Tempo Comum
Semana II
Evangelho:
Mc 3, 13-19
13 Tendo subido a um
monte, chamou a Si os que quis, e aproximaram-se d'Ele. 14 Escolheu doze para que andassem com Ele e para os enviar a pregar, 15
com poder de expulsar os demónios: 16 Simão, a quem pôs o nome de
Pedro; 17 Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais
pôs o nome de Boanerges, que quer dizer “filhos do trovão”; 18 e
André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o
Cananeu, 19 e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou
Comentário:
A partir deste momento Jesus
Cristo tem um núcleo coeso de doze homens que O acompanharão permanentemente.
Foi sem dúvida uma escolha cujo critério não nos compete apreciar porque, como
expressamente diz o Evangelista: «chamou a Si os que quis» e não devemos questionar ou sequer tentar entender a
Vontade Suprema do Senhor.
Podemos, isso sim, constatar os “resultados” dessa
escolha: a Igreja de Jesus Cristo foi construída e constituída para sempre sobre
os ombros destes homens que não se pouparam a trabalhos, privações e
dificuldades de toda a ordem, quase todos dando a própria vida cimentando com o
seu sangue generoso essa Igreja que herdámos como Mãe, guia, refúgio e caminho
seguro para a nossa salvação.
(ama, comentário sobre Mc
3, 13-19, Malta, 2015.01.23)
Leitura espiritual
Vida Cristã
O matrimónio: uma vocação
e um caminho divino
Deram
a volta ao mundo umas palavras do Papa Francisco, no encontro com as famílias
que teve lugar em Manila:
“Não
é possível uma família sem sonhar. Quando numa família se perde a capacidade de
sonhar, de amar, essa energia de sonhar perde-se, por isso lhes recomendo que à
noite, quando façam o exame de consciência, também se façam esta pergunta: hoje
sonhei com o futuro dos meus filhos, hoje sonhei com o amor do meu esposo ou
esposa, sonhei com a história dos meus avós?” [i].
Sonhar
Esta
capacidade de sonhar tem a ver com a “ilusão” – no sentido castelhano do termo
– que pomos nos nossos horizontes e esperanças, sobretudo na relação com as
pessoas, ou seja, os bens ou êxitos que lhes desejamos, as esperanças que temos
a seu respeito.
A
capacidade de sonhar equivale à capacidade de projectar o sentido da nossa vida
naqueles que amamos.
Por
isso é, efectivamente, algo representativo de cada família.
Desde
muito cedo, S. Josemaria contribuiu para recordar, no quadro dos ensinamentos
da Igreja, que o matrimónio – gérmen da família – é, no pleno sentido da
palavra, uma chamada específica à santidade dentro da comum vocação cristã: um
caminho vocacional, diferente mas complementar ao do celibato – seja sacerdotal
ou laical – ou para a vida religiosa.
“O
amor, que conduz ao matrimónio e à família, pode também ser um caminho divino,
vocacional, maravilhoso, via para uma completa dedicação ao nosso Deus” [ii].
Por
outro lado, esta chamada de Deus no matrimónio não significa de modo algum
diminuir os requisitos que supõe seguir Jesus.
Pois,
se “tudo contribui para o bem dos que amam a Deus” [iii],
os esposos cristãos encontram na vida matrimonial e familiar a matéria da sua
santificação pessoal, quer dizer, da sua pessoal identificação com Jesus
Cristo: sacrifícios e alegrias, gozos e renúncias, o trabalho no lar e fora
dele, são os elementos com que, à luz da fé, constroem o edifício da Igreja.
Sonhar,
para um cristão, com a esposa ou com o esposo, é olhá-lo com os olhos de Deus.
É
contemplar, prolongado no tempo, a realização do projecto que o Senhor tem
pensado e quer, para cada um, e para os dois na sua concreta relação matrimonial.
É
desejar que esses planos divinos se façam realidade na família, nos filhos – se
Deus os manda – nos avós e nos amigos que a providência vá colocando para os
acompanhar na viagem da vida.
É,
afinal, ver cada um o outro como o seu particular caminho para o Céu.
O segredo da família
Com
efeito, Cristo fez do matrimónio um caminho divino de santidade, para encontrar
Deus no meio das ocupações diárias, da família e do trabalho, para situar a
amizade, as alegrias e as penas – porque não há cristianismo sem Cruz – e as
mil pequenas coisas do lar ao nível eterno do amor.
Eis
o segredo do matrimónio e da família.
Assim
se antecipa a contemplação e o gozo do céu, onde encontraremos a felicidade
completa e definitiva.
No
quadro desse “caminho divino” de amor matrimonial, S. Josemaria falava do
significado cristão, profundo e belo, da relação conjugal:
“Noutros
sacramentos a matéria é o pão, é o vinho, é a água… Aqui são os vossos corpos.
(…). Vejo o leito conjugal como um altar; está ali a matéria do sacramento” [iv].
A
expressão altar não deixa de ser surpreendente e ao, mesmo tempo, é
consequência lógica de uma leitura profunda do matrimónio, que tem na una caro [v]
– a união completa dos corpos humanos, criados à imagem e semelhança de Deus –
o seu núcleo.
"VEJO O LEITO CONJUGAL COMO UM ALTAR; ESTÁ
ALI A MATÉRIA DO SACRAMENTO” [vi]
Nesta
perspectiva se entende que os esposos cristãos expressem, na linguagem da
corporalidade, o próprio do sacramento do matrimónio: com a sua entrega mútua,
louvam a Deus e dão-Lhe glória, anunciam e actualizam o amor entre Cristo e a
Igreja, secundando a obra do Espírito Santo nos seus corações.
E
daí vem, para os esposos, para a sua família e para o mundo, uma corrente de
graça, de força e de vida divina que tudo rejuvenesce.
Isto
requer uma preparação e uma formação contínua, uma luta positiva e constante:
“Os
símbolos fortes do corpo têm as chaves da alma: não podemos tratar os laços da
carne com ligeireza, sem abrir uma ferida duradoura no espírito” [vii].
O
vínculo que surge a partir do consentimento matrimonial fica selado e é
enriquecido pelas relações íntimas entre os esposos.
A
graça de Deus que receberam desde o Baptismo, encontra um novo canal que não se
justapõe ao amor humano, antes o assume.
O
sacramento do matrimónio não supõe um acrescento externo ao matrimónio natural;
a graça sacramental específica informa os cônjuges a partir de dentro e
ajuda-os a viver a sua relação com exclusividade, fidelidade e fecundidade:
“É
importante que os esposos adquiram o sentido claro da dignidade da sua vocação,
que saibam que foram chamados por Deus a chegar ao amor divino também através
do amor humano; que foram eleitos, desde a eternidade, para cooperar com o
poder criador de Deus na procriação e depois na educação dos filhos; que o
Senhor lhes pede que façam, do seu lar e da sua vida familiar inteira, um
testemunho de todas as virtudes cristãs” [viii].
Os
filhos são sempre o melhor “investimento”, e a família a “empresa” mais sólida,
a maior e a mais fascinante aventura.
Todos
contribuem com o seu papel, mas a novela resultante é muito mais interessante do
que a soma das histórias singulares, porque Deus actua e faz maravilhas.
Daí
a importância de saber compreender – os esposos entre si e os filhos – de
aprender a pedir desculpa, de amar – como ensinava S. Josemaria – todos os
defeitos mútuos, sempre que não sejam ofensa a Deus [ix].
“E,
na vida dos cônjuges, quantas dificuldades se resolvem, se conservarmos um
espaço para o sonho, se nos detivermos a pensar no cônjuge e sonharmos com a
bondade, com as coisas boas que tem. Por isso, é muito importante recuperar o
amor através do sonho de cada dia. Nunca deixeis de ser namorados!” [x].
Parafraseando
o Papa, poder-se-ia acrescentar: que os esposos nunca deixem de se sentar para
compartilhar e recordar os momentos belos e as dificuldades que atravessaram
juntos, para considerar as circunstâncias que provocaram êxitos ou fracassos,
ou para recobrar um pouco de alento, ou para que os dois pensem na educação dos
filhos.
Fundamento do futuro da
humanidade
A
vida matrimonial e familiar não é instalar-se numa existência segura e cómoda,
mas antes dedicar-se um ao outro e dedicar generosamente tempo aos restantes
membros da família, começando pela educação dos filhos – o que inclui facilitar
a aprendizagem das virtudes e a iniciação na vida cristã – para abrir-se continuamente
aos amigos, a outras famílias e, especialmente, aos mais necessitados. Deste
modo, mediante a coerência da fé vivida em família, se comunica a boa nova – o
Evangelho – de que Cristo continua presente e nos convida a segui-lo.
CADA FILHO É, ANTES DE
MAIS, UM FILHO DE DEUS ÚNICO E IRREPETÍVEL COM QUE DEUS SONHOU PRIMEIRO.
Jesus
revela-se aos filhos através do pai e da mãe, pois para ambos, cada filho é,
antes de tudo, um filho de Deus, único e irrepetível, com quem Deus foi o
primeiro a sonhar.
Por
isso, João Paulo II podia afirmar que “o futuro da humanidade se constrói na
família” [xi].
As famílias que não
puderam ter filhos
E
qual o sentido que devem dar ao seu matrimónio os esposos cristãos que não
tenham descendência?
A
esta pergunta, S. Josemaria respondia que, antes de mais, deveriam pedir a Deus
que os abençoe com filhos, se for essa a Sua Vontade, como abençoou os
Patriarcas do Antigo Testamento; e depois que recorram a um bom médico.
“Se
apesar de tudo, o Senhor não lhes dá filhos, não hão-de ver nisso nenhuma
frustração: hão-de estar contentes, descobrindo nesse mesmo facto a Vontade de
Deus para eles. Muitas vezes o Senhor não concede filhos porque pede mais. Pede
que se tenha o mesmo esforço e a mesma delicada entrega, ajudando o próximo,
sem a alegria humana de ter tido filhos: não há, pois, motivo para se sentirem
fracassados nem para dar lugar à tristeza”.
E
acrescentava:
"Se
os esposos têm vida interior, compreenderão que Deus os urge, impulsionando-os
a fazer da sua vida um serviço cristão generoso, um apostolado diverso do que
realizariam nos seus filhos, mas igualmente maravilhoso. Que olhem à sua volta
e descobrirão de imediato pessoas que necessitam de ajuda, caridade e carinho.
Além disso, há muitos trabalhos apostólicos em que podem trabalhar. E se sabem
pôr o coração nessa tarefa, se sabem dar-se generosamente aos outros,
esquecendo-se de si próprios, terão uma fecundidade esplêndida, uma paternidade
espiritual que encherá a sua alma de verdadeira paz" [xii].
Em
todo caso, S. Josemaria gostava de se referir às famílias dos primeiros
cristãos:
“Aquelas
famílias que viveram de Cristo e que O deram a conhecer. Pequenas comunidades
cristãs, que foram como centros de irradiação da mensagem evangélica. Lares
iguais aos outros lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo, que
contagiava quem os conhecia e os tratava. Isso foram os primeiros cristãos, e
isso temos que ser os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria, da paz
e da alegria que Jesus nos trouxe” [xiii].
r. pellitero
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[i] Papa
Francisco, Discurso no Encontro com as
famílias, Manila, Filipinas, 16-01-2015.
[ii] Cfr.
S. Josemaria, Homilia “Amar o mundo
apaixonadamente”, em Temas actuais do
cristianismo, n. 121; cfr. “O
matrimónio, vocação cristã”, em Amigos
de Deus.
[iii] Ro
8, 28.
[iv] S.
Josemaria, Apontamentos tomados de uma
reunião familiar (1967), recolhido em Diccionario de San Josemaria, Burgos
2013, p. 490.
[v] Cf.
Gn 2, 24; Mc 10, 8.
[vi] s.
josemaria
[vii] Papa
Francisco, Audiência geral,
27-05-2015.
[viii] S.
Josemaria, Temas actuais do cristianismo,
n. 93.
[ix] Cf.
S. Josemaria, Apontamentos tomados de uma
reunião familiar, 7-VII-1974.
[x] Papa
Francisco, Discurso no Encontro com as
famílias, Manila, Filipinas, 16-01-2015.
[xi] S.
João Paulo II, Familiaris consortio,
n. 86.
[xii] S.
Josemaria, Temas actuais do cristianismo,
n. 96.
[xiii] S.
Josemaria, Cristo que passa, n. 30.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.