09/02/2016

Jesus Cristo e a Igreja – 102

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos [i]

III. Desenvolvimento do tema da continência na Igreja latina

O testemunho da Igreja de Roma

No contexto do testemunho Africano sobre o celibato, já escutamos uma voz muito autorizada por parte de Roma: o legado pontifício Faustino que manifestou em Cartago a plena correspondência de Roma sobre essa questão, suscitada ali incidentalmente.
Roma, aliás, já tinha enviado uma carta aos bispos da África, na época do Papa Sirício, que comunicava as decisões do Sínodo Romano de 386, nas que se insistia novamente em algumas importantes disposições apostólicas. Esta carta tinha sido comunicada durante o Concílio de Telepte do ano 418. A última parte da mesma (can. 9.) trata precisamente da continência do clero.
Com esse documento, introduzimo-nos no segundo conjunto de testemunhos sobre o celibato – presentes nas disposições dos Romanos Pontífices sobre esse tema – que tem claramente um maior peso, não só quanto à consciência da tradição observada pela Igreja Universal, mas também para o desenvolvimento posterior e para a observância do celibato clerical.
Uma afirmação geral sobre a importância da posição de Roma sobre qualquer assunto e, portanto, também sobre o celibato, é proveniente de Santo Irineu, que, tendo sido discípulo de São Policarpo, estava relacionado com a tradição joanica que ele – como bispo de Lião, a partir do ano 178 – transmitia também para a Igreja na Europa. Se na sua principal obra “Contra as heresias” afirma que a tradição apostólica é preservada na Igreja de Roma, fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo, e é por isso que todas as outras igrejas devem concordar com ela, podemos dizer que isso vale também para a tradição sobre a continência dos eclesiásticos.
Os primeiros testemunhos explícitos a respeito provêm de dois Papas: Sirício e Inocêncio I. Ao predecessor do primeiro, o Papa Dâmaso, tinha sido apresentado pelo bispo Himério de Tarragona algumas questões às quais só o seu sucessor, ou seja, Sirício, tinha dado uma resposta. Quando perguntado sobre a obrigação dos clérigos maiores à continência, o Papa respondeu na Carta Directa, em 385, dizendo que os sacerdotes e diáconos que, depois da Ordenação, geram filhos, actuam contrariamente a uma lei irrenunciável, que obriga aos clérigos maiores desde o início da Igreja. A apelação ao facto de que no Antigo Testamento, os sacerdotes e levitas podiam usar do matrimónio, fora do tempo do seu serviço no Templo, foi refutada pelo Novo Testamento, no qual os clérigos maiores devem prestar culto sagrado todos os dias; por isso a partir do dia da sua ordenação, deve viver continuamente a continência.
Uma segunda carta do mesmo Papa, referindo-se à mesma questão e que já a mencionamos, é a enviada aos bispos africanos em 386, que relatou as deliberações de um Sínodo Romano. Essa carta é especialmente ilustrativa sobre o tema do celibato. O Papa assinalou, acima de tudo, que os pontos tratados no Sínodo não se referem a novas obrigações, mas sim a pontos de fé e de disciplina, que, por causa da preguiça e da inércia de alguns, têm sido negligenciados. Devem, portanto, ser revitalizados, pois, segundo as palavras da Sagrada Escritura, “Sê forte e observa as nossas tradições que recebestes, quer oralmente, quer por escrito” [ii], trata-se de disposições dos Padres Apostólicos. O Sínodo Romano é, portanto, consciente de que as tradições recebidas apenas oralmente são vinculativas. E aludindo ao juízo divino, observa que todos os bispos católicos devem observar nove disposições que são enumeradas.
A nove delas é exposta com detalhes: “os sacerdotes e levitas não devem ter relações sexuais com suas esposas, porque devem estar ocupados diariamente com o seu ministério sacerdotal”. São Paulo escreveu aos Coríntios que eles deviam se abster das relações sexuais para se dedicar à oração. Se aos leigos a continência é imposta, a fim de serem ouvidos na sua oração, com muito maior razão deve estar disposto em todo momento o sacerdote para oferecer, com castidade verdadeira, o Sacrifício e para administrar o Baptismo. Depois de outras considerações ascéticas, é rejeitada – que eu saiba, pela primeira vez no Ocidente – pelos oitenta bispos reunidos, uma objecção, ainda hoje viva, que visa provar à continuidade no uso do matrimónio com base nas palavras do Apóstolo São Paulo segundo as quais, o candidato às Sagradas Ordens, só podia ter estado casado uma vez. Essas palavras, apontaram os bispos, não querem dizer que se pode continuar vivendo na concupiscência e gerando filhos, mas foram precisamente ditas em favor da futura continência. É ensinado, por conseguinte, oficialmente – e será repetido continuamente – que as segundas núpcias ou o matrimónio com uma viúva, não oferecem segurança de continência futura. A carta conclui com uma exortação a obedecer estas disposições que estão sustentadas pela tradição.

(cont)

(revisão da tradução portuguesa por ama)



[i] Card. alfons m. stickler, Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
[ii] 2 Tes 2, 15

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