Art.
4 — Se Cristo viveu segundo a lei.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo
não viveu segundo a lei.
1. — Pois, a lei ordenava que nenhuma
obra se fizesse no Sábado, assim como Deus descansou no sétimo dia de toda obra
que fizera. Ora, Cristo curou um homem no Sábado e mandou-o levar o seu leito.
Logo, parece que não viveu segundo a lei.
2. Demais. — Cristo fez o que ensinou,
segundo a Escritura: Jesus começou a
fazer e a ensinar. Mas, ele próprio ensinou que não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem, o que vai
contra o preceito da lei, que dizia tornar-se o homem imundo por comer certos
animais e ter contacto com eles. Logo, parece que não viveu segundo a lei.
3. Demais. — Julgamos do mesmo modo
tanto quem faz como quem consente, conforme o Apóstolo: Não somente os que estas coisas fazem, senão também os que consentem
aos que as fazem. Ora, Cristo consentiu desculpar os seus discípulos
transgredirem a lei, quando arrancavam as espigas no sábado. Logo, parece que
Cristo não viveu segundo a lei.
Mas, em contrário, o Evangelho: Não julgueis que vim destruir a lei ou os
profetas. Expondo o que, Crisóstomo diz: Cumpriu a lei - primeiro, por não ter transgredido nenhuma das suas
injunções; segundo, justificando pela fé, o que a letra da lei não podia fazer.
Cristo conformou totalmente
a sua vida aos preceitos da lei. E para prová-la, quis circuncidar-se: ora, a
circuncisão é uma demonstração de cumprimento da lei, segundo o Apóstolo: Protesto a todo homem que se circuncida que
está obrigado a guardar toda a lei. - Ora, Cristo quis viver obediente à
lei: primeiro para assim aprovar a lei antiga. - Segundo, a fim de,
observando-a, consumá-la em si mesmo e terminá-la, mostrando como ela a si se
ordenava. - Terceiro, para não dar aos judeus ocasião de caluniá-lo. - Quarto,
para livrar os homens da escravidão da lei, segundo o Apóstolo: Enviou Deus a seu Filho, feito sujeito à
lei, a fim de remir aqueles que estavam debaixo da lei.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Nessa matéria, o Senhor desculpa-se de haver transgredido a lei por três
razões. - Primeiro, porque o preceito da santificação do sábado não proíbe as
obras divinas, mas, as humanas. Assim, embora Deus tivesse cessado de produzir
novas criaturas no sétimo dia, sempre porém a sua acção aparece na conservação
e no governo das coisas. Ora, os milagres operados por Cristo eram obras
divinas. Donde o dizer o Evangelho: Meu Pai
até agora não cessa de obrar e eu obro também incessantemente. - Segundo, desculpa-se
por não proibir o referido preceito as obras necessárias à saúde do corpo.
Assim, ele próprio o disse: Não desprende
cada um de vós nos sábados o seu boi ou o seu jumento e não os tira da estrebaria
para os levar a beber? E mais adiante: Quem
há de entre vós que se o seu jumento ou o seu boi cair num poço em dia de
sábado, o não tire logo no mesmo dia? Ora, é manifesto que as obras
milagrosas, feitas por Cristo, tinham em vista a saúde do corpo e da alma. -
Terceiro, porque esse preceito não proíbe as obras relativas ao culto de Deus.
Donde o dizer o Evangelho: Ou não tendes
lido na lei que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o sábado e
ficam sem pecado? E noutro lugar diz que recebe um homem a circuncisão em
dia de Sábado. Quanto ao facto de Cristo ter mandado ao paralítico levar o seu
leito, no Sábado, isso era em vista do culto a Deus, isto é, para louvor da
virtude divina. - Donde é claro que não violava a lei do Sábado; embora os
judeus falsamente lho exprobrassem, quando diziam: Este homem, que não guarda o Sábado não é de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Com as palavras
citadas, Cristo quis mostrar que a alma do homem não se torna imunda pelo uso
de nenhuns alimentos, quanto à própria natureza deles, senão só quanto a algum
significado que tenham. Por isso, diz Agostinho: A quem perguntar se o porco e o cordeiro são de natureza pura,
respondemos que toda criatura de Deus é pura; mas, em certo sentido, o cordeiro
é puro e o porco, impuro.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Também os
discípulos, quando, por terem fome, arrancaram as espigas ao Sábado, ficam desculpados
da transgressão à lei, pela necessidade da fome; assim como David não foi
transgressor da lei quando, urgido pela fome, comeu os pães que lhes era ilícito
comer.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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