Art.
3 — Se a mãe de Cristo permaneceu Virgem depois do parto.
O terceiro discute-se assim. — Parece
que a mãe de Cristo não permaneceu Virgem depois do parto.
1. — Pois, diz o Evangelho: Antes de
coabitarem José e Maria, se achou ela ter concebido por obra do Espírito Santo.
Ora, o Evangelista não teria dito – antes de coabitarem – se não fosse certo
que haveriam de coabitar; assim não diremos, que não vai comer, quem não ia
comer. Logo, parece que a Santa Virgem chegou a ter conjunção carnal com José.
E portanto não permaneceu virgem depois do parto.
2. Demais. — No mesmo lugar, o
Evangelho refere as palavras do anjo a José: Não temas receber a Maria, tua mulher. Ora, o casamento consuma-se pela
cópula carnal. Logo, parece que houve cópula carnal entre Maria e José. Donde,
pois, resulta que não permaneceu virgem depois do parto.
3. Demais. — Logo a seguir, acrescenta
o Evangelho: E recebeu a sua mulher; e
ele não na conheceu, enquanto ela não pariu o seu primogénito. Ora, a
expressão adverbial – até que – costuma significar um tempo determinado;
completo o qual, se faz o que até então não se fez. E quanto ao verbo conhecer
– ele significa o coito; assim, como quando a Escritura diz: Adão conheceu a sua mulher. Logo, parece
que depois do parto a Santa Virgem foi conhecida de José. E portanto, parece
que não permaneceu virgem depois do parto.
4. Demais. — Primogénito não pode
chamar-se senão quem teve outros irmãos mais moços. Por isso, diz o Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência,
também os predestinou para serem conforme a imagem Filho, para que ele seja o
primogénito entre muitos irmãos. Ora, o Evangelista chama a Cristo primogénito
da sua mãe. Logo, ela teve outros filhos além de Cristo. E assim, parece que a
mãe de Cristo não permaneceu virgem depois do parto.
5. Demais — O Evangelho diz: Depois disto vieram para Cafarnaum, ele, isto é, Cristo, e sua mãe e seus irmãos. Ora, chamam-se
irmãos os que tem os mesmos pais. Logo, parece que a santa Virgem teve outros
filhos, além de Cristo.
6. Demais. — O Evangelho diz: Achavam-se também ali, isto é, ao pé da cruz
de Cristo, vindo de longe, muitas mulheres, que desde Galileia tinham seguido a
Jesus, subministrando-lhe o necessário; entre as quais estavam Maria Madalena e
Maria, Mãe de Tiago e de José, e a Mãe dos filhos de Zebedeu. Ora, essa era
Maria, chamada aí mãe de Tiago e de José, é também a mãe de Cristo; pois, como
diz o Evangelho, estava em pé junto à cruz de Jesus, sua mãe. Logo, parece que
a mãe de Cristo não permaneceu virgem depois do parto.
Mas, em contrário, a Escritura: Esta porta estará fechada; ela não se abre e
nenhum homem passará por ela, porque o Senhor Deus de Israel entrou por esta
porta. Expondo o que, diz Agostinho: Que
significa a porta fechada na casa do Senhor, senão que Maria sempre será
intacta? E que significa a expressão – nenhum homem passará por ela – senão que
José não a conhecerá? E só o Senhor entrará e sairá por ela – que quer dizer,
senão que o Espírito Santo a fecundará e dela nascerá o Senhor dos anjos? E que
significa – estará eternamente fechada – senão que Maria será virgem antes,
durante e depois do parto?
Sem nenhuma dúvida devemos
detestar o erro de Celvídio, que pretendia ter sido a mãe de Cristo, depois do
parto, conhecida de José e ter gerado outros filhos. - Pois, isto, primeiro,
vai contra a perfeição de Cristo, que, assim como, pela sua natureza divina, é
o Unigénito do Pai, como o seu Filho em tudo perfeito, assim também convinha
que fosse o unigénito da mãe, como o perfeitíssimo gerado dela. - Segundo, esse
erro faz injúria ao Espirito Santo, cujo sacrário foi o ventre virginal, no
qual formou a carne de Cristo; por isso não convinha, que a seguir fosse
violado pela conjunção marital. - Terceiro, vai contra a dignidade e a
santidade da Mãe de Deus, que seria ingratíssima se não se tivesse contentado
com um tão grande Filho; se a virgindade, nela conservada milagrosamente,
quisesse espontaneamente perdê-la pelo concúbito carnal. - Quarto, seria também
uma pretensão soberanamente imputável a José, tentar poluir aquela que, por uma
revelação do Anjo, sabia que concebeu do Espírito Santo. - Donde devemos
absolutamente concluir que a Mãe de Deus, assim como concebeu virgem e virgem
deu à luz, assim também permaneceu sempre virgem depois do parto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Jerónimo, devemos entender a palavra – antes – como indicativa, às
vezes, somente do que foi anteriormente pensado, embora de ordinário indique
uma consequência. Nem é necessário o realizar-se do que foi pensado, pois, às
vezes um obstáculo interveniente impede essa realização. Assim, o alguém dizer –
antes de ter comido, no porto, naveguei – não significa que comeu no porto,
depois de ter navegado; mas, que pensava haver de comer, no porto.
Semelhantemente, o evangelista diz – Antes
de coabitarem, se achou ela ter concebido por obra do Espírito Santo; não
que depois coabitassem: concepção pelo Espírito Santo e, pois não realizaram o
concúbito.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz
Agostinho, a Mãe de Deus é chamada
esposa, pela fé primeira dos esponsórios, ela que nem conheceu nem havia de
conhecer o concúbito. Pois, no dizer de Ambrósio, a celebração das núpcias não declara a perda da virgindade, mas a
testificação do casamento.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Alguns disseram
que esse lugar do Evangelho não deve entender-se do conhecimento carnal, mas do
conhecimento informativo. Assim, diz Crisóstomo, que José não lhe conhecia a
dignidade, antes de ela ter dado à luz; mas, depois do parto, então o soube.
Pois, concebendo um tal filho, tornou-se maior e mais digna que todo o mundo;
por ter, só ela, recebido no augusto âmbito do seu ventre, aquele a quem todo o
mundo não podia conter. — Mas outros referem o lugar em questão ao conhecimento
de visão. Pois, assim como o rosto de Moisés, quando falava com Deus, se lhe
glorificou de modo que não podiam fitá-lo os filhos de Israel, assim Maria,
obumbrada pelo esplendor da virtude do Altíssimo, não podia ser reconhecida por
José, antes do parto. Mas, depois do parto, José reconheceu-lhe a feição das
faces, sem nenhum contato corpóreo. — Mas Jerónimo, que concede devamos
entender a expressão evangélica, do conhecimento carnal, diz que até (usque) ou
até que (donec), na Escritura, pode ser entendido de dois modos. Assim, às
vezes designa o tempo, conforme o Apóstolo: Por
causa das transgressões foi posta a lei, até que viesse a semente, a quem havia
feito a promessa. Outras vezes, porém, significa o tempo infinito: Os nossos olhos estão fitos no Senhor nosso
Deus, até que tenha misericórdia de nós; o que não se deve entender como
significando que, depois de pedida a misericórdia, os nossos olhos se afastam
de Deus. E, segundo este modo de falar, são-nos expressas as coisas de que
poderíamos duvidar, se não estivessem escritas; quanto às demais, são confiadas
à nossa inteligência. E, assim, o Evangelista diz que a Mãe de Deus não foi
conhecida por nenhum homem, até o parto, para entendermos que, com maior razão,
não o foi depois do parto.
RESPOSTA À QUARTA. — É costume das divinas
Escrituras chamar primogénito não só aquele que teve outros irmãos, como o que
nasceu em primeiro lugar. Do contrário se não fosse primogénito senão quem teve
irmãos, os direitos de primogenitura não seriam, pela lei, devidos enquanto não
sobreviessem mais irmãos. O que é claramente falso, pois, a lei mandava que,
dentro de um mês, fossem os primogénitos resgatados.
RESPOSTA À QUINTA. — Alguns, como
refere Jerónimo, pensam que os referidos irmãos do Senhor, José teve-os de
outra mulher. Mas nós pensamos que os irmãos do Senhor não eram filhos de José,
mas primos do Salvador, filhos de uma outra Maria, tia dele. Pois, na
Escritura, há quatro espécies de irmãos: por natureza, pela raça, pela cognação
e pelo afecto. Donde o serem chamados irmãos do Senhor, não por natureza, como
se fossem nascidos da mesma mãe; mas, por cognação, quase como sendo os seus
consanguíneos. José, porém, como diz Jerónimo, devemos antes crer que
permaneceu virgem, pois, de um lado, dele não diz a Escritura que tivesse outra
mulher e, de outro, não se pode atribuir a fornicação a um varão santo.
RESPOSTA À SEXTA. — A Maria chamada
Mãe de Tiago e de José não se entende que fosse a mãe do Senhor, a que não se
refere o Evangelho senão atribuindo-lhe a sua dignidade de Mãe de Jesus. Ora, entende-se
que essa Maria era a mulher de Alfeu, cujo filho era Tiago menor, chamado irmão
do Senhor.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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