24/03/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Quaresma

Semana Santa

Evangelho: Lc 4, 16-21

16 Foi a Nazaré, onde Se tinha criado, entrou na sinagoga, segundo o Seu costume, em dia de sábado, e levantou-Se para fazer a leitura. 17 Foi-Lhe dado o livro do profeta Isaías. Quando desenrolou o livro, encontrou o lugar onde estava escrito: 18 “O Espírito do Senhor repousou sobre Mim; pelo que Me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres; Me enviou para anunciar a redenção aos cativos, e a recuperação da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, 19 a pregar um ano de graça da parte do Senhor”. 20 Tendo enrolado o livro, deu-o ao encarregado, e sentou-Se. Os olhos de todos os que se encontravam na sinagoga estavam fixos n'Ele. 21 Começou a dizer-lhes: «Hoje cumpriu-se este passo da Escritura que acabais de ouvir».

Comentário:


Nos “trabalhos” de apostolado deparamo-nos muitas vezes com o sentimento de vergonha ou, antes, hesitação perante um falso dilema que se nos coloca: Conhecem-me, sabem quem sou… levar-me-ão a sério? 
Não estranharão que fale e me apresente como uma espécie de “pregador”, eu…  que sou uma pessoa normal e corrente? 
Como dizia é um falso dilema por duas razões principais: 
A primeira reside no facto de que o que dizemos não é da nossa “lavra” mas sim sobre a Doutrina da Igreja; 
A segunda porque se de facto nos conhecem sabem muito bem o que fazemos e a forma como tentamos proceder e estranharão – isso sim – que não lhes falemos do que para nós é principal e importante. 
Mas, evidentemente, o que importa é que o que dissermos esteja de acordo com o que fazemos e praticamos. 
Só assim mereceremos credibilidade.

(ama, comentário sobre Lc 4, 16-30, 2015.08.31)

Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO - CONFISSÕES

CAPÍTULO VII

Ainda a origem do mal

Deste modo, ó meu auxílio, já me tinhas libertado daqueles grilhões. Contudo eu buscava ainda a origem do mal, e não encontrava solução. Mas não permitias que as vagas do meu pensamento me apartassem da fé. Fé na tua existência, na tua substância imutável, na tua providência para os homens, e na tua justiça que os julgará. Já acreditava que traçaste o caminho da salvação dos homens, rumo à vida que sobrevém depois da morte, em Cristo, teu Filho e Senhor nosso, e nas Sagradas Escrituras, recomendadas pela autoridade da tua Igreja Católica.

Salvas e fortemente arraigadas estas verdades em meu espírito, buscava eu ansiosamente a origem do mal. E que tormentos, como que de parto, eram aqueles do meu coração! Que gemidos, meu Deus! E ali estavam os teus ouvidos atentos, e eu não o sabia. Quando, em silêncio, me esforçava em pacientes buscas, altos clamores se elevavam até à tua misericórdia: eram as silenciosas angústias da minha alma.

Só Tu sabes o que eu padecia, mas homem algum o sabia. De facto, quão pouco era o que minha palavra transmitia aos meus amigos mais íntimos! Chegava-lhes, porventura, o tumulto da minha alma, que nem o tempo, nem as palavras bastavam para declarar? Contudo, chegavam aos teus ouvidos as queixas que no meu coração rugiam, e meu desejo estava diante de ti, mas a luz dos meus olhos não estava contigo, porque ela estava dentro, e eu olhava para fora. Não ocupava espaço algum, e eu só pensava nas coisas que ocupam lugar, e não achava nelas lugar de descanso, nem me acolhiam de modo que pudesse dizer: “Basta, Aqui estou bem!” – Nem me permitiam que eu fosse para onde me sentisse satisfeito. Eu era superior a estas coisas, mas sempre inferior a ti. Serias a minha verdadeira alegria se eu te fosse submisso, pois sujeitasse a mim tudo o que criaste inferior a mim. Tal seria o justo equilíbrio e a região central da minha salvação: permanecer como imagem tua, e servindo-te, ser o senhor do meu corpo. Mas, como me levantei soberbamente contra ti, investindo contra o meu Senhor coberto com o escudo da minha dura cerviz, até mesmo as criaturas inferiores se fizeram superiores a mim, e me oprimiam, e não me davam um momento de alívio e de descanso.

Quando as olhava, elas vinham-me ao encontro atabalhoadamente de todos os lados; mas quando nelas me concentrava, tais imagens corporais barravam-me para que me retirasse, como se me dissessem: “Para onde vais, indigno e impuro?” E estas recobravam forças com a minha chaga, porque humilhaste o soberbo como a um homem ferido. A minha presunção separava-me de ti, e o meu rosto de tão inchado, fechava os meus olhos.

CAPÍTULO VIII

A piedade de Deus

Mas tu, Senhor, permaneces eternamente, e não te iras eternamente contra nós, porque te compadeceste da terra e do pó, e foi do teu agrado corrigir as minhas deformidades. Tu aguilhoavas-me com estímulos interiores para que estivesse impaciente, até que por uma visão interior, te tornasses para mim uma certeza. O inchaço do meu orgulho baixava graças à mão secreta da tua medicina; a vista da minha alma, perturbada e obscurecida, ia sarando dia a dia graças ao colírio das dores salutares.

CAPÍTULO IX

Agostinho e o neoplatonismo

Primeiramente, querendo tu mostrar-me como resistes aos soberbos e dás a tua graça aos humildes, e com quanta misericórdia ensinaste aos homens o caminho da humildade, por se ter feito carne o teu Verbo, e ter habitado entre os homens, me fizeste chegar às mãos por meio de um homem inchado de monstruoso orgulho, alguns livros dos platónicos, traduzidos do grego para o latim.

Neles eu li – não com estas palavras, mas substancialmente o mesmo e expresso com muitos e diversos argumentos – que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Este estava desde o princípio em Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada foi feito do que foi feito. O que foi feito é vida nele, e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a compreenderam. Diziam também que a alma do homem, embora dê testemunho da luz, não é a luz, mas o Verbo, Deus, é a verdadeira luz, que ilumina a todo o homem que vem a este mundo. E que neste mundo estava, e que o mundo é criatura sua, e que o mundo não o conheceu.

E que ele veio para a sua morada, e que os seus não o receberam, e que a quantos o receberam deu o poder de se fazerem filhos de Deus, desde que acreditem no seu nome, isto não o li nesses livros.

Também li neles que o Verbo, Deus, não nasceu da carne nem do sangue, nem da vontade do varão, mas de Deus. Mas que o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, isso não o li naqueles livros.

Igualmente achei nesses livros, dito de diversos e múltiplos modos, que o Filho, consubstancial ao Pai, não considerou usurpação ser igual a Deus, porque o é por natureza. Não dizem porém que se aniquilou a si mesmo, tomando a forma de escravo, que se fez semelhante aos homens, sendo julgado homem por seu exterior; e que se humilhou, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz, pelo que Deus o ressuscitou entre os mortos, e lhe deu um nome acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobrem todos os joelhos no céu, na terra e no inferno, e toda língua confesse que o Senhor Jesus está na glória de Deus Pai.

Neles se diz também que antes e sobre todos os tempos, o teu Filho único permanece imutável, eterno consigo, e que da sua plenitude recebem as almas para sua bem-aventurança e que, para serem sábias, são renovadas participando da sabedoria que permanece em si mesma.

Mas não se encontra escrito ali que morreu, no tempo marcado, pelos ímpios, e que não perdoaste ao teu Filho único, mas que o entregaste por todos nós. Porque escondeste estas coisas aos sábios e as revelastes aos humildes, a fim de que os atribulados e sobrecarregados viessem a ele, para que os reconfortasse, porque ele é manso e humilde de coração. Dirige os pequenos na justiça e ensina aos mansos o seu caminho, vendo na nossa humildade e no nosso trabalho, e perdoando todos os nossos pecados.

Mas aqueles que, erguendo-se sobre uma doutrina, digamos, mais sublime, não ouvem ao que lhes diz: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas. E ainda que conheçam a Deus, não o glorificam como Deus, nem lhe dão graças, mas se desvanecem nos seus pensamentos, e o seu coração insensato obscurece-se; e dizendo que são sábios, tornam-se estultos.

E por isso lia também nesses livros que a glória da tua natureza incorruptível tinha sido transformada em ídolos e simulacros de todo tipo, à semelhança da imagem do homem corruptível, das aves, dos quadrúpedes e serpentes. Isto é, naquele alimento do Egipto pelo qual Esaú perdeu a sua primogenitura. Israel, teu povo primogénito, voltando o coração para o Egipto, honrou em teu lugar a cabeça de um quadrúpede, curvando a tua imagem, isto é, a própria alma, diante da imagem de um bezerro comendo feno.

É o que encontrei nesses livros, mas delas não me alimentei, porque agradou-te, Senhor, tirar de Jacob o opróbrio da sua inferioridade, para que o maior servisse ao menor, chamando os gentios para a tua herança.

Também eu vinha dentre os gentios para ti, e interessei-me pelo ouro que, por tua vontade, o teu povo trouxera do Egipto, pois era teu onde quer que estivesse. E disseste aos atenienses, pela boca do teu Apóstolo, que em ti vivemos, nos movemos e temos nosso ser, como alguns deles o disseram, e é deles que vinham os livros que me ocupavam. Mas não me fixei nos ídolos dos egípcios, aos quais sacrificavam, com o teu ouro, os que mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo antes à criatura do que ao Criador.


(Revisão de versão portuguesa por ama

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