Art.
3 — Se a imagem de Cristo deve ser adorada com adoração de latria.
O terceiro discute-se assim. — Parece
que à imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
1. — Pois, diz a Escritura: Não farás para ti imagem de escultura, nem
figura alguma. Ora, nenhuma adoração deve ser prestada contra o preceito de
Deus. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
2. Demais. — Não devemos imitar as
práticas dos gentios, como diz o Apóstolo. Ora, os gentios são precipuamente
acusados porque mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança de figura
de homem corruptível. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada com
adoração de latria.
3. Demais. — A Cristo é devida a
adoração de latria em razão da divindade, e não, da humanidade. Ora, à imagem
da sua divindade, impressa na alma racional, não é devida a adoração de Iatria.
Logo, muito menos o é à imagem corpórea, que lhe representa a humanidade.
4. Demais. — No culto divino não se
deve praticar senão o instituído por Deus. Por isso o Apóstolo, ao transmitir a
doutrina do sacrifício da Igreja, diz; Eu
recebi do Senhor o que também vos ensinei a vós. Ora, a Escritura nada nos
diz sobre a adoração das imagens. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada
com adoração de latria.
Mas, em contrário, Damasceno cita
Basílio, que diz: A honra prestada à
imagem é prestada ao ser a que ela pertence, isto é, ao modelo. Ora, o modelo
mesmo isto é, Cristo, deve ser adorado com adoração de latria. Logo, também a
sua imagem.
Como diz o Filósofo, a
nossa alma se aplica com duplo movimento, a uma imagem, à em si mesma, como uma
determinada coisa e enquanto imagem de alguém. E entre esses dois movimentos há
a diferença seguinte: o primeiro movimento, pelo qual nos aplicamos a uma imagem,
enquanto uma determinada coisa, difere daquele pelo qual nos aplicamos ao ser a
que ela pertence; ao passo que o segundo movimento, cujo objecto é a imagem
como tal, é idêntico ao que tem por objecto o ser ao qual ela pertence. Donde,
pois, devemos concluir, que à imagem de Cristo, enquanto uma determinada coisa,
por exemplo, madeira esculpida ou pintada, nenhuma reverência é prestada, por
que reverência só é devida à natureza racional. E daí resulta que lhe prestamos
reverência só enquanto imagem. Donde se segue que a mesma reverência é prestada
à imagem de Cristo e ao próprio Cristo. Sendo, portanto, Cristo adorado com
adoração de latria, consequentemente a sua imagem deve ser adorada também com
adoração de latria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
O referido preceito não proíbe fazer qualquer escultura ou imagem, mas, fazê-la
para adorar, e por isso acrescenta: Não
as adorarás nem lhes darás culto. Mas, como se disse, o movimento para a
imagem é o mesmo que o para a realidade; por isso, é proibida a adoração da
imagem do mesmo modo pelo qual o é a adoração do ser a que ela pertence. E por
isso se entende a proibição, do lugar aduzido, de adorar as imagens, que os
gentios faziam para venerar os seus deuses, isto é, os demónios. Donde o
acrescentar a Escritura: Não terás deuses
estrangeiros diante de mim. Pois, do verdadeiro Deus, que é incorpóreo, não
se pode fazer nenhuma imagem corpórea; porque, como diz Damasceno, é suma insipiência e impiedade dar figura ao
divino. Mas, como no Novo Testamento Deus se fez homem, pode ser adorado na
sua imagem corpórea.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Apóstolo
proíbe tomarmos parte nas obras infrutuosas dos Gentios; mas não o proíbe que participemos
das suas obras úteis, Ora, a adoração das imagens deve ser contada entre as
obras infrutuosas, por duas razões. Primeiro, porque alguns gentios adoravam
essas imagens como se fossem as realidades, crendo habitar nelas a divindade,
por causa das respostas que os demónios por meio delas davam, e outros efeitos
insólitos semelhantes. Segundo, por causa das realidades que elas manifestavam;
pois, faziam essas imagens, de algumas criaturas, veneradas nelas pela veneração
de latria Ao passo que nós adoramos por adoração de latria a imagem por causa
da realidade que ela representa, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — À criatura
racional é devida reverência, em si mesma. Donde, se à criatura racional, que é
a imagem de Deus, fosse tributada a adoração de latria, poderia haver ocasião
de erro; isto é, poderia o afecto dos adoradores limitar-se ao homem, como um
determinado ser, sem se levar até Deus, de que ele é a imagem. O que não pode
dar-se com a imagem esculpida ou pintada na matéria sensível.
RESPOSTA À QUARTA. — Os Apóstolos, por
uma inspiração familiar do Espírito Santo, ensinaram algumas práticas a serem
observadas pelas Igrejas, que não deixaram por escrito, mas na observância da
Igreja, através das gerações dos fiéis, Por isso o próprio Apóstolo diz: Estai firmes e conservai as tradições que
aprendestes, ou de palavra, isto é, proferida oralmente, ou de carta nossa,
isto é, por um escrito transmitido. E entre essas tradições está a da
adoração das imagens de Cristo. Por isso São Lucas pintou a imagem de Cristo,
que, segundo se conta, está em Roma.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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