Semana V da Páscoa
São
Filipe e São Tiago – Apóstolos
Evangelho:
Jo 15 1-8
1 «Eu sou a videira
verdadeira, e Meu Pai é o agricultor. 2 Todo o ramo que não dá fruto em Mim,
Ele o cortará; e todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto. 3 Vós
já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e
Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não
permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou
a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim,
será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no
fogo e arderá. 7 Se permanecerdes em Mim, e as Minhas palavras permanecerem em
vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado
Meu Pai: Em que vós deis muito fruto e sejais Meus discípulos.
Comentário:
A Palavra de
Deus limpa?
Por si mesma... talvez não… mas acatada e posta em prática sim; o que é
absolutamente lógico já que as disposições necessárias para ouvir a Palavra
incluem, necessariamente, a pureza de intenção e disponibilidade
concreta para fazer o que se ouve.
(ama, comentário sobre Jo 15, 1-8,
2014.05.21)
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
PRIMEIRA PARTE
X – A santificação
…/19
Algo semelhante acontece na vida cristã.
Com
a Graça santificante, ficamos enxertados em Cristo, e «a participação da
natureza divina”, que é a vida da Graça em nós, é para cada cristão um quase
segunda natureza; e nada nem ninguém o privará jamais dessa condição.
Há, então, no homem uma natureza humana
e uma quase segunda natureza divina que originam actuações em «paralelo”?
Não.
O ser homem «enxertado” em Cristo quer
dizer que a natureza humana se vivifica sobrenaturalmente pela participação na
natureza divina; e que a natureza divina participada se humaniza, no seu actuar
conjunto coma natureza humana, na unidade de cada pessoa.
Todo o actuar sobrenatural, cristão, do
homem transcorre pelos mesmos canais através dos quais se desenvolve a sua vida
humana natural e se apoia nas mesmas qualidades nas quais se centra o
desenvolvimento natural do homem.
A vida pessoal cristã no homem, a vida
que se origina na «participação na natureza divina” da nossa própria pessoa,
assenta no núcleo do «eu” humano, no centro constitutivo da pessoa.
E
manifesta-se e desenvolve-se nas mesmas três faculdades em que se expressa a
vida-natural humana: a inteligência, a memória, a vontade.
Ao
receber a acção da Graça, essas faculdades abrem-se à luz de Deus e a todos os
planos de Deus sobre a criação e sobre o homem.
Para que todo este processo comece a ter
lugar, o homem há-de «enxertar” com todas as potências da sua pessoa na graça
da Redenção.
A
Redenção, como já vimos em páginas anteriores ao falar dos motivos pelos quais
Cristo encarnou, tem três frutos, três efeitos, fundamentais, nos quais podemos
explicar todos os outros: a revelação do amor de Deus ao homem; a libertação do
homem do pecado; e o viver com Cristo; e tudo, ao fazer-nos «partícipes da
natureza divina”.
O primeiro efeito incide de forma muito
particular na inteligência, ao iluminá-la com a luz da Fé e abri-la aos
mistérios de Deus.
O segundo converte a memória histórica
do homem ao comunicar-lhe os planos de Deus sobre ele, e a enche de luz com a
Esperança da vida eterna.
O terceiro fruto rasga os horizontes da
vontade humana, inundando-os do amor de Cristo, até ser também «semelhança”
seguindo-o no viver o novo conteúdo e significado do mandamento de «amar o
próximo como a ti mesmo”, ao convertê-lo em «amai-vos uns aos outros, com o Eu
vos amei”.
Podemos assim dizer que a aceitação pelo
homem da Redenção se leva a cabo na Fé, na Esperança, na Caridade.
É
uma tríplice resposta que abarca e compromete, ao mesmo tempo que dá sentido a
todo o ser do homem, na sua plenitude.
Em São Paulo encontramos uma clara afirmação
do que acabámos de expor: Ao dirigir-se aos de Colossos, dá graças a Deus «por
quanto ouvimos falar da vossa fé em Cristo Jesus e do Amor e do amor que tendes
por todos os santos.
Firmes
na esperança que vos está reservada nos céus”.[i]
Saúda os de Tessalónica dizendo-lhes:
«Temos presente ante o nosso Deus e Pai a obra da vossa fé, os trabalhos da
vossa caridade e a paciência no sofrimento que vos dá a vossa esperança em
Jesus Cristo Nosso Senhor”.[ii]
Ao de Éfeso escreve: «Por isso também
eu, que ouvi da vossa fé no Senhor Jesus e da caridade que tendes com todos os
santos, não cesso de dar graças por vós, e de vos recordar nas minhas orações,
a fim de que o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos outorgue
o espírito de sabedoria e vos revele o pleno conhecimento dele.
Além disso, que iluminados os olhos do
vosso coração, possais conhecer a esperança a que vos chamou”.[iii]
E, em linha com São Paulo, vários
autores recordam a mesma realidade:
São Tomás expressa-o com clareza, entre
outros lugares, neste texto: «Com o fim de oferecer-te, meu querido filho
Reginaldo, um compêndio da doutrina cristã que possas ter sempre à vista, proponho-me
tratar na presente obra três coisas: primeiro, da fé; segundo, da esperança;
terceiro, da caridade.
Esta é a ordem que nos ensinaram os
Apóstolos, também, a mais conforme com a recta razão.
Com efeito, não pode haver amor puro e
recto, se não se determina o fim legítimo da esperança, nem pode haver
esperança se falta o conhecimento da verdade.
É necessário, por conseguinte: primeiro,
a fé, pela qual se conhece a verdade; segundo, a esperança, que dirige os
nossos desejos ao seu legítimo fim; e terceiro, a caridade, que ordena
totalmente os afectos” [iv].
João Paulo II sublinhou esta
característica central da vida critã, entre outras ocasiões, quando manifestou
a finalidade do Jubileu do ano 2000, por ele próprio proclamado: «O Jubileu
deverá confirmar nos cristãos de hoje a fé
no Deus revelado em Cristo, sustentar a esperança
prolongada na espera da vida eterna, vivificar a caridade comprometida activamente em serviço aos irmãos” [v].
Afirmações que estão em perfeita
consonância com o já declarado oportunamente no Concílio de Trento, e que vem a
ser uma concreção do vivido pelos cristãos desde a primeira hora: «Na justificação,
o homem, por se encontrar incorporado em Cristo, recebe, juntamente com a
remissão dos pecados, a fé, a esperança e a caridade”.[vi]
São Josemaria Escrivá recorda ao cristão
que foi «chamado a uma vida de fé, de esperança e de caridade” [vii].
VIDA DE FÉ
O viver a nossa Redenção começa com a
Fé, «virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele nos disse e
revelou, e que a Santa Igreja nos propõe, porque Ele é a própria verdade”.[viii]
A Fé ilumina a inteligência abrindo-a à
luz da verdade revelada, e tornando-a capaz de vislumbrar os mistérios da vida
de Deus. Com a graça recebida no
Baptismo como dom gratuito de Deus, a nossa inteligência começa a vislumbrar os
raios de luz da Verdade, de Deus.
Através do actos de Fé, nos quias
manifestamos o desejo de nos deixarmos inundar mais e mais por essa luz de
Deus, a virtude da Fé converte-se num hábito do nosso pensar que amplia paulatinamente
os limites da nossa razão – sem confundir os planos – e nos ajuda a penetrar a
realidade de Deus que Cristo nos oferece na sua própria vida, Revelação do Pai,
da vida intratinitrária de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
A aceitação dos mistérios da Encarnação
do Filho de Deus, da vida divina em nós, da Trindade Beatíssima da vinda do
Espírito Santo, da ressurreição dos mortos á o primeiro passo para que a acção
redentora da Graça, a participação na natureza divina, comece a germinar no
nosso espírito, e a realidade da «nova criatura em Cristo” inicie a sua
configuração no nosso ser, no seu «eu pessoal” de cada cristão.
A Escritura di-lo brevemente e com
clareza: «O justo vive da Fé”.[ix]
A Fé recebida na inteligência não limita a sua acção à mente do homem; há-de
converter-se em vida.
A Fé afecta a integridade da pessoa; não
se reduz a uma mera informação acerca de uma verdade ou de um conhecimento mais
amplo e profundo de uma verdade da qual já tínhamos um certa notícia.
A indicação de Cristo aos discípulos não
deixa lugar a dúvidas:
«Se guardardes fielmente os meus
ensinamentos, pertencereis aos meus verdadeiros discípulos. E conhecereis a
verdade e a verdade vos tornará livres”.[x]
De nada serve que a nossa mente seja
iluminada com as verdades eternas, se o nosso viver não se converte em reflexo
da luz recebida. «Tu crês que Deus é uno?, interroga-se o apóstolo São Tiago, e
acrescenta: «Fazes bem. Também os demónios crêm, e estremecem”.[xi]
A Verdade de Deus, Cristo, torna
possível e é o fundamento de qualquer outra verdade e, sem a qual, o campo da
inteligência humana se reduz à comprovação experimental, talvez científica dos
factos, sem jamais penetrar nem no quê nem no porquê das pessoas e dos
universos, de tudo quanto acontece, de tudo quanto existe.
A Verdade de Cristo recebida na Fé, e
aceite no acto de Fé, leva o homem a reconhecer-se em toda a sua identidade
como criatura. A sabedoria germina na posição do espírito que se reconhece
«criado à imagem e semelhança de Deus, seu filho e chamado a participar, de
alguma forma, na natureza divina”.
Este desenvolvimento do germinar da Fé
vai, de certo modo, paralelo à descoberta da grandeza de Deus, da Verdade de
Cristo, «em quem se encontram encerrados todos os tesouros da sabedoria e da
ciência”.[xii]
Desta forma, pela fé, Cristo habitará
nos nossos corações e seremos capazes de compreender «com todos os santos qual
é a largura e o comprimento, a altura e profundidade do mistério de Cristo”.[xiii]
A este crescer na Fé corresponde, no
coração do crente, uma relação pessoal com Deus e, portanto, o desejo de
adorar.
Adorar não é nenhum acto de vassalagem
nem de humilhação da criatura, mas a plena realização da sabedoria.
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
[i] Col 1, 4-5
[ii] 1 Ts 1, 3
[iii] Ef 1, 15-18
[iv] são tomás de aquino, Compendio de Teologia, n. 2.
[v] são joão paulo ii, Tertio millenium adveniente, n. 31.
[vi] Dz. 800
[vii] são josemaria escrivá, Es Cristo que passa, n. 11.
[viii] Catecismo, n. 1814
[ix] Rm 5, 1
[x] Jo 8, 31-32
[xi] Tg 2, 19
[xii] Col 2, 3
[xiii] Ef 3, 18
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