05/06/2015

Evangelho, comentário, L. Espiritual (A beleza de ser cristão)



Tempo comum IX Semana


Evangelho: Mc 12 35-37

35 Continuando a ensinar no templo, Jesus tomou a palavra e disse: «Como dizem os escribas que o Cristo é filho de David? 36 O mesmo David inspirado pelo Espírito Santo diz: “Disse o Senhor ao Meu Senhor: Senta-Te à Minha direita, até que Eu ponha os Teus inimigos debaixo dos Teus pés”. 37 O próprio David, portanto, chama-Lhe Senhor; como é Ele, pois, seu filho?». A numerosa multidão ouvia-O com gosto.

Comentário:


 O Senhor explica quanto a Ele próprio diz respeito. Fá-lo de forma clara com perguntas cuja resposta encerram a verdade acerca da Sua Pessoa.

Mas, além disso, com uma explanação lógica que não admite refutação.

E, assim mesmo, o entendeu a numerosa multidão que o ouvia com gosto, segundo relata o Evangelista.

(AMA, comentário sobre Mc 12, 35-37, 2015.06.02)

Leitura espiritual



a beleza de ser cristão

SEGUNDA PARTE

COMO SER CRISTÃOS




v o que é verdadeiramente uma conversão?


        …/2



        Todo o cristão adulto consciente das suas misérias, dos seus pecados e do amor que Deus lhe tem, aceita humildemente o convite de Cristo e põe em marcha dentro do seu espírito toda a riqueza da conversão original e primeira com poderíamos chamar-lhe.

        Arrepende-se: primeiro passo de qualquer conversão.
Umas vezes será o arrependimento por um pecado, outras por um desamor para com Deus, noutras ocasiões a consciência da própria debilidade, da fragilidade, da falta de generosidade nas quais não se descobre uma chamada de Deus.
O homem pode sempre encontrar motivos para pedir perdão a Deus e voltar o seu coração para Ele e, assim, amá-lo mais.

        O arrependimento origina no arrependido uma disposição mais profunda para descobrir a verdade e nela assentar o seu espírito.
E origina-se assim um segundo passo de qualquer conversão: Acreditai no Evangelho.

        Neste processo o «acreditai no Evangelho» podemos resumi-lo em acreditar em Cristo, que é «o caminho, a verdade, a vida».
Acreditando em Cristo, desenvolvendo a verdade que Cristo é «o Filho de Deus feito homem» o cristão descobre a verdade que o constitui na sua realidade mais profunda: a filiação divina.
To o cristão consciente de ser «filho de Deus em Cristo» e consciente de necessitar do perdão de Deus pode dizer que tem o rosto no Senhor, que está convertido em Deus e para Deus.

        Quando podemos dizer que há verdadeira «conversão»?
Esta pergunta, na realidade, ainda que possa responder-se dizendo que sempre que há arrependimento e regresso a Deus há conversão, também pode revelar-se desnecessária.
Porquê?
Simplesmente porque toda a vida cristã – na medida em que é uma busca do reino de Deus – no seu verdadeiro e profundo significado, é uma conversão contínua: tudo se «nos dará por acrescento».

        Pode haver momentos especialmente assinalados mas não há-de ser necessariamente assim.
E sabemos que o baptizado se converte em filho de Deus, ao receber a Graça, «certa participação na vida divina».
Essa Graça é, na realidade, uma nova vida – a vida cristã – que o baptizado, o cristão, começa já a desenvolver desde o momento que a recebe.
E, ao mesmo tempo, a plenitude da sua pessoa vai surgindo no âmbito dessa Graça.
Este é um processo do qual talvez não sejamos de todo conscientes mas que alcança passo a passo todas as facetas do nosso ser humano, sem nunca chegar a terminar totalmente.
No homem o humano vai-se tornando divino sem deixar de ser humano.
E não há no homem nada divino que não seja ao mesmo tempo profundamente humano.

        A «conversão» é um processo que há-de ser sempre actual numa vida cristã pessoal em desenvolvimento e a razão está em que toda a vida cristã tende para que cada crente possa dizer que Cristo vive nele como horizonte último.

        O «no cristão o viver em Cristo» manifesta-se, por um lado e fundamentalmente, como já vimos na Primeira Parte, no crescimento do homem na Fé, na Esperança e em caridade e, por outro lado, quando no espírito do crente deitam raízes as disposições profundas com as quais Cristo veio ao mundo e nos recomendou que sigamos.
o os sinais inequívocos de que Ele vive no homem.

        Poderíamos resumir essas disposições em três: o espírito de «serviço», as virtudes da humildade e da mansidão e a caridade.

        Cristo expressou claramente estas disposições referindo-as a si próprio e convidando o homem q que aprenda com Ele:

        «Não vim para ser servido, mas para servir e dar a minha vida em redenção por muitos» [1].

        «Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração» [2].

        «Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei, nisso conhecerão que sois meus discípulos» [3].

        Logicamente a conversão comporta uma transformação contínua, uma mudança em cada pessoa que Deus não impõe à força e que requer sempre a colaboração humana.
Aqui podemos aplicar o dito de Santo Agostinho: «Deus que te criou sem ti não te salvará sem ti» e cabe acrescentar que, logicamente, tampouco te converterá nem te mudará sem ti.
É uma tarefa que também requer uma acção conjunta de Deus e do homem.

        O processo desta «conversão-transformação» supõe portanto uma cooperação activa de cada crente com a acção da Graça.
Deus sempre respeita e cultiva a liberdade do homem.

        Já consideramos a influência e o significado da oração e da união com Cristo na Eucaristia e na celebração do sacrifício da Missa no processo de conversão.
E examinámos, também brevemente, o papel que joga neste processo o que normalmente se conhece com o nome de direcção espiritual.
Vamos agora examinar a cooperação activa que se requer do cristão além do esforço que já consideramos para se aproximar mais de Cristo e permitir que a Graça se desenvolva mais plenamente no seu espírito.

        Poderíamos resumir esta cooperação num decidido esforço que se desenvolve numa direcção dupla.
a)   Para não se deixar vencer pelas insídias do demónio que induz a cair em pecado
b)   Para não se desviar do caminho para Deus.

Em consequência, a conversa comporta a necessidade de enfrentar de maneira adequada os obstáculos que o cristão encontrará ao longo da sua vida: as tentações e as mortificações e esclarecer o verdadeiro sentido da luta ascética.



vi motivo e sentido das tentações



    Normalmente considera-se a tentação como uma mera incitação ao mal, ao pecado, um convite ao cristão para que não se arrependa e para que não acredite.
E certamente essa realidade dá-se em todas as tentações e, talvez de forma particular, na que considerámos ao analisar o texto do Pai-nosso como a tentação básica: abandonar a procura do Senhor, deixar de nos dirigir a Cristo, deixar de orar.

    Parece agora muito oportuno prestar atenção ao significado e aos efeitos positivos que o cristão obtém na sua «conversão» ao lutar com as tentações.

    Limitar-nos-emos dentro dos objectivos deste livro, a assinalar o sentido da tentação sem entrar na grande variedade de motivos, situações, formas e modos nos quais o cristão é tentado.
Além disso, somos conscientes de que por ser uma experiência normal na vida cristã nenhum leitor é alheio à realidade existencial da tentação: soberba, orgulho, sensualidade, preguiça, ira, falta de piedade, desespero, etc.

    Porque somos tentados?
«’O homem persuadido pelo Maligno, abusou da sua liberdade desde o começo da história» [4].
Sucumbiu à tentação e cometeu o mal.
Todavia, conserva o desejo do bem mas a sua natureza tem a ferida do pecado original.
Ficou inclinado ao mal e sujeito ao erro, bem consciente, por outro lado, que essa inclinação ao mal não o impede, em absoluto, procurar e fazer o bem.
‘Daí que o homem esteja dividido no seu interior.
Por isto toda a vida humana singular ou colectiva aparece como uma luta certamente dramática entre o bem e o mal, entre a luz  e as trevas’ [5].

    Já assinalámos que ao viver com Cristo, o cristão se vai convertendo em Cristo, ao espírito de Cristo que veio «não para ser servido mas para servir».

    O acto mais definitivo de serviço ao homem que Cristo leva a cabo é o «fazer-se pecado».
São Paulo expressa-o de forma inequívoca:
«Em nome de Cristo vos suplicamos: reconciliai-vos com Deus! A quem não cometeu pecado, fê-lo pecado por nós para que viéssemos a ser justiça de Deus nele» [6].

    Feito pecado, não feito pecador.
E, feito pecado Ele «que não conheceu o pecado».
O que significa «feito pecado»?
É doutrina comum afirmara que Cristo assumiu os pecados de todos os homens e se ofereceu na Cruz como sacrifício expiatório por todos esses pecados [7].

    Um breve esclarecimento sobre estes termos.
    A alguns pagãos parece-lhes blasfémia afirmar que Deus se fez homem porque consideram indigno da majestade de Deus ser homem.
A alguns cristãos parece-lhes incompreensível afirmar que Cristo se fez pecado sem por isso deixar de ser «santo, inocente e sem mancha» [8].




(cont)

ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)







[1] Mt 20, 28
[2] Mt 11, 29
[3] Jo 13, 34
[4] Gaudium et spes, 13, 1
[5] Gaudium et spes, 13, 2
[6] 2 Cor 5, 20-21
[7] 1 Ped 2, 22-25
[8] Hb 7, 26

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