Art.
4 — Se Cristo devia ensinar a sua doutrina por escrito.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo
não devia ensinar a sua doutrina por escrito.
1. — Pois, a escrita foi inventada
para, no futuro, gravar a doutrina na memória. Ora, a doutrina de Cristo devia
durar eternamente, segundo o Evangelho: Passará
o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Logo, parece que
Cristo devia ter ensinado a sua doutrina por escrito.
2. Demais. — A lei antiga foi uma
figura de Cristo, segundo o Apóstolo: A
lei tendo a sombra dos bens futuros. Ora, a lei antiga foi escrita por
Deus, segundo a Escritura: Dar-te-ei duas
tabuas de pedra e a lei e os mandamentos que eu escrevi. Logo, parece que
também Cristo devia ter escrito a sua doutrina.
3. Demais. — A Cristo, que veio alumiar os que vivem nas trevas e na sombra da morte,
como diz o Evangelho, pertencia eliminar as ocasiões de erro e abrir o caminho
à fé. Ora, faria tal escrevendo a sua doutrina. Assim, diz Agostinho: Alguns costumam achar dificuldade no facto
do Senhor nada ter escrito, de modo que devamos crer no que os outros dele
escreveram. E quem isso diz são sobretudo os pagãos, que, não ousando culpar
Cristo ou blasfemar contra Ele, lhe atribuem uma sabedoria excelentíssima, mas
como a homem. E dizem que os discípulos atribuíram ao mestre mais do que lhe
era devido, quando afirmavam que era o Filho e o Verbo de Deus, por quem foram
feitas todas as coisas. E depois acrescenta: Estão prontos a crer o que o próprio Cristo disse de si e não o que
outros arbitrariamente lhe atribuíram. Logo, parece que Cristo devia ele
próprio transmitir a sua doutrina por escrito.
Mas, em contrário, entre as Escrituras
canónicas, não há nenhum livro escrito por ele.
Cristo não devia ter
deixado a sua doutrina por escrito. — Primeiro, por causa da sua dignidade.
Pois, tanto mais excelente é quem ensina tanto mais excelente deve ser o seu
modo de ensinar. Sendo, portanto Cristo o mais excelente dos doutores, o seu
modo de ensinar devia consistir em imprimir a sua doutrina no coração dos
ouvintes. E por isso diz o Evangelho, que ele os ensinava como quem tinha autoridade. Assim também entre os gentios,
Pitágoras e Sócrates, que foram excelentíssimos doutrinadores, nada quiseram
escrever. Pois, a escrita tem como fim a impressão da doutrina no coração dos
ouvintes. — Segundo, por causa da excelência da doutrina de Cristo, que não
pode ser abrangida pela escrita, segundo o Evangelho: Muitas outras causas porém há ainda, que Jesus fez; as quais se
escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros
que delas se houvessem de escrever. O
que não significa que devemos crer, como diz Agostinho, não pudesse o mundo conter tais livros, localmente falando, mas que
talvez não pudesse compreendê-los a capacidade dos leitores. Se, porém,
Cristo tivesse deixado a sua doutrina por escrito, os homens não a julgariam
senão pelo que estava escrito. — Terceiro, para que a doutrina dele promanada
chegasse a todos numa certa ordem, de modo que sendo primeiro os discípulos os
ensinados, ensinassem depois aos outros com as suas palavras e os seus
escritos. Se, ao contrário, ele próprio tivesse, escrito, a sua doutrina
chegaria a todos imediatamente. Por isso a Escritura diz da sabedoria de Deus: Enviou as suas escravas a chamar à fortaleza.
Devemos, porém saber que, como refere
Agostinho, alguns gentios pensavam que
Cristo tinha escrito alguns livros que continham mágicas com as quais fazia
milagres, condenados pela doutrina cristã. É contudo os que afirmam ter lido
esses tais livros de Cristo os que não fazem nada de comparável ao que admiram
que ele com tais livros tivesse feito. E por juízo divino erram, a ponto de
dizerem que esses tais livros eram dedicados a Pedro e a Paulo, porque em
vários passos viram esses apóstolos pintados em companhia de Cristo. Nem é de
espantar se foram enganados esses falsários pelas figuras pintadas. Pois,
durante todo o tempo em que Cristo viveu em corpo mortal, com os seus
discípulos, Paulo ainda não era do número deles.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Agostinho no mesmo livro, Cristo é a cabeça de todos os seus
discípulos, como membros do seu corpo. Por isso, o que eles relataram como
ensinado e dito por ele, não devemos dizer de nenhum modo que não o tivesse ele
próprio escrito. Pois, às vezes os seus membros fizeram o que sabiam que o
chefe mandou. Assim, todos os seus factos e ditos que quis que nós lêssemos,
mandou-os escrever, como se ele próprio o tivesse escrito.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Por ter a lei
antiga sido dada sob figuras sensíveis, também foi convenientemente escrita com
sinais sensíveis. Mas a doutrina de Cristo, que é a lei do Espírito de vida,
devia ter sido escrita, não com tinta, mas com o espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de
carne do coração, como diz o Apóstolo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os que não
quiseram crer no que os Apóstolos escreveram de Cristo não acreditariam nem
mesmo no que o próprio Cristo escrevesse; de quem opinavam que fazia milagres
por meio de artes mágicas.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.