Celibato eclesiástico:
História e fundamentos teológicos [i]
III.
Desenvolvimento do tema da continência na Igreja latina
O
testemunho da Igreja de Roma
No contexto do testemunho
Africano sobre o celibato, já escutamos uma voz muito autorizada por parte de
Roma: o legado pontifício Faustino que manifestou em Cartago a plena
correspondência de Roma sobre essa questão, suscitada ali incidentalmente.
Roma, aliás, já tinha
enviado uma carta aos bispos da África, na época do Papa Sirício, que
comunicava as decisões do Sínodo Romano de 386, nas que se insistia novamente
em algumas importantes disposições apostólicas. Esta carta tinha sido
comunicada durante o Concílio de Telepte do ano 418. A última parte da mesma
(can. 9.) trata precisamente da continência do clero.
Com esse documento,
introduzimo-nos no segundo conjunto de testemunhos sobre o celibato – presentes
nas disposições dos Romanos Pontífices sobre esse tema – que tem claramente um
maior peso, não só quanto à consciência da tradição observada pela Igreja
Universal, mas também para o desenvolvimento posterior e para a observância do
celibato clerical.
Uma afirmação geral sobre
a importância da posição de Roma sobre qualquer assunto e, portanto, também
sobre o celibato, é proveniente de Santo Irineu, que, tendo sido discípulo de
São Policarpo, estava relacionado com a tradição joanica que ele – como bispo
de Lião, a partir do ano 178 – transmitia também para a Igreja na Europa. Se na
sua principal obra “Contra as heresias”
afirma que a tradição apostólica é preservada na Igreja de Roma, fundada pelos
apóstolos Pedro e Paulo, e é por isso que todas as outras igrejas devem concordar
com ela, podemos dizer que isso vale também para a tradição sobre a continência
dos eclesiásticos.
Os primeiros testemunhos
explícitos a respeito provêm de dois Papas: Sirício e Inocêncio I. Ao
predecessor do primeiro, o Papa Dâmaso, tinha sido apresentado pelo bispo
Himério de Tarragona algumas questões às quais só o seu sucessor, ou seja,
Sirício, tinha dado uma resposta. Quando perguntado sobre a obrigação dos clérigos
maiores à continência, o Papa respondeu na Carta
Directa, em 385, dizendo que os sacerdotes e diáconos que, depois da Ordenação,
geram filhos, actuam contrariamente a uma lei irrenunciável, que obriga aos
clérigos maiores desde o início da Igreja. A apelação ao facto de que no Antigo
Testamento, os sacerdotes e levitas podiam usar do matrimónio, fora do tempo do
seu serviço no Templo, foi refutada pelo Novo Testamento, no qual os clérigos
maiores devem prestar culto sagrado todos os dias; por isso a partir do dia da
sua ordenação, deve viver continuamente a continência.
Uma segunda carta do mesmo
Papa, referindo-se à mesma questão e que já a mencionamos, é a enviada aos
bispos africanos em 386, que relatou as deliberações de um Sínodo Romano. Essa
carta é especialmente ilustrativa sobre o tema do celibato. O Papa assinalou,
acima de tudo, que os pontos tratados no Sínodo não se referem a novas
obrigações, mas sim a pontos de fé e de disciplina, que, por causa da preguiça
e da inércia de alguns, têm sido negligenciados. Devem, portanto, ser
revitalizados, pois, segundo as palavras da Sagrada Escritura, “Sê forte e
observa as nossas tradições que recebestes, quer oralmente, quer por escrito” [ii],
trata-se de disposições dos Padres Apostólicos. O Sínodo Romano é, portanto,
consciente de que as tradições recebidas apenas oralmente são vinculativas. E
aludindo ao juízo divino, observa que todos os bispos católicos devem observar
nove disposições que são enumeradas.
A nove delas é exposta com
detalhes: “os sacerdotes e levitas não
devem ter relações sexuais com suas esposas, porque devem estar ocupados
diariamente com o seu ministério sacerdotal”. São Paulo escreveu aos
Coríntios que eles deviam se abster das relações sexuais para se dedicar à
oração. Se aos leigos a continência é imposta, a fim de serem ouvidos na sua
oração, com muito maior razão deve estar disposto em todo momento o sacerdote
para oferecer, com castidade verdadeira, o Sacrifício e para administrar o Baptismo.
Depois de outras considerações ascéticas, é rejeitada – que eu saiba, pela
primeira vez no Ocidente – pelos oitenta bispos reunidos, uma objecção, ainda
hoje viva, que visa provar à continuidade no uso do matrimónio com base nas
palavras do Apóstolo São Paulo segundo as quais, o candidato às Sagradas
Ordens, só podia ter estado casado uma vez. Essas palavras, apontaram os
bispos, não querem dizer que se pode continuar vivendo na concupiscência e
gerando filhos, mas foram precisamente ditas em favor da futura continência. É
ensinado, por conseguinte, oficialmente – e será repetido continuamente – que
as segundas núpcias ou o matrimónio com uma viúva, não oferecem segurança de
continência futura. A carta conclui com uma exortação a obedecer estas
disposições que estão sustentadas pela tradição.
(cont)
(revisão da tradução
portuguesa por ama)
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