o meu ser, capaz de felicidade.
CAPÍTULO
II
A
criação e a bondade de Deus
É pela plenitude da tua
bondade que as criaturas subsistem, para que um bem, para ti de todo inútil, ou
de nenhum modo igualável a ti, embora saído de ti, continuasse a existir, pois
tu o criaste. Com efeito, que poderiam merecer de ti o céu e a terra, que
criaste no princípio? E digam, as naturezas espirituais e corpóreas, que
méritos tinham a teus olhos, que as criaste na tua Sabedoria? Que méritos, para
receber de ti o ser, que mostram inacabado e informe, quando tendem à desordem
e se afastam da tua semelhança? O que é de natureza espiritual, mesmo informe,
é ainda superior a um corpo que recebeu forma; um corpo sem forma é superior ao
puro nada; ora, todas essas coisas continuariam informes no teu Verbo, se essa
mesma palavra não as recolhesse à tua Unidade, comunicando-lhes a forma e a
excelência graças apenas a ti, soberano Bem. Mas que merecimentos antecipados
apresentaram aos teus olhos, para existir mesmo informes essas criaturas que,
sem que as criasses nem teriam existido?
E o que a matéria corporal
merecera de ti para existir, mesmo invisível e caótica? Nem mesmo essa
existência teria, se não as tivesses criado. Não existindo ainda, não podia ter
merecimento algum para existir. E a criatura espiritual, ainda no estado
embrionário, que títulos teria, mesmo para ser essa coisa vagante e tenebrosa,
semelhante ao abismo, diferente de ti, se pelo teu Verbo não fosse conduzida ao
mesmo Verbo que a criou e se, iluminada por ele, também não se transformasse em
luz, não igual, mas análoga à tua imagem? Para um corpo, não é a mesma coisa
existir e ser belo, pois de outro modo não poderia viver e viver sabiamente não
são a mesma coisa, porque, se fosse, todo espírito seria imutável na sua
sabedoria.
Mas o seu bem reside em se
manter unido a ti, para não perder, afastando-se, a luz que adquiriu com a tua
proximidade, tornando a cair numa vida semelhante a um abismo de trevas.
E também nós, que por
nossa alma somos criaturas espirituais, nós nos afastamos de ti, nossa luz, nós
fomos outrora trevas nesta vida e ainda padecemos por entre os restos das
nossas trevas, até que nos tornamos a tua justiça no teu Filho único, como as
montanhas de Deus. Pois fomos objecto do teus juízos, que são profundos como
abismos.
CAPÍTULO
III
A
luz
Sobre as palavras que
proferiste no começo da criação: “Faça-se a luz, e a luz foi feita” – eu
entendo que se adaptam com propriedade à criatura espiritual, que já era uma
espécie de via apta a receber a tua luz. Mas assim como ela não tinha merecido
de ti ser essa espécie de vida apta a receber a luz, do mesmo modo, uma vez
criada, ela como as demais formas não mereceu de ti essa iluminação. Porque a
sua informidade não te agradaria se não tivesse tornado luz, e isso não se
contentando com existir, mas contemplando a luz que a iluminava, unindo-se
intimamente a ela. Assim, ela devia a existência e o viver feliz apenas à tua
graça; voltada, por uma escolha feliz, para o que não pode mudar nem para
melhor, nem para pior. Voltou-se para ti, que és o único que existes, e só o
teu ser é simples, pois o viver e a felicidade são para ti a mesma coisa,
porque és tua própria felicidade.
CAPÍTULO
IV
A
bondade criadora
Que faltaria, pois, a esse
bem, que és tu mesmo, se nenhuma dessas criaturas existisse, ou se tivessem
permanecido informes? Tu as criaste, não por ter necessidade delas, nem para
aumentar a tua felicidade, mas levado pela plenitude da tua bondade,
comunicando-lhes uma forma.
Na tua perfeição, desagrada-te
a sua imperfeição; tu as aperfeiçoas para que elas te agradem, e não, com isso,
aperfeiçoar-te a ti mesmo.
Com efeito, o teu Espírito
bom pairava sobre as águas, e não era por elas levado como se nelas
descansasse. Diz-se que o teu Espírito nelas repousava; mas era ele que as
fazia em si.
Incorruptível, imutável,
bastando-se a si mesma, a tua vontade era suspensa acima da vida que tinhas
criado, para a qual viver não é o mesmo que viver feliz, porque ela vive, mesmo
quando flutua sobre as trevas. Esta vida carece ainda de se voltar para o seu
Criador, para viver cada vez mais próxima da fonte da vida, para ver a luz na
Luz divina, e nela haurir perfeição, brilho e felicidade.
CAPÍTULO
V
A
trindade
Mas eis que me aparece o
enigma da Trindade que és, meu Deus. Porque tu, Pai, criaste o céu e a terra no
princípio da nossa Sabedoria, que é a tua Sabedoria, nascida de ti, igual e
co-eterna, a ti, isto é, no teu Filho.
Já falei longamente do
céu, da terra invisível e informe e do abismo das trevas, onde a natureza
espiritual errante e fluida permaneceria tal se não se voltasse para Aquele de
quem toda vida procede, para que, por meio da sua luz, se tornasse viva e bela,
o céu do céu, criado mais tarde entre a água superior e a água inferior.
Pelo vocábulo “Deus” eu já
entendia o Pai, que criou essas coisas; na palavra “princípio” eu entendia o
Filho, em quem ele as criou. E, como eu acreditava na Trindade do meu Deus, eu
procurava-a nas tuas santas palavras. E vi nas tuas Escrituras que o teu Espírito
pairava sobre as águas. Eis a tua Trindade, meu Deus, Pai, Filho, Espírito
Santo, Criador de toda criatura!
CAPÍTULO
VI
O
espírito sobre as águas
Mas, ó luz da verdade,
aproximo de ti o meu coração para que ele não me ensine falsidades; dissipa-lhe
as trevas e diz-me, eu to suplico por nossa mãe, a caridade, diz-me, por que só
depois de ter nomeado o céu, a terra invisível e informe e as trevas sobre o
abismo, por que só então é que as Escrituras falam do teu Espírito? Será porque
convinha apresentá-lo assim pairando sobre alguma coisa? E seria isso possível
se não mencionasse primeiro sobre o que pairava? De facto, não era sobre o Pai
nem sobre o Filho que ele pairava, e seria impróprio falar assim se não
pairasse sobre alguma coisa.
Era pois, necessário,
mencionar primeiro o elemento sobre o qual ele pairava, já que convinha falar
dele apenas dizendo que pairava. Mas por que não convinha apresentá-lo senão
dizendo que pairava?
CAPÍTULO
VII
As
águas sem substância
Agora, quem o puder com a
inteligência, siga ao teu Apostolo, quando ele diz que a tua caridade se
difundiu nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado, quando nos
instrui sobre as coisas espirituais e nos indica o caminho excelso da caridade,
e dobra o joelho diante de ti por nossa causa, para que conheçamos a ciência
altíssima da caridade de Cristo. E é porque era super eminente desde o
princípio que pairava sobre as águas.
A quem e como falarei do
peso da concupiscência, que nos arrasta para um abismo profundo, e da caridade
que nos eleva, com a ajuda do teu Espírito, que pairava sobre as águas?
A quem falar, como falar?
Nós submergimos e emergimos, mas não em abismos materiais. A metáfora é a um
tempo correcta e muito inexacta. São as nossas paixões, os nossos amores, a
impureza do nosso espírito que nos arrasta para baixo sob o peso das preocupações.
E é a tua santidade que nos eleva pelo amor da tua paz, para que levantemos os
nossos corações para junto de ti, onde o teu Espírito paira sobre as águas, e
alcancemos o sublime repouso, quando a nossa alma tiver atravessado essas águas
que são sem substância.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)