Art.
2 — Se era possível outro modo da libertação humana que não fosse a paixão de
Cristo.
O segundo discute-se assim. — Parece que não
era possível outro modo da libertação humana que não fosse a paixão de Cristo.
1. — Pois, diz o Senhor: Se o grão de trigo que cai na terra não
morrer fica ele só; mas se ele morrer produz muito fruto. E Agostinho
explica, que ele se considerava como o
grão. Se, portanto, não tivesse sofrido a morte, não teria de outro modo
produzido da nossa libertação.
2. Demais. — Como lemos no Evangelho,
o Senhor diz ao Pai: Meu Pai, se este
cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. Ora,
refere-se ao cálice da paixão. Logo, a paixão de Cristo não podia ser evitada.
E por isso diz Hilário: Esse cálice não
podia passar sem que ele o bebesse porque não podemos ser resgatados senão pela
sua paixão.
3. Demais. — A justiça de Deus exigia
que o homem fosse liberado do pecado, mediante a satisfação de Cristo, pela sua
paixão. Ora, Cristo não podia evitar a paixão, como o diz o Apóstolo: Se não cremos, ele permanece fiel; não pode
negar-se a si mesmo. Mas negar-se-ia a si mesmo, se negasse a sua justiça, pois
ele é a própria justiça. Logo, parece que não era possível o homem ser
liberado de outro modo senão pela paixão de Cristo.
4. Demais. — A fé é incompatível com
todo e qualquer erro. Ora, os antigos Patriarcas acreditavam que Cristo haveria
de sofrer. Logo, parece que era inevitável, que Cristo sofresse.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Afirmamos que é bom e consentâneo com a
dignidade divina o modo pelo qual o mediador entre Deus e os homens, o homem
Jesus Cristo, Deus, se dignou libertar-nos. Contudo, mostremos também, que Deus
dispunha ainda de outros modos possíveis, ao poder de quem todas as causas
estão igualmente sujeitas.
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos dizer
que uma coisa é possível ou impossível. Primeiro, simples e absolutamente
falando; de outro modo, por hipótese. - Ora, simples e absolutamente falando,
era possível a Deus libertar o homem de outro modo que não pela paixão de
Cristo; pois, como diz o Evangelho, a
Deus nada é impossível. Mas, hipoteticamente falando, era impossível. Pois,
sendo impossível a presciência de Deus enganar-se e a sua vontade ou disposição
anular-se, não era simultaneamente possível, suposta a presciência de Deus e a
sua preordenação, relativamente à paixão de Cristo, este não sofrer e o homem ser
liberado por outro modo do que pela sua paixão. E devemos dizer o mesmo de quanto
o de que Deus tem presciência e que preordena, como na Primeira Parte ficou
preestabelecido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O Senhor nesse lugar, fala, suposta a presciência e a preordenação de Deus,
pela qual fora ordenado que o fruto da salvação humana não resultaria senão da
paixão de Cristo. E do mesmo modo devemos entender o texto citado na SEGUNDA
OBJECÇÃO: Se este cálice não pode passar
sem que eu o beba, isto é, porque tu assim o dispuseste. E por isso
acrescenta: Faça-se a tua vontade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Também a
referida justiça depende da vontade divina, que exige do género humano uma
satisfação pelo pecado. Mas, se quisesse, sem qualquer satisfação, libertar o
homem do pecado, não agiria contra a justiça. Pois, o juiz que deve punir a
culpa atribuída contra terceiros - por exemplo, contra outra pessoa, ou contra
toda a república ou contra um chefe elevado em dignidade - não pode, por dever
de justiça, demitir a culpa sem a pena. Mas, Deus não tem nenhum superior,
sendo ele o bem supremo e comum de todo o universo. Logo, demitindo o pecado
que por natureza é culposo, porque ofende a Deus, não lesa ninguém: assim como
quem quer perdoa uma ofensa contra si cometida, sem nenhuma satisfação, age
misericordiosa e não injustamente. Por isso David, implorando misericórdia,
dizia: Contra ti só pequei; como se
dissesse: Podes perdoar-me sem injustiça.
RESPOSTA À QUARTA. — A fé humana e
também as divinas Escrituras, em que se funda a fé, apoiam-se na presciência e
na ordenação divina. Por isso a necessidade procedente da suposição da fé
humana e das divinas Escrituras, e a da presciência e vontade divinas, têm a
mesma razão.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.